08 abril 2023

Uma crônica de Cícero Belmar

Robôs de carne e osso

Cícero Belmar*

 

Um dos meus filmes prediletos é Blade Runner, do início da década de 1980. É uma ficção científica com direção de Ridley Scott. Já o assisti várias vezes: me encantam o clima noir, as músicas, as interpretações de Harrison Ford, Rutger Hauer (eu adorava) e Sean Young. O roteiro é genial. Robôs criados à imagem e semelhança de humanos, só que mais fortes, seriam usados para colonizar outros planetas. Seriam, disse bem.

São robôs inteligentes, mas sem sentimento. Eles não sofrem, não se alegram, não têm misericórdia. Com o desenvolvimento das pesquisas sobre aquela espécie, um grupo mais evoluído termina sendo criado. Os robôs ficam sem controle. Essa é a síntese da trama que se passa no início do século 21. Lembrei-me de Blade Runner, na semana passada, quando o bilionário Elon Musk e outros especialistas fizeram apelo para fosse suspenso o avanço das pesquisas sobre inteligências artificiais (IAs).

É lógico que Elon Musk não está falando de robôs e esse não é o caso. Mas, sim, alertando que o avanço dessa tecnologia (a IA), sem controle, pode trazer “profundos riscos para a humanidade”. Guardadas as devidas proporções e óbvias diferenças, entre o filme e a realidade, é incrível como as ficções científicas são proféticas. Metáforas do futuro.

Os robôs do filme são construídos com uma tecnologia tipo inteligência artificial. De acordo com o roteiro, essas criaturas, que receberam o nome de replicantes, foram criados por uma grande corporação. Seriam capazes de fazer tarefas com agilidade, resolver problemas e tomar decisões.

Estou falando no assunto, mas não entendo nada de inteligência artificial. Sei que a cada dia a tecnologia ganha força no mercado e que muitas empresas brasileiras compram esse serviço às corporações que “produzem” a IA para utilizá-la nos negócios. Com o uso da IA, investem, aumentam vendas, melhoram o desempenho da produção, estimulam o consumo etc. É aquela história: a IA traz informação e informação é poder.

As corporações geram inteligência artificial com softwares sofisticados, que acessam os algoritmos (a grosso modo, só para compreensão, seriam espaços virtuais). Nesses estão todas as informações sobre nós, que nós mesmos colocamos na internet. Os próprios algoritmos fazem cruzamentos dessas informações, e com base nelas, adiantam previsões, conduzem hábitos, criam necessidades, estimulam desejos, ou seja, dão as cartas.

O uso da tecnologia, óbvio, não ocorre apenas por empresas. Sem um controle ético, quem comprar os dados, poderá usá-los para qualquer fim. As redes sociais tanto alimentam quanto são usadas. É tanto que Elon Musk e seus amigos pediram a pausa no desenvolvimento da IA até que exista um órgão regulatório para controlar essa tecnologia. Eles temem “dramáticas perturbações econômicas e políticas”. Leia-se: na democracia.

Certa vez, conversando com um amigo que trabalha com tecnologia da informação e que entende do riscado, ele me disse umas frases chocantes. Anotei: “Nós corremos o risco de virarmos uma nova espécie de robôs de carne e osso. Aliás, estamos nos tornando, por nossa própria vontade. Sabe por quê? Porque entregamos os nossos dados para as redes sociais. E elas nos reprogramam”. Cada curtida, comentário ou compartilhamento nas redes, vão formando “na nuvem” o nosso algoritmo, que recolhe todas essas informações. Com o cruzamento dos dados, o algoritmo também nos prende em bolhas: eles influenciam nas nossas escolhas. “Temo que, no futuro, estejamos fazendo somente o que eles querem”.

O meu amigo, que é o cão chupando manga, contou que, capturando nossos dados (inclusive fotos), o algoritmo sabe da nossa ideologia (pelas curtidas no Facebook e no Instagram), mapeia os locais onde estivemos (os cartões de crédito revelam onde estivemos), conhece as preferências sexuais que escondemos (por causa dos sites que acessamos quando estamos sozinhos) etc. “O algoritmo nos conhece muito mais do que os nossos pais, amigos, namorados e namoradas. E conseguem entender os nossos desejos reprimidos e inconscientes. Tudo isso porque eles têm as informações, fazem os cruzamentos e tiram conclusões”.

Valei-me.

*Jornalista e escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras

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