Os donos da Praça da República
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
A bordo do frescão para o Aeroporto de Guarulhos, nesta clara manhã de setembro, a câmera do celular Sony-Ericson (3,2 pixels – ótima resolução, dizem) apontada para o buquê de rosas vermelhas abandonado a poucos metros da lixeira, tudo parece preparado para uma bela foto. – Tuca vai gostar, quem sabe possa imaginar o roteiro de um curta-metragem. O desenlace dramático de um grande amor em plena madrugada. O buquê rejeitado por quem o recebeu ou ali largado por quem o desejou usar como sinal do bem-querer e sequer ao derradeiro encontro teve chance. Ou talvez possa inspirar Cida Pedrosa a traduzir a cena em versos cortantes e doloridos. Ou um vídeo-poema a quatro mãos.
Enquadramento perfeito. Luminosidade adequada.
Assim, em diagonal, as rosas quase murchas em primeiro plano, a lixeira como
pano de fundo. Contraste: rosas ofertadas por amor condenadas à sarjeta.
É o momento do clique. Mas eis que pombos em grupo
chegam sem avisar e formam uma roda de ciranda em torno do buquê. Barulhentos.
Nervosos. Intrometidos: impedem o ângulo da foto, relegam o buquê a um obscuro
e injusto segundo plano. Movimentam-se em moto contínuo, como que a impedir que
ao fotógrafo reste o ângulo de visão mínimo de que precisa.
O tempo passa. O ônibus partirá às 6,40. Faltam
apenas dois minutos. – Saiam, intrusos de uma figa! Um buquê de rosas
abandonado numa manhã de sol vivo na Praça da República é um acontecimento
importante, uma tragédia sentimental que há de ser documentada para sempre.
Deixem que esse modesto e emocionado observador do alvorecer paulistano faça a
foto. Por que não dão uma volta, por um minuto que seja?
O motorista liga o motor. Engata a marcha, dá a
saída. Agora não dá mais. Perderam-se o ângulo e o ânimo. Foram-se o poema e a
foto. O ônibus se afasta lentamente. Da janela dá para ver que afinal os
intrusos, em discreta revoada, se deslocam num rasante com destino à cúpula do
edifico do Colégio Caetano de Campos, na esquina da praça. Conseguiram impedir
o registro daquele caso de desamor e desesperança, donos que são desta Praça da
República acolhedora do prazer e da dor, do sonho e da infelicidade humana.
[Se comentar, identifique-se]
Leia também um poema de Joaquim Cardozo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/05/palavra-de-poeta_27.html

Nenhum comentário:
Postar um comentário