27 maio 2024

Ruy Frazão, presente!

Rui Frazão é um dos heróis do povo brasileiro, presença marcante na memória histórica do Partido Comunista do Brasil-PCdoB. Estudou engenharia da Universidade Federal de Pernambuco, não concluindo o curso em razão da perseguição policial sob a ditadura militar. Esteve entre os dirigentes e militantes da Ação Popular que em 1972 extinguiram a organização e ingressaram no Partido Comunista do Brasil.

Juntamente com Alanir Cardoso, Bosco Rolemberg, Oswald Barroso e eu, integrou núcleo de direção regional do PCdoB, no Nordeste, que atuava na mais dura clandestinidade.

Preso, torturado e morto nos porões da ditadura, permanece em nossa memória como exemplo de consciência revolucionária e dedicação ao povo e à causa do socialismo. (LS)

Aos 50 anos de sua prisão, publicamos o emocionante texto de Ana Müler, advogada da família de Ruy:

Rui Frazão: 50 anos de seu desaparecimento
Assim começou a busca
Ana Müler



Naquele tempo, final dos anos 70, havia nesta Cidade do Rio de Janeiro, um período do dia, que a cidade ficava sem luz.

Isso mesmo: sem luz!

Era chamado de apagão!

Biga chegou no escritório dizendo que teríamos um atendimento. Bem na hora do tal apagão. Não poderíamos adiar. Era uma mulher que buscava localizar o marido, desaparecido na Feira de Petrolina-Pe.

Resolvemos atende-la numa lanchonete na esquina da Avenida Graça Aranha com a Rua Araújo Porto Alegre - Itahy era seu nome.

Na hora marcada chegou uma mulher linda, de traços quase indígenas, pele alva, cabelos muito pretos e lisos, uma cearense bela, mas com o semblante marcado pelo sofrimento. Isso era visível.

Trazia sua história. O desaparecimento do seu amor, o sofrimento de nunca o ter localizado, o sofrimento de seu filho, a insegurança de cria-lo sozinho.

A falta dele a maltratava demais.

Quando falava de sua decisão de ir até o final do universo para desvendar o que foi feito com seu marido e a localização de seu corpo, ela crescia, ficava gigante e dizia: EU QUERO TUDO!!! QUERO SABER O QUE FOI FEITO COM RUI! QUERO QUE ESSE ESTADO PAGUE ATÉ O INFINITO O MAL QUE NOS CAUSOU! NOSSA FAMILIA FOI MUTILADA, CADA UM DE NÓS PERDEU UM PEDAÇO. QUERO SABER QUEM FEZ, ONDE ESTÁ, QUERO PUNIÇÃO PARA QUEM MALTRATOU E MATOU RUI.

Era corajosa e determinada.

Aos poucos foi trazendo o nome das pessoas que viram Rui ser arrastado da Feira de Petrolina por homens à paisana, armados, que já batiam nele que soltou um apelo: AVISEM A LICINHA!!!!!

Nada mais foi dito. Sumiu. Sumiram com Rui, um cara envolvente e querido por todos naquele lugar.

Não tinha inimigos (pelo menos, declarados), era comerciante e feirante. Ali ficava entre o povo comum da cidade, atendia o pessoal que vinha do interior e tocava sua vida.

Parece que não imaginavam que aquele homem atraente, corajoso, culto por demais, era dirigente de uma organização clandestina que resistia à tirania e que queria transformar nosso Brasil num lugar mais digno para se viver, sem as diferenças de classes tão cruéis, com mais educação, saúde, com acesso à alimentação, moradia digna para todos.

Pensar e lutar para alcançar esses objetivos, tinha uma sentença de morte que servia para garantir a vida farta dos capitalistas e latifundiários.

Assim foi com Rui.

Jovem brilhante e cativante, foi presidente da UEPe e dirigente revolucionário. Andou pelos 4 cantos do mundo para saber que seu sonho não era impossível.

Desapareceram com um homem culto, corajoso, justo, revolucionário e que queria mudar o Brasil para melhor.

Se indignava com o flagelo da seca, da fome e da segregação social.

Biga e eu topamos fazer o processo.

