Robôs de carne e osso
Cícero Belmar*
Um dos
meus filmes prediletos é Blade Runner, do início da década de 1980. É uma
ficção científica com direção de Ridley Scott. Já o assisti várias vezes: me
encantam o clima noir, as músicas, as interpretações de Harrison Ford, Rutger
Hauer (eu adorava) e Sean Young. O roteiro é genial. Robôs criados à imagem e
semelhança de humanos, só que mais fortes, seriam usados para colonizar outros
planetas. Seriam, disse bem.
São robôs inteligentes, mas sem sentimento. Eles não sofrem, não
se alegram, não têm misericórdia. Com o desenvolvimento das pesquisas sobre
aquela espécie, um grupo mais evoluído termina sendo criado. Os robôs ficam sem
controle. Essa é a síntese da trama que se passa no início do século 21.
Lembrei-me de Blade Runner, na semana passada, quando o bilionário Elon Musk e
outros especialistas fizeram apelo para fosse suspenso o avanço das pesquisas
sobre inteligências artificiais (IAs).
É lógico que Elon Musk não está falando de robôs e esse não é o
caso. Mas, sim, alertando que o avanço dessa tecnologia (a IA), sem controle,
pode trazer “profundos riscos para a humanidade”. Guardadas as devidas
proporções e óbvias diferenças, entre o filme e a realidade, é incrível como as
ficções científicas são proféticas. Metáforas do futuro.
Os robôs do filme são construídos com uma tecnologia tipo
inteligência artificial. De acordo com o roteiro, essas criaturas, que
receberam o nome de replicantes, foram criados por uma grande corporação.
Seriam capazes de fazer tarefas com agilidade, resolver problemas e tomar
decisões.
Estou falando no assunto, mas não entendo nada de inteligência
artificial. Sei que a cada dia a tecnologia ganha força no mercado e que muitas
empresas brasileiras compram esse serviço às corporações que “produzem” a IA
para utilizá-la nos negócios. Com o uso da IA, investem, aumentam vendas,
melhoram o desempenho da produção, estimulam o consumo etc. É aquela história:
a IA traz informação e informação é poder.
As corporações geram inteligência artificial com softwares
sofisticados, que acessam os algoritmos (a grosso modo, só para compreensão,
seriam espaços virtuais). Nesses estão todas as informações sobre nós, que nós
mesmos colocamos na internet. Os próprios algoritmos fazem cruzamentos dessas
informações, e com base nelas, adiantam previsões, conduzem hábitos, criam
necessidades, estimulam desejos, ou seja, dão as cartas.
O uso da tecnologia, óbvio, não ocorre apenas por empresas. Sem um
controle ético, quem comprar os dados, poderá usá-los para qualquer fim. As
redes sociais tanto alimentam quanto são usadas. É tanto que Elon Musk e seus
amigos pediram a pausa no desenvolvimento da IA até que exista um órgão
regulatório para controlar essa tecnologia. Eles temem “dramáticas perturbações
econômicas e políticas”. Leia-se: na democracia.
Certa vez, conversando com um amigo que trabalha com tecnologia
da informação e que entende do riscado, ele me disse umas frases chocantes.
Anotei: “Nós corremos o risco de virarmos uma nova espécie de robôs de carne e
osso. Aliás, estamos nos tornando, por nossa própria vontade. Sabe por quê?
Porque entregamos os nossos dados para as redes sociais. E elas nos
reprogramam”. Cada curtida, comentário ou compartilhamento nas redes, vão
formando “na nuvem” o nosso algoritmo, que recolhe todas essas informações. Com
o cruzamento dos dados, o algoritmo também nos prende em bolhas: eles
influenciam nas nossas escolhas. “Temo que, no futuro, estejamos fazendo somente
o que eles querem”.
O meu amigo, que é o cão chupando manga, contou que, capturando
nossos dados (inclusive fotos), o algoritmo sabe da nossa ideologia (pelas
curtidas no Facebook e no Instagram), mapeia os locais onde estivemos (os
cartões de crédito revelam onde estivemos), conhece as preferências sexuais que
escondemos (por causa dos sites que acessamos quando estamos sozinhos) etc. “O
algoritmo nos conhece muito mais do que os nossos pais, amigos, namorados e
namoradas. E conseguem entender os nossos desejos reprimidos e inconscientes.
Tudo isso porque eles têm as informações, fazem os cruzamentos e tiram
conclusões”.
Valei-me.
*Jornalista e escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras
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