Cuidado: o porta-aviões está chegandoAbraham
B. Sicsu
Eventos marcam. Em épocas diferentes. Fazem refletir, repensar posições nada simples, nada cômodas. As supermáquinas pontuam momentos políticos de impasses, de indefinições. Os porta-aviões chegam.
Governo de João
Goulart, 1962. Estava acabando o primário e tinha dois colegas de classe
sobrinhos de artista famoso. Éramos moleques, metidos a intelectuais,
acreditando que fazíamos a revolução.
Seu tio, um músico
sátiro, muito dotado, extremamente inteligente: Juca Chaves. Fez uma música que
nos foi apresentada em encontro, acredito, na casa dos sobrinhos. A música fez
sucesso e marcou época. Um trecho dizia:
“Brasil,
terra adorada
Comprou
porta aviões
Oitenta
e dois bilhões
Brasil,
oh pátria amada
Que Palhaçada.”
Crítica feroz ao gasto público em um bem que não se via sentido. Pelo menos, para ele e seus admiradores, e para as crianças que éramos.
A embarcação se chamou Minas Gerais, Foi o primeiro
porta-aviões da Marinha Brasileira. Velho, verdade, seria usado na Segunda
Guerra, mas nem isso foi, ficou um tempo com a Austrália e compramos de segunda
mão.
Tinha sido adquirido em 1956, bem antes do governo da
época da música, não importava para os críticos, do governo britânico e ficou
na ativa até 2001 quando virou sucata, após muitas tentativas frustradas de
venda. Podia levar até 20 aeronaves entre aviões de combate e helicópteros. À
época impressionavam os números. Mais de mil pessoas envolvidas em sua
operação. Símbolo de orgulho nacional, diziam nossas autoridades engalanadas.
Finalmente tínhamos um.
Os críticos, ao contrário, questionavam. Um equipamento
cuja explicação era pouco convincente. Uma plataforma de aviões em pleno mar,
para quê? Aproximar as aeronaves por mar de quê objetivo? Ter por ter fazia algum sentido?
A galera delirava e escarnecia de um Governo que já era
frágil. Não se sabia o caos que estávamos apoiando e que estava sendo armado.
Agora, no jornal da sexta feira, dia 24 de outubro de
2025, uma notícia chama a atenção. Os Estados Unidos da América autorizam uma
missão militar junto com o governo de Trinidad e Tobago. O maior porta-aviões
do mundo será deslocado para a região. Mais precisamente para as ilhas em
frente à Venezuela.
O Gerald Ford é uma monstruosidade. Movido por um gerador
de energia nuclear. Segundo a CNN, tem envolvidos em sua tripulação cerca de
cinco mil pessoas, uma mini cidade, e pode transportar noventa aviões. Além, de
mísseis balísticos e armamentos ultrassofisticados. É acompanhado por uma frota
de navios e equipamentos de guerra de tecnologia avançadíssima e aeronaves
ultramodernas.
A justificativa desse deslocamento para o Mar do Caribe
não é apenas treinamento militar, envolve um clima de mistérios pouco
desvendados. Além de uma posição política assumida, de acusações antes dos
fatos serem provados.
Quer-se combater o narcotráfico, sem provas até agora de
que este se reconcentra na região norte do continente sul-americano, mais
precisamente em dois países andinos. Até já, como teste, atiraram umas bombinhas
que afundaram dez embarcações pequenas, sob o dito pretexto, e levaram à morte
de 37 pessoas.
A poucos quilômetros da Venezuela, o arquipélago de
Trinidad e Tobago, vai receber fuzileiros navais americanos para exercícios de
preparação militar. No domingo, 26 de outubro, chegou o USS Gravely, um navio
de guerra lançador de mísseis, ancorado a cerca de 10 quilômetros da Venezuela.
