O pombo enigmático
Paulo Mendes Campos
Na inelutável necessidade do amor (era quase primavera) pombo e pomba marcaram um encontro galante quando voavam e revoavam no azul do Rio de Janeiro. Era bem de manhãzinha.
– Às quatro em ponto me casarei contigo no mais alto beiral – disse o pombo.
– Candelária? – perguntou a noiva.
– Do lado norte – respondeu ele.
Pois, às quatro azul em ponto, a pomba pontualíssima pousava pensativamente no beiral. O pombo? O pombo não.
A pombinha, que era branca sem exagero, arrulhava, humilhada e ofendida com o atraso, contemplando acima do campanário todas as possibilidades da rosa-dos-ventos. Mas na paisagem do céu voavam só velozes andorinhas garotas porque as andorinhas mais velhas enfileiravam-se nas cornijas, pensando na morte, como gente fina, lá dentro nos dias solenes de missa de réquiem.
Quatro e dez. Quatro e um quarto. Uma pomba sozinha, à mercê quem sabe de um gavião, lendário mas possível. Sol e sombra. Como custa a passar um quarto de hora para uma noiva que espera o noivo no mais alto beiral. Como a brisa é triste. Como se humilha em revolta a noiva branca.
Ah, arrulhou de repente a pomba, quando distinguiu, indignada, o pombo que chegava, o pombo que chegava caminhando pelo beiral mais alto, do outro lado, lá onde, um pouco além, gritavam esganadas as gaivotas do mar pardo do mercado. Irônica, perguntou a pomba:
– Perdeste a noção do tempo?
– Perdão, por Deus, perdão – respondeu o pombo: – Tardo mas ardo. Olha que tarde…
– Que tarde? – perguntou a pomba.
– Que tarde! Que azul! Que tarde azul!
– Mas e eu?! – disse a pomba. – Sozinha aqui em cima!
– A tarde era tão bonita – disse o pombo gravemente – a tarde era tão bonita, que era um crime voar, vir voando…
– Mas e eu?! Eu?! – queixava-se a pomba.
– A tarde era tão bonita – explicou o pombo com doce paciência – que eu vim andando, que eu tinha de vir andando, meu amor.
Novo PAC com o DNA da reconstrução nacional https://tinyurl.com/5dfss72m
Nenhum comentário:
Postar um comentário