15 janeiro 2024

China & IA

China projeta soberania mundial em IA até 2030

Além do governo central em Pequim ter definido este alvo como estratégico, o país asiático conta com um contingente de 1,4 bilhão de habitantes para produzir talentos e abriga algumas das mais importantes empresas do ramo de tecnologia do planeta
João Sorima Neto/O Globo


A China estabeleceu uma meta ambiciosa em relação à inteligência artificial (IA), tecnologia que atua na reprodução de padrões de comportamento semelhantes ao humano por dispositivos e programas computacionais. O país asiático quer se tornar líder em desenvolvimento desses sistemas até 2030 e comandar a corrida global nesse campo.

Os especialistas no assunto não duvidam que a China possa assumir essa ponta, mas alertam que ela não está sozinha: os Estados Unidos também buscam a liderança nessa tecnologia numa disputa pela soberania global.

Pesa a favor da China a participação do governo nesse objetivo. Pequim definiu esse alvo como estratégico, o que significa que não vai poupar esforços para atingi-lo. Também conta a escala para testar essas novidades — a China tem 1,4 bilhão de habitantes —, talentos para criar produtos e o fato de o país reunir algumas das mais importantes empresas do ramo de tecnologia do planeta, como Alibaba, Tencent, BYD, GWM, Baidu, Huawei e ByteDance. As companhias chinesas planejam investir juntas algo como US$ 40 bilhões ao ano para avançarem neste campo até 2030.

— As empresas decidem o que será tendência de mercado nesse segmento, e para o governo central chinês trata-se de um campo estratégico. É um objetivo que que tem tudo para ser atingido. A China tem mercado com escala para testar na prática as novidades em IA, tem muitas empresas de tecnologia de ponta e talentos para desenvolver essa tecnologia — diz In Hsieh, sócio da Chinnovation, aceleradora de negócios digitais entre Brasil e China.

Alguns números já divulgados pelo governo chinês sobre os avanços de IA impressionam. Segundo o Instituto de Informação Científica e Técnica da China, 79 modelos de IA em grande escala já foram desenvolvidos no país, e estão sendo testados. Cada um tem mais de 1 bilhão de parâmetros. São modelos que realizam tarefas complexas, como processamento de linguagem natural, reconhecimento de imagem, geração de texto e análise de dados.

De acordo com os dados da International Data Corporation (IDC), empresa de inteligência de mercado e consultoria em tecnologia, o mercado mundial de software de inteligência artificial — sem contar a IA Generativa, sistema capaz de gerar textos, imagens em resposta a solicitações em linguagem comum — vai crescer de US$ 64 bilhões em 2022 para quase US$ 251 bilhões em 2027, a uma taxa de crescimento anual de 31%. A IDC prevê que a IA generativa vai gerar receita extra de US$ 28,3 bilhões nesse período.

Junior Borneli, especialista em IA no Brasil e CEO da StartSe, maior escola de tecnologia do país, lembra que há alguns anos os chineses incluíram programação e inteligência artificial como matéria básica nas escolas. As crianças chinesas têm contato com essas tecnologias muito cedo e isso faz com que elas cresçam com uma “cabeça digital”.

— A educação digital desde a base faz muita diferença. E para que a inteligência artificial funcione bem, ela precisa ser treinada com dados. E a China, com 1,4 bilhão de pessoas, observadas o tempo todo, tem muita massa crítica para fazer com que o aprendizado dos seus algoritmos seja exponencializado — lembra Bornelli.

Ele observa que, para o governo chinês, investir em IA é uma questão de soberania nacional, dada a capacidade que essa tecnologia tem. Portanto, o financiamento da China em iniciativas de IA é forte, assim como o país apostou em carros elétricos.

Táxi autônomo

Na vida cotidiana, as empresas e a população já vem testando e usando alguns sistemas com AI em setores como finanças, varejo, transporte, governo e telecomunicações. Moradores de grandes cidades chinesas como Pequim e Xangai já têm à disposição serviço de táxi com veículos autônomos. Em Pequim, os táxis autônomos podem trafegar em uma área delimitada de 60 quilômetros quadrados entre 10h e 16h.

O carro é solicitado por um aplicativo e está equipado com sensores e câmeras capazes de guiá-lo pelas ruas. Mas, em caso de emergência, há operadores humanos prontos para agir. O sistema, desenvolvido pela Baidu, empresa de tecnologia e que vem se especializando em IA, possibilita também que esses veículos lidem com situações imprevistas: conseguem mudar de faixa, estacionam, trafegam em trânsito congestionado.

Os governos de algumas províncias estão utilizando sistemas de IA para melhorar o fluxo no transporte público. É possível fazer controle de tráfego, através de semáforos inteligentes, adaptar a frota à demanda e também trabalhar com prevenção de acidentes.

Há alguns anos os chatbots, robôs baseados em grandes modelos de linguagem, já realizam integração de dados e informações, traduzem conversas e fazem resolução de alguns problemas simples. Agora ambém estão sendo capacitados para fazer planejamento de negócios.

Empresas de e-commerce da China já utilizam esses chatbots, que apresentam características de inteligência artificial. O Grupo Alibaba, líder em tecnologia digital e computação em nuvem, criou um modelo de IA para redigir emails e registrar o conteúdo de reuniões.

A futurista Amy Webb, em seu livro “Os Nove Titãs da IA”, em que esmiuça a competição entre EUA e China nesse campo, observa que a China investe bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento de IA anualmente, com apoio do governo. Isso faz com que os cientistas chineses criem tecnologias de ponta mais rápido.

E, diz a futurista, o acesso que o governo e as empresas têm a grandes volumes de dados coletados por câmeras e sensores nas ruas e no transporte público ajuda na aplicação dessas tecnologias, colocando o país à frente dos demais.

Para Borneli, da StartSe, o Brasil pode aprender com os chineses na busca por avanços em IA. O primeiro ponto, diz o especialista, é a educação tecnológica. Quanto maior o repertório, mais preparados para os novos movimentos nesse campos o país estará.

— E isso precisa começar na base, assim como os chineses fizeram. Incluir tecnologia como matéria básica nas escolas é fundamental — diz Bornelli.

As novidades em IA das empresas chinesas também chegam ao Brasil. A GWM, montadora de carros elétricos, está implantando um sistema em suas concessionárias daqui: o atendimento ao consumidor tem redução de até 75% do tempo, desde o agendamento até a entrega do carro.

— Com IA, o cliente em breve poderá fazer o agendamento da sua revisão pelo WhatsApp, a qualquer dia e hora. Antes este processo só era possível em horário comercial. A informação já vai direto para o sistema das concessionárias, eliminando etapas e agilizando a vida do cliente e também do profissional do atendimento — diz Daniel Conte, diretor de pós-venda da GWM.

Para além do horizonte visível https://bit.ly/3Ye45TD

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