Os cem dias da oposição
O governo mal começou, mas o bolsonarismo já tem um veredicto: o
terceiro mandato de Lula seria "retrógrado", "atrasado",
"ressentido" e "birrento"
Bernardo Mello Franco/O Globo
O governo mal começou, mas
o senador Rogério Marinho já tem um veredicto: Lula estaria arrastando o país
“de volta a um passado sombrio e retrógrado”. Em artigo intitulado “Cem dias de
pesadelo”, o bolsonarista acusou a nova gestão de destruir a imagem do Brasil
“com mentiras e números falsos”. “Vivemos com um governo confuso, sem plano
econômico ou planejamento”, sentenciou, após usar os adjetivos “atrasado”,
“ressentido” e “birrento”.
Marinho
disputou a presidência do Senado como candidato da bancada de extrema
direita, que sonhava em cassar ministros do Supremo. Dois meses
depois, tenta se reposicionar como arauto do liberalismo. Ninguém deve esperar
que o líder da oposição elogie o governo, mas convém refletir um pouco antes de
endossar o discurso catastrofista.
É falso
dizer que o novo governo dilapida a imagem do país. Isso ocorreu na gestão de
Jair Bolsonaro, a quem Marinho serviu como ministro do Desenvolvimento
Regional. A política externa de Lula é passível de críticas, mas já reconstruiu
as pontes com EUA, China e União Europeia, todas dinamitadas pelo capitão. Numa
demonstração de prestígio internacional, o presidente acaba de ser convidado
para a reunião anual do G7.
Em outro
trecho do artigo, o bolsonarista acusou os rivais de disseminar fake news.
Abstraindo-se a ironia da situação, ele atacou Marina Silva por inflar o número
de brasileiros com fome. Só deixou de informar que a ministra notou o erro e se
corrigiu em poucos segundos — algo inimaginável para um Ricardo Salles ou uma
Damares Alves.
Marinho
também acusou o governo de não ter plano econômico. O plano existe, embora não
agrade aos setores que ele representa. Neste caso, faltou combinar com o
eleitor, que rechaçou o projeto ultraliberal de Paulo Guedes e reconduziu a
centro-esquerda ao poder.
Apontar
as contradições do bolsonarismo não equivale a aprovar tudo o que Lula fez. O
presidente já errou na escalação de ministros,
pecou pela incontinência verbal e ainda não foi capaz de montar uma base no
Congresso. Ainda assim, é melhor ler os exageros de Marinho do que ouvir a
gritaria da bancada da bala. Ontem a turma voltou a imitar o capitão, recebendo
o ministro da Justiça com berros e palavrões.
Nem sempre
a aparência é igual à essência https://bit.ly/3Ye45TD
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