15 janeiro 2024

Universidades federais em recuperação

A necessária recomposição das universidades federais

Em 2014, as instituições tiveram seu maior orçamento. Desde então, seguiu-se trajetória de redução até 2022. Em 2023, houve leve reposição. Em 2024, apesar de Educação ser prioridade na Lei Orçamentária, estão ameaçadas por amarras fiscais
Luciana Ferreira e Letícia Inácio, no Terapia Política


O ensino superior é, assim como demais setores da educação pública, um dos vetores de transformação social, com desdobramentos e efeitos não somente à formação universitária, alinhados ao ensino, pesquisa e extensão, mas também à comunidade civil brasileira – avaliado nacionalmente pelo impacto das atividades das Universidades num país. Esta conexão se estabelece a partir da garantia abrangente e sólida da qualidade educacional do ensino superior, que requer transferências de recursos, expansão das políticas de Estado e melhorias estruturais.

A educação superior pública no Brasil passou por transformações desde a promulgação da Constituição de 1988, que a garante como direito e contribuiu ao direcionar os governos para a criação do REUNI (Decreto n. 6.096/2007) e do sancionamento da Lei de Cotas (Lei n. 12.711/2012). Esses, além de serem responsáveis pela mudança no tamanho e no acesso ao ensino superior brasileiro, são meios que viabilizam a inclusão social e educacional, cujo objetivo é a redução da desigualdade nos níveis mais elevados de educação do país. Logo, a importância do financiamento adequado se estabelece a partir de tal objetivo, uma vez que maior quantidade de Universidades, com expansão estrutural, estudantil e de pessoal, requer naturalmente maior transferência de recursos.

O orçamento das Universidades Federais caracterizou parte das discussões acerca das mudanças na legislação fiscal do Brasil nos anos mais recentes, como após a aprovação do Teto dos Gastos (Emenda Constitucional n. 95/2016), recentemente revogado. Isso permite avaliar as Universidades não somente por suas contribuições à sociedade, mas também como entes associados ao orçamento federativo que estão sob o cumprimento das leis fiscais e dependentes do viés utilizado para trabalhar as contas públicas – isto é, a política orçamentária definida pelos governos atingem diretamente todos os órgãos a eles associados, inclusive as Universidades.

Sob este aspecto técnico-político, é necessário considerar a influência dos governos na análise orçamentária por motivos diversos, seja pelo direcionamento de recursos, seja por políticas específicas iniciadas e mantidas em diferentes governos. O primeiro exemplo é o REUNI (Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), instituído em 2007, cujo objetivo previu melhorias em seis diferentes dimensões, como as acadêmicas-pedagógicas – voltadas à reestruturação curricular – e as estruturais, com a expansão do número de Universidades brasileiras. Uma expansão em tais dimensões requer transferência de recursos não somente para iniciar, mas também para manter os objetivos propostos.

Outro exemplo relevante é a Lei de Cotas, instituída em 2012, que exige reserva de 50% das vagas dos cursos de graduação para pessoas autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas, além de pessoas de baixa renda e pessoas com deficiência (PCD). A efetividade de uma política neste formato demonstra sua importância crucial para a sociedade brasileira, tanto em termos históricos quanto sociais, e igualmente requer atenção aos desdobramentos da inclusão, com políticas de permanência e assistência estudantil adequadas.

Esses exemplos são pontos focais para analisar como se deu a expansão universitária nos últimos anos e como se mantém até atualmente, tendo em vista a política fiscal à qual as instituições estão submetidas. Considerando o período de 2000 a 2023, percebe-se aumento significativo no orçamento das Universidades entre os anos de 2007 e 2014.

O ano de 2014 registrou maior montante de recursos enviado para as Universidades. A partir deste ano, a trajetória de redução se manteve até 2022. Já em 2023, a Lei Orçamentária Anual (LOA) garantiu recomposição de R$1,96 bilhão.

Ao avaliar a diferença entre o orçamento previsto pela LOA e o que foi empenhado, pode-se comparar a eficiência na execução dos recursos. Isto, no entanto, depende da capacidade de execução de cada instituição que, sendo dependente de fatores diversos, impede que esta análise faça qualquer inferência relacionada ao comportamento dos dados.

O que é possível avaliar é que existe eficiência de execução orçamentária relativamente alta ao longo dos anos, exceto por exemplos pontuais, como o ano de 2005 e entre 2011 e 2017. Em média, 95,15% dos recursos enviados às UFs foram utilizados ao longo da série histórica.

A avaliação de ações separadamente permite destacar pontos focais à gestão universitária. Nesta questão, destacamos a 4002, referente à assistência ao estudante da educação superior, aquela que destina recursos para a assistência ao estudante do Ensino Superior.

Embora sua série temporal exista desde 2000, a criação do Programa de Assistência Estudantil (PNAES) ocorreu via decreto apenas em 2010 – consequência do programa de expansão. De acordo com o decreto 7.234/2010, é papel da assistência estudantil “ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal”.

Por consequência da própria expansão, os recursos destinados à ação que representa tais objetivos diretamente foram fortalecidos na última década, de forma que seu comportamento mudou substancialmente desde o início da série.

A trajetória ascendente iniciou após o ano de 2008, tendo atingido sua máxima em 2015, com orçamento de R$1.41 bilhão. Nos anos subsequentes, o comportamento é de redução orçamentária, com mínima de R$940 milhões no ano de 2021. Já em 2023, a recomposição elevou os recursos para R$1.09 bilhão. Este comportamento é causa de uma série de mudanças dos anos recentes, como a própria alteração no entendimento da importância da assistência estudantil no âmbito político, além da correção inflacionária de bolsa-permanência garantida em 2023. Trata-se, portanto, de uma ação importante com desdobramentos cruciais à sociedade brasileira, como a permanência universitária e a garantia de condições para conclusão de cursos de gradua ção – atingindo não somente um dos objetivos do PNAES, mas também uma alteração da demografia educacional que, por si, é capaz de proporcionar múltiplos benefícios ao país.

A comparação entre os recursos da LOA atualizada e do empenhado mostra que a eficiência de execução orçamentária da ação é alta, com média de 91,21% ao longo de toda a série.

É importante ressaltar que esta análise é feita utilizando dados estritamente orçamentários, o que impede inferências relacionadas às questões internas a cada instituição. No entanto, fatores como eficiência orçamentária e a demonstração da redução orçamentária intempestiva são fulcrais para o entendimento do impacto causado por políticas restritivas – principalmente a política fiscal.

As mudanças legislativas e emendas à constituição atingem as Universidades diretamente, tornando-as instituições-foco para a redução do orçamento. Isso, além de estar na contramão do que os países que buscam o desenvolvimento social fazem, caracteriza um cenário de desproporção entre o que as instituições ofertam à sociedade e o que recebem como recursos para atuar. A recomposição orçamentária vista em 2023 é parte importante do reestabelecimento adequado das IFES, ainda que nunca tenham interrompido suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, apesar dos cortes dos anos recentes.

Ilustração: Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

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