Deveria ser na Justiça de Pernambuco.

Isso tornava mais dificultoso, pois os custos seriam mais altos e Felícia nem o escritório tinha como suportar os gastos com viagens, buscar testemunhas, conversas, levantar dados e tudo mais que deveríamos providenciar.

Felícia não possuía esses recursos.

Padre Renzo, nosso anjo das asas invisíveis, missionário italiano e que se apaixonou pela luta dos que combatiam a ditadura, o latifúndio e o capitalismo veio nos ajudar na locomoção. Em vários locais, amigos nos deram hospedagem. No interior = Petrolina e Juazeiro, contei com o acolhimento do Bispo d. Jose Maria Rodrigues. Não só na hospedagem como tb para localizar as testemunhas que viram Rui ser preso, arrastado e jogado num veículo de chapa fria.

Era preciso estar atento e forte.

Sozinha não conseguiria.

Todos desconfiados. Perigoso.

A busca pelo nordeste foi intensa.

Conseguimos que o compromisso daquelas pessoas firmes nas suas palavras e ternura pelo casal e pelo pequenino confirmassem que fariam seus depoimentos em Juízo.

Pessoas simples, honradas. Pessoas que verdadeiramente constroem este país.

Depois dessa viagem a Juazeiro e Petrolina, volto para o Rio e passamos a organizar o material e preparar a primeira intervenção na Justiça Federal de Pernambuco.

Decidimos por uma ação cautelar preparatória para a ação principal, para resguardar o depoimento das testemunhas, juntar documentos e preparar o próximo passo.

No Recife, a ação teve repercussão e estudantes se mobilizavam nos dias de audiência e iam para frente da Vara Federal, em grande número.

Isso deu mais visibilidade ao processo.

As testemunhas foram firmes em seus depoimentos.

O momento mais dramático foi quando o ex preso Alanir Cardoso, foi acareado com seu torturador, confirmando que tinha dito na tortura que The impôs, que o "comprido tinha virado presunto". Olhou determinado e altivo para o crápula que nervoso negava tudo.

Os crápulas ficam nervosos.

Os crápulas tem medo.

Os crápulas olham para baixo.

Alanir estava imenso, gigante, na sua ética e na determinação de restabelecer a verdade.

Aliás, todas as testemunhas foram determinantes para formação de um juízo de veracidade.

Feito os procedimentos processuais, o processo vai para as mãos do Juiz Roberto Wanderley que decide pela culpa da União pela prisão ilegal, tortura, cárcere privado e desaparecimento de RUI FRAZÃO SOARES.

Uma das mais belas peças decisórias exarada na história recente.

Sua firmeza e cultura, permitiu que Felícia e Henrique e toda família de Rui iniciasse seu interminável luto.

Lançou toda sua indignação contra as arbitrariedades cometidas pelo Estado Ditatorial Brasileiro.

Felícia não parou. Foi adiante.

Compareceu em todos os momentos do processo.
A falta de Rui era maior do que tudo.

Compareceu a todas homenagens.

Um dia, nossa brava guerreira não mais acordou.

Dormiu um sono profundo entre nós, penso que desejava se despedir de cada um.

Henrique acompanhou sua mãe e parceira de vida até o minuto final. Recebia com elegância e carinho os amigos que iam visita-la no hospital e respeitava o momento de cada um.

Jamais esquecerei do seu semblante quando fui visita-la: serena.

Parecia dizer, missão cumprida!

Minha admiração por Felícia não tem tamanho.

Todas as mulheres que choraram junto as suas perdas e que me permitiram seguir junto, minha eterna gratidão.

...

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2014/03/pronunciamento-dos-comunistas-nos-50.html

3 comentários:

Anônimo disse...

#torturanuncamais #ditaduranuncamais O povo unido jamais será vencido!!!

Anônimo disse...

o camaradaRui Frazão estará presente na luta de todos aqueles que acreditam que será possivel uma nova sociedade. O SOCIALISMO,

Anônimo disse...

Ruy Frazao e Felicia PRESENTES.
São heróis de nossa resistência contra a ditadura militar assassina e entreguista.