Contra o desenvolvimento nacional, BC mantém juros nas alturas
Já se passou um quarto do século XXI e o Brasil segue sob as amarras do neoliberalismo. Pressão do mercado financeiro precisa ser combatida com ampla mobilização.
Editorial do 'Vermelho'
A decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), na quarta-feira (5), de manter em 15% a Selic, a taxa básica de juros da economia, demonstra que o mercado financeiro segue com poder descomunal, fazendo o Estado refém de seus interesses. O abuso aumenta com a afirmação da nota do BC de que, para atingir a meta de inflação, esse nível será mantido por período bastante prolongado, depois de três reuniões seguidas estabelecendo o mesmo patamar, o maior em quase 20 anos.
O presidente do BC, Gabriel Galípolo, culpou a atividade econômica aquecida, o câmbio, o custo da energia elétrica, além de anomalias climáticas pela manutenção da taxa. “Os riscos para a inflação, tanto de alta quanto de baixa, seguem mais elevados do que o usual”, avaliou. A nota citou também o ambiente externo incerto em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos, com reflexos nas condições financeiras globais. “Tal cenário exige particular cautela por parte de países emergentes em ambiente marcado por tensão geopolítica.”
O mantra de combate às pressões inflacionárias, com efeitos principalmente sobre a população mais pobre, também voltou a ser citado. “O Comitê enfatiza que seguirá vigilante, que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado”, afirmou. A baliza é a definição, pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), da meta de 3% para a inflação, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, o limite inferior é 1,5% e o superior 4,5%.
É uma decisão arbitrária. Como disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, essa taxa da Selic não se sustenta nos dados da realidade e tem diminuído a atividade econômica. Ela corresponde a uma taxa de juros real (descontada a inflação) de 10%, explicou. “Economia é indicador e eles parecem não prestar atenção nos indicadores”, disse, destacando que o governo Lula entregará a menor inflação e o menor desemprego da história do Brasil, além do maior crescimento desde 2010. De acordo com Haddad, a inflação já está cedendo, convergindo para a meta, mas o mercado financeiro está torcendo contra.
Além do ministro da Fazenda, as centrais sindicais e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) rechaçaram a decisão do Copom. As centrais, inclusive, realizaram, no último dia 10, uma manifestação na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, contra os juros altos e a defesa do emprego.
O presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo, afirmou que “o Banco Central insiste em uma política monetária que trava o país”. “Precisamos de juros baixos para retomar o crescimento, estimular a produção, o consumo e garantir emprego e renda. O Brasil não pode continuar refém dos interesses do sistema financeiro”, cobrou. Já o presidente da CNI, Ricardo Alban, disse que “a decisão do Copom de manter a Selic em 15% ao ano é mais um duro golpe na economia e na competitividade da indústria brasileira”. Segundo ele – com absoluta razão –, não há justificativa técnica para manter a Selic em patamar tão elevado
Como se vê, o pano de fundo é o desenvolvimento nacional. Não há explicação plausível para a conciliação entre juros altos, uma bola de chumbo atada à produção, e a geração de emprego, renda e inclusão social. A alegação de que as pressões inflacionárias têm efeitos principalmente sobre a população mais pobre também soa como falácia. Mostra a desconexão da política monetária imposta pelo mercado financeiro com a política econômica voltada para o desenvolvimento nacional.
A inflação de fato precisa ser combatida, mas não com essa política que estimula o desemprego e o desalento ao travar os investimentos, o remédio que se transforma em veneno. O Brasil conhece bem essa receita de promessas feitas em tom de profecias, todo tempo afirmada como única, que sempre chegou a resultados melancólicos. A inflação pode perfeitamente bem ser combatida com crescimento e desenvolvimento, sem o garrote dos juros escorchantes do mercado financeiro.
Essa decisão do Copom revela, mais uma vez, o quão enraizado está o domínio dos interesses e da lógica da grande finança no Estado nacional, sufocando as iniciativas que buscam ir além da reconstrução nacional em andamento.
E, na mesma medida, a implementação de um projeto fundado na defesa dos interesses nacionais, com desenvolvimento econômico soberano, reindustrialização em novas bases tecnológicas, distribuição de renda e garantia de direitos, constatação que remete à urgência de reformas estruturais democráticas, conforme propõe o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em seu Programa, o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND).
Um quarto do século XXI já se passou e o Brasil, mesmo com as conquistas dos governos progressistas, segue prisioneiro dos ditames do fracassado modelo neoliberal. Por isso, a urgência da jornada pelas reformas estruturais, das quais se destaca a reforma do sistema financeiro que ponha fim à dominância da lógica do rentismo, da especulação, dos ganhos astronômicos dos bancos e fundos de investimentos.
São questões que demandam ampla mobilização popular, um movimento de largo espectro político, que envolva a maioria da nação, as organizações populares, os partidos democráticos e os setores empresariais comprometidos com a causa nacional. É inaceitável essa ameaça do BC de prosseguir com a manutenção da taxa de juros nas alturas, num momento em que as projeções do próprio mercado financeiro para o crescimento do PIB, em 2026, indicam um patamar inferior a 2% – muito aquém das potencialidades e necessidades do país.
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