26 setembro 2025

Minha opinião

Como uma Babel organizada 
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65 

Todos se olham, mas não se enxergam — por absoluta ausência de laços além da breve convivência na sala de espera da clínica oftalmológica.

Uma Babel organizada: afixadas na parede, uma tela de TV exibe paisagens litorâneas; a outra, nomes de pacientes que se sucedem conforme são chamados ao consultório; vozes se misturam em fragmentos quase inaudíveis.

O cidadão bem posto, terno e gravata e óculos de aros escuros, cochila solitário. 

Mãe e filha parecem discordar de não sei o quê.

Tudo ali parece uma pequena amostra da sociedade em estado de pausa: o senhor de paletó cansado, com a bengala apoiada no joelho, tentando ler o nome na ficha; a moça jovem que alterna entre o celular e o espelho da bolsa, como se buscasse, em vão, uma nitidez que os óculos escuros não conseguem devolver; a criança inquieta, puxando a barra da mãe, cansada mais de esperar do que da vida.

O que mais chama atenção são os olhares de esperança — aquele brilho tênue que resiste mesmo diante do diagnóstico já conhecido; de medo, como o da senhora que segura forte a alça da bolsa, tentando dissimular o nervosismo diante do exame que pode dizer mais do que ela gostaria de saber.

E há também os olhares indiferentes, perdidos, como se nem estivessem mais ligados ao corpo. São os mais tristes: não por verem pouco, mas por já não quererem enxergar.

E então, quando finalmente um nome é chamado — sempre em tom neutro, burocrático —, o escolhido se levanta com um misto de alívio e temor, como se chamado para ver não só a retina, mas a própria existência.

A sala de espera, afinal, é isso: um lugar onde a vida aguarda ser lida com mais nitidez. Como um exame demorado, onde cada um tenta, à sua maneira, reencontrar o foco.

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Leia: "Amor e ódio ao smartphone" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/minha-opiniao_21.htm

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