Meu senso crítico questiona as minhas análises sobre futebol
Temos boas conversas, discussões, com leveza e sem radicalismo; um escuta e aprende com o outro
Tostão/Folha de S. Paulo
De vez em quando, a minha consciência, o meu senso crítico e o meu GPS me questionam, influenciados por alguns fatos e outras opiniões, a respeito das minhas análises sobre futebol.
De vez em quando, meu senso crítico pergunta se eu não dou muito valor ao acaso. As condutas dos jogadores em campo e as estratégias utilizadas pelos treinadores são os fatores mais determinantes no futebol, o que não anula a importância do acaso.
Confundem acaso com sorte. Acaso são fatos habituais que fazem parte da história de cada jogo, como um erro decisivo do árbitro, um pênalti perdido, uma bola que é desviada e entra no gol, a inconsistência emocional e dezenas de outros acontecimentos frequentes, mas que não sabemos quando e onde vão ocorrer. Acontecem.
De vez em quando, meu senso crítico me avisa que às vezes exagero nos elogios aos times europeus e que critico demais os brasileiros. Meu fascínio é por determinadas equipes, por jogadores, pelos ótimos gramados e pela ausência de tumultos durante as partidas, frequentes no Brasil.
O Manchester City joga o futebol coletivo mais eficiente e mais bonito do mundo, talvez da história, além de ter excepcionais atletas. O Real Madrid encanta pelos craques que tem e pela capacidade de criar variações táticas dentro de um jogo. No Brasil, além de os melhores jogadores irem para a Europa, estamos ainda reféns de algumas práticas ultrapassadas, com zagueiros colados à grande área e com enormes espaços entre os setores de campo.
Quando vejo o City e o Real Madrid atuarem, lembro-me do Santos de Pelé e do Botafogo de Garrincha dos anos 60. Quem venceria uma partida entre o City e o Santos? Não importa o resultado. Parafraseando o grande poeta Ferreira Gullar ("a arte só existe porque a vida não basta"), a beleza de um jogo é necessária porque o placar não basta.
Os maiores times da história também perdem, às vezes por goleada. Em 1966, o time de garotos do Cruzeiro ganhou do Santos com Pelé e todos os titulares por 6 a 2 no Mineirão e por 3 a 2 no Pacaembu, na decisão da Taça Brasil, título que hoje faz parte da história do Brasileirão.
Antes da partida no Mineirão, discutimos sobre como poderíamos parar o Santos. Decidimos fazer uma tremenda correria sem perder a organização e o talento. O Santos não pegou na bola. O primeiro tempo terminou 5 a 0 para o Cruzeiro. O craque Dirceu Lopes foi o Pelé do jogo.
De vez em quando, meu GPS me questiona por valorizar pouco as estatísticas. Elas são fundamentais para a compreensão de um jogo, mas há um tremendo exagero. Fazem estatísticas de tudo, do que não tem nenhuma importância. Há milhares de estatísticas sobre o número de finalizações em uma partida, mas não se fala no número de chances claras de gol. Muitos olham mais para os números do que para o jogo.
De vez em quando, meu senso crítico me avisa que me empolgo demais com os times que valorizam os meios-campistas e que jogam com muita posse de bola e troca de passes. Sei que há várias maneiras de jogar bem e de vencer, mas a do City me arrepia.
De vez em quando, minha consciência me critica por ainda ter esperança de que Neymar volte a brilhar e seja decisivo na próxima Copa do Mundo. A minha esperança é pequena por causa de suas inúmeras contusões, por suas bobices fora de campo e por ter ido jogar na Arábia. Porém ele já foi tão espetacular que não custa nada sonhar.
Eu e meu senso crítico temos boas conversas, discussões, com leveza e sem radicalismo. Um escuta e aprende com o outro.
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