Procuram-se os reais alvos. Parece que dois personagens e
dois países estão na mira, Petros e Maduro, Colômbia e Venezuela. Implicitamente,
para avisar a China e a Rússia que aqui não devem se meter, o território é
deles. Não há concessão ou discussão.
Colômbia que foi o principal aliado americano no combate
aos cartéis e ao narcotráfico recentemente. Colômbia onde foi anunciado, em
conjunto com os americanos, o fim dos grandes cartéis das drogas. Mas, isso não
é relevante.
O dito Imperador do Mundo não sabe o que é soberania, não
aceita a autodeterminação dos povos, para ele, Sul América é quintal americano,
tem que se submeter a seus desejos.
Nos últimos meses os “yankees” inventaram uma nova guerra.
Não teórica, mas real, mobilizando caças, submarinos e embarcações em operações
de combate às drogas na região.
Mesmo sem ter muita certeza de que os barcos e lanchas
atacados tinham efetivamente ligação com o narcotráfico. Nenhuma prova concreta
apresentada. Sem limite territorial, nos mares do Caribe e do Pacífico.
Trump tem o discurso na ponta da língua. Maduro e Petros
são líderes de movimentos de narcotraficantes. E deu uma ordem explícita. A CIA
tem que atacar os dois países. Mais, mobilizou o comando antiterroristas que
matou Bin Laden no sentido de repetir a façanha com os dois dirigentes deste
continente.
Evidentemente, tal atitude gera reações. Reservistas estão
sendo convocados e exercícios militares são diuturnos no litoral da nossa
vizinha Venezuela.
O presidente colombiano também se manifesta. Diz jamais
ficar de joelhos. Reafirma a posição contra narcotraficantes. Afirma que se
está criando uma guerra para desestabilizar a região e, assim, como afirma
também Maduro, se apoderarem das reservas minerais, inclusive do petróleo, na
região.
Não tenho nenhuma simpatia por Maduro e suas atitudes
antidemocráticas. Mas, impossível aceitar que uma superpotência utilize sua
força como mecanismo de impor um projeto personalista de dominação.
O mundo não é e nem deve ser propriedade de uma nação. Criar
guerras é uma temeridade que pode custar milhões de vida, simplesmente por um
capricho de querer delimitar um continente como sendo seu. Um senhor, Falso Imperador, que diz querer
ser Prêmio Nobel da Paz contradiz a lógica, o bom senso.
Dia 27, os Presidentes do Brasil e dos Estados Unidos se
reúnem. Muita mídia, assunto esperado e desejado por quase todos. A pauta é
basicamente econômica. Esperemos que venham os resultados.
O que causa
estranheza, pelo menos no que foi veiculado na imprensa, é que os temas
Soberania e Autodeterminação dos Povos aparecem marginalmente. Num momento em
que mais do que ameaças existem, em que há o risco concreto de intervenção
militar nos países que são nossos vizinhos. Algo que mexe profundamente com a
geopolítica da região e pode desestabilizá-la, pior, entrar numa guerra cruel e
devastadora, talvez sem controle. O máximo que se fala é que o Brasil se dispõe
a mediar a crise no norte do continente. Por que não exigir que seja evitada e
interrompida? Por que não pedir aos americanos respeito às soberanias
nacionais?
Parece que a preocupação única é melhorar nossas relações
comerciais, conseguir mercados, mesmo que com o tarifaço já tenhamos provado
que o Brasil pode entrar em novas áreas comerciais, que os impactos foram bem
menores dos que os anunciados.
Antes que o porta-aviões chegue, bom refletirmos qual deve
ser nossa postura frente às crises internacionais, qual o respeito que teremos
se continuarmos declarando que somos o país líder na América do Sul, mas nos
abstermos de uma posição firme frente ao todo poderoso Senhor das Bravatas, que
anuncia invasão sem argumentos sólidos, que desrespeita os povos e sua
autodeterminação.
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Leia também: “Catabil sobre o Índico” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniao_13.html

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