Como uma Babel organizada
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Todos se olham, mas não se enxergam — por absoluta ausência de laços além da breve convivência na sala de espera da clínica oftalmológica.
Uma Babel organizada: afixadas na parede, uma tela de TV exibe paisagens
litorâneas; a outra, nomes de pacientes que se sucedem conforme são chamados ao
consultório; vozes se misturam em fragmentos quase inaudíveis.
O cidadão bem posto, terno e gravata e óculos de aros escuros, cochila
solitário.
Mãe e filha parecem discordar de não sei o quê.
Tudo ali parece uma pequena amostra da sociedade em estado de pausa: o
senhor de paletó cansado, com a bengala apoiada no joelho, tentando ler o nome
na ficha; a moça jovem que alterna entre o celular e o espelho da bolsa, como
se buscasse, em vão, uma nitidez que os óculos escuros não conseguem devolver;
a criança inquieta, puxando a barra da mãe, cansada mais de esperar do que da
vida.
O que mais chama atenção são os olhares de esperança — aquele brilho
tênue que resiste mesmo diante do diagnóstico já conhecido; de medo, como o da
senhora que segura forte a alça da bolsa, tentando dissimular o nervosismo
diante do exame que pode dizer mais do que ela gostaria de saber.
E há também os olhares indiferentes, perdidos, como se nem estivessem
mais ligados ao corpo. São os mais tristes: não por verem pouco, mas por já não
quererem enxergar.
E então, quando finalmente um nome é chamado — sempre em tom neutro, burocrático
—, o escolhido se levanta com um misto de alívio e temor, como se chamado para
ver não só a retina, mas a própria existência.
A sala de espera, afinal, é isso: um lugar onde a vida aguarda ser lida
com mais nitidez. Como um exame demorado, onde cada um tenta, à sua maneira,
reencontrar o foco.
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Leia: "Amor e ódio ao smartphone" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/minha-opiniao_21.htm
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