O mau exemplo da justiça americana e a resistência dos bons
Enio Lins
ONTEM, AQUI FOI ABORDADA a repercussão do início do julgamento do século, citando dois dos principais veículos da mídia ocidental, a revista britânica The Economist e o jornal americano The New York Times. Ambas as publicações insistiram no mesmo tema: a lição dada pelo Brasil aos Estados Unidos, ao julgar golpistas. Vamos adiante nesta constatação fundamental, e tão cara para qualquer pessoa interessada na Democracia. Visitemos o péssimo exemplo dado pela justiça ianque.
EM 6 DE JANEIRO DE 2021, apoiadores de Donald Trump, num movimento articulado por ele próprio, que – ainda na Casa Branca – recusava aceitar a derrota para Joe Biden, invadiram a sede do parlamento estadunidense, o Capitólio. O objetivo era impedir a proclamação da vitória do candidato Democrata, e manter no poder, à força, o derrotado autocrata Republicano. Um golpe. A primeira tentativa de golpe de Estado na longa história dos Estados Unidos. A intentona trumpista fracassou no mesmo dia, deixando como saldo quatro mortos, dezenas de feridos e mais de mil envolvidos presos em flagrante nas horas seguintes. Processados, foram condenados cerca de 1.500 golpistas dos que participaram da fracassada operação, mas Donald não.
EM 2 DE OUTUBRO DE 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos recusou uma ação que pedia a cassação da candidatura de Donald Trump para as eleições presidenciais de 2024. Foi a mais aviltante das recusas ao cumprimento da 3ª Seção da 14ª Emenda da Constituição estadunidense, onde está expressamente vedada a candidatura, para qualquer posto, de qualquer pessoa que “jurado defender a Constituição dos Estados Unidos, tenha tomado parte em insurreição ou rebelião contra essa Constituição, ou prestado auxílio e apoio a seus inimigos”. A mesma óbvia-ululante alegação foi tentada em instâncias estaduais, sem sucesso. Impune, surfando num tsunami de dólares, com potentados como Elon Musk comprando votos a torto e à direita, Trump foi eleito pela segunda vez para a presidência do s Estados Unidos. E o planeta está pagando essa conta.
NO PRIMEIRO DIA de seu atual mandato, Trump assinou um decreto, no qual, depois de (no item A) comutar as penas 14 condenados, no item B determinou: “conceder perdão total, completo e incondicional a todos os outros indivíduos condenados por crimes relacionados a eventos ocorridos no Capitólio dos Estados Unidos, ou nas proximidades, em 6 de janeiro de 2021”. Simples assim. Um dos ícones da tentativa de golpe trumpista é Jacob Chansley, vulgo QAnon Shaman e/ou Yellowstone Wolf. Anistiado por Trump, sua primeira postagem (no X) fora da prisão, foi: “Agora vou comprar umas armas f**das!”. A mais famosa foto desse meliante, adornado com enormes chifres, é a usada para representar o réu brasileiro Jair B na capa da revista The Economist. Tudo a ver.
MAS NEM TUDO ESTÁ PERDIDO na justiça norte-americana, apesar do ativismo trumpista da Suprema Corte. Existe reação, resistência. Tribunais estaduais estão encontrando brechas para devolver para o lado de dentro das prisões alguns dos bandidos anistiados por Trump. É o caso de Edward Kelley, um militar de extrema-direita, de 36 anos, perdoado em janeiro, e, seis meses depois, condenado por um tribunal do Tennessee à prisão perpétua, por três acusações, inclusive de planejar o assassinato de funcionários federais responsáveis pela apuração do golpe. Isso mesmo que você leu: condenado à prisão perpétua por planejar o assassinato de funcionários federais. Kelley planejou esses crimes em 2022, quase dois anos depois da invasão do Capitólio... e o decreto pró-golpistas de Trump cita especific amente os atos do dia 6 de janeiro de 2021. Bingo!
COMO SE PODE VER pela experiência americana, passar a mão nas pontas dos golpistas é levar chifradas depois. Punição é prevenção: eis a lição.
[Se comentar, identifique-se]
Leia também: Programa China-América Latina projeta autonomia digital https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/chinaamerica-latina-versus-big-techs.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário