Viajante esporádico
Luciano Siqueira
Houve tempo em que viajei muito de avião. Entre Recife e Brasília, nas quatro vezes em que fui vice-prefeito do Recife; e entre Recife e São Paulo, quando integrante da Comissão Política Nacional do PCdoB.
Frequentemente, no aeroporto, foi vapt-vupt: check in antecipado, bagagem apenas de mão, voo no horário previsto...
Outras vezes, demorada espera.
Nesses casos, entre a leitura de um livro (que sempre levo à mão) e a atenta e divertida observação das pessoas, o aprendizado inesgotável da arte (ou peleja?) de viver.
Ultimamente, minhas viagens aéreas são esporádicas. Perco, assim, a oportunidade de registrar imagens, diálogos e, a contragosto, percalços decorrentes das imposições das companhias aéreas.
Minha viagem mais recente, a Brasília, para reunião da direção nacional do PCdoB, me proporcionou uma sensação estranha - não no avião, nem no aeroporto; no hotel de baixíssima tarifa, embora de boa localização.
Fui encaminhado ao quarto antecipadamente reservado: um cubículo no subsolo, que não fosse um envelhecido aparelho de TV, o ar condicionado de baixo desempenho e a mini toalete, bem que poderia se comparar a uma cela do terrível DOI-CODI da ditadura militar.
Aqui no Recife, funcionava num anexo ao comando do então IV Exército, esquina das ruas do Príncipe e do Hospício.
As celas eram minúsculas. O preso permanecia praticamente sem roupa, sobre o chão de cimento frio, sem instalações sanitárias, de onde era levado para a sala de torturas.
No DOI-CODI do Recife permaneci um mês e vinte e dois dias, sob torturas físicas e psicológicas, em 1974.
O tempo não cura as feridas, embora as cicatrize.
Pois ao me acomodar no cubículo do hotel em Brasília, de pronto liguei a TV como reação instantânea à estranha sensação (ligeiro tremor no corpo, inclusive) de que fora levado a uma cela.
Mas logo me recompus e me concentrei no que seria a reunião do Partido.
No retorno ao Recife, pude observar calmamente o quanto mudou o Aeroporto de Brasília, agora bem mais moderno. Aquele enxame de passageiros apressados, como que convergentes - os que partiam e os que chegavam - quanto à mesma urgência em tudo.
Senti-me meio que à margem daquele frissom, que me parece irracional. Pois trabalho muito, mas me recuso à agonia parecida com a do jogador de futebol iniciante, que se deixa levar por impulso e corre atrás da bola, em prejuízo do plano tático do time.
Eu, não. Na sétima década de vida e de muita luta, felizmente amadureci o suficiente para jogar bem, porém fazendo a bola correr e não correndo atrás dela.
Assim espero continuar por um bom tempo ainda. No cotidiano da militância e da vida. E nos aeroportos.
Na palma da mão, os sonhos do mundo https://bit.ly/3Ye45TD
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