A Vitória de Zohran Mamdani em NY fortalece a luta contra a extrema-direita
A vitória de um filho de imigrantes africanos, socialista e defensor do estado palestino, na cidade mais icônica dos EUA sob a presidência de Trump, é um fenômeno de profundo significado.
Thiago Modenesi/Vermelho
Em um cenário global marcado pelo avanço avassalador de forças de extrema-direita, a eleição de Zohran Mamdani como prefeito de Nova Iorque emerge não como um mero evento local, mas como um poderoso contraponto simbólico.
A vitória de um filho de imigrantes africanos, que se autoproclama socialista e é um defensor do estado palestino, na cidade mais icônica dos Estados Unidos justamente sob a presidência de Donald Trump, o arquiteto-chefe da ofensiva conservadora moderna, é um fenômeno de profundo significado. Longe de ser um ponto fora da curva, a ascensão de Zohan representa um conjunto de aspectos positivos cruciais para as forças progressistas mundiais.
Algumas avaliações que tenho lido dão a impressão que nada muda ou que era melhor ter perdido a eleição na maior cidade do mundo, subestimando um resultado como esse no momento de resistência que a esquerda e os democratas vivem por todo planeta.
A narrativa hegemônica da extrema-direita global assenta-se em pilares como o fechamento de fronteiras, a desconfiança perante o “outro” e a glorificação de um passado étnica e culturalmente homogêneo que nunca existiu. A figura de Zohran desmonta cada um desses pilares com a força de uma história de vida.
Ser um filho de imigrantes africanos num país onde a retórica anti-imigração é bandeira central do Partido Republicano transforma sua vitória em uma rejeição direta ao nativismo. Ele personifica o sucesso do multiculturalismo e serve como um espelho para as novas maiorias democráticas e para a diáspora global, mostrando que a origem não é um impedimento, mas sim uma fonte de riqueza e perspectiva. É um golpe no coração da ideologia de America First.
Por décadas, o termo socialista foi tratado como um anátema na política norte-americana, um fantasma da Guerra Fria usado para demonizar qualquer proposta de estado de bem-estar social. A candidatura de Zohran, ao abraçar essa etiqueta e vencer, realiza um feito duplo. Primeiro, ela sinaliza uma mudança geracional e ideológica profunda, principalmente entre os jovens eleitores, para quem as ideias progressistas e a crítica ao capitalismo desregulado são ideias cada vez mais atraentes face às crises climática e de desigualdade e a incapacidade de o capitalismo entregar uma vida melhor as pessoas, ao contrário, houve um agravamento da crise desse modelo.
Segundo ela prova que é possível disputar e vencer o debate de ideias no próprio território do adversário. Fazer isso durante um governo Trump, que personifica o capitalismo e o conservadorismo social, tira a hegemonia do discurso e mostra que a população está aberta a alternativas radicais ao status quo. Isso injeta um ânimo inestimável em movimentos progressistas ao redor do mundo que lutam contra a mesma estigmatização, tem um papel simbólico, mobilizador. É verdade que Nova Iorque é na essência uma cidade de tradição progressista, que o resultado por si só não altera a correlação de forças no país de imediato, mas tem sim uma grande importância, não foi a única derrota do dia, Trump também perdeu os governos da Virgínia e Nova Jersey para os democratas.
E Mamdani tem algo mais, se junta no Partido Democrata ao setor mais a esquerda, com o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, todos autoproclamados socialistas, com pautas progressistas. Óbvio aqui também que não se trata de revolucionários, mas importantes aliados para o contexto em que está inserido a luta política nos EUA e no mundo.
A defesa da causa palestina, por exemplo, é um dos tópicos mais polarizadores na política ocidental, frequentemente usado para acusar progressistas de anti-semitismo ou de deslealdade. Zohran, ao manter sua posição firme, demonstra que a solidariedade internacional e a crítica às políticas de um estado aliado não são apenas possíveis, mas podem ser valores eleitorais viáveis.
Isso envia uma mensagem clara: a política externa não é um domínio reservado a uma elite diplomática, mas uma extensão da luta por direitos humanos e justiça. Sua vitória legitima a pauta palestina no debate mainstream e encoraja ativistas e políticos em toda Europa e Américas que são constantemente silenciados quando tentam abordar o tema.
A eleição do prefeito Zohran em Nova Iorque não deve ser vista com ingenuidade. Os desafios de governar uma metrópole complexa são monumentais, e a direita certamente se reorganizará para combatê-lo ferozmente. No entanto, focar apenas nos riscos e limitações do mesmo é subestimar o poder de um símbolo.
Em um mundo onde a hegemonia da extrema-direita parecia inevitável, a vitória de Zohran atua como uma fratura nesse monolito. Ela é a prova concreta de que as narrativas de medo, isolamento e conservadorismo econômico não são incontestáveis. Ela mostra que é possível construir uma maioria em torno de uma plataforma de inclusão, justiça social e solidariedade internacional, mesmo no país que é o epicentro da ofensiva conservadora.
Para as forças progressistas globais, Zohran não é uma salvação, mas ajuda a formar o farol que pode iluminar no rumo de dias melhores para o mundo. Sua história é um lembrete de que as marés podem mudar, que as batalhas culturais e eleitorais podem ser vencidas, e que, mesmo nos lugares mais improváveis, a esperança pode encontrar um caminho para o poder. Em tempos sombrios, essa é uma luz que vale muito. E, vale destacar, é melhor ganhar com Zohran Mamdani do que perder para o candidato do trumpismo ou para dissidência conservadora do Partido Democrata.
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