15 janeiro 2024

Economia digital: possibilidades e males

Expectativas da economia digital em 2024

A economia digital vai ter crescimento e continuar pujante, algo natural. Por outro lado, os principais reflexos desse crescimento são conhecidos de outros anos: precarização, entre os profissionais algoritmizados e perda de privacidade
Herbert Salles/Le Monde Diplomatique
 

Eleições presidenciais nos Estados Unidos e na Rússia – além das municipais no Brasil – e pleito para eleger representantes do Parlamento Europeu. Percebe-se que 2024 será importante para o cenário geopolítico, mas quais são os rumos da economia digital e como ela ocupará o debate político e econômico nesse ano? 

UMA BREVE INTRODUÇÃO: IAG E FAKE NEWS

Antes de avançar em uma análise sobre a indústria digital, cabe destacar que, em períodos eleitorais, como observado nos últimos anos, o uso das redes sociais para disseminação de Fake News fará presença em 2024. Entretanto, haverá um elemento novo a partir da evolução da Inteligência Artificial Generativa (IAG), que possibilitará que mais conteúdos gráficos como fotos e vídeos sejam explorados. Logo, essa utilização não é uma mera aposta, é uma certeza: a comunicação digital continuará sendo usada de forma política e seus resultados podem ser prejudiciais para a democracia. Apontado tal preâmbulo, avança-se para o debate econômico.  

ECONOMIA DIGITAL NO DEBATE POLÍTICO

A economia digital ainda terá como força motriz a algoritmização, que ocupará espaços de trabalhadores em todo o mundo, com impactos diferentes entre países. Em alguns locais, será possível ver um avanço nos empregos qualificados. Plataformas de saúde mental, educação e ofertas de serviços no estilo freelance terão maior espaço no ano de 2024. A busca pelo trabalho algoritmizado pode ser tanto pela busca de renda ante ao desemprego quanto para complemento de ganhos. 

Nos Estados Unidos, o trabalho algoritmizado pode entrar nos debates das eleições presidenciais. A visão sobre esse tipo de trabalhador ainda é limitada aos ofícios de baixa ou ausência de qualificação, como motoristas e entregadores. Portanto, não é possível ver grande avanços nas garantias de direitos dos trabalhadores envolvidos e, ainda, pouca ou nenhuma regulação sobre o uso de algoritmos para o trabalho. Assim, espera-se uma discussão pouco prática e com escassas propostas que, se realizadas, poderão ser vistas em 2025, em um cenário otimista. 

Na Rússia, a algoritmização não deve ser pautada, enquanto o Parlamento Europeu poderá dar continuidade a debates e discussões sobre o tema. Mesmo que de forma um tanto dispersa e marginal, a temática da algoritmização rende estudos importantes nesse espaço, inclusive, propondo regulações e políticas públicas. 

Nas eleições municipais brasileiras, não é esperado que a algoritmização seja debatida, nem em grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo. A economia digital, no entanto, será pauta, pelo menos na cidade do Rio. O atual prefeito e candidato a reeleição irá discutir seu plano de criar o Vale do Silício Brasileiro. Uma ideia com pitada de megalomania, na realidade é um longo processo de gentrificação que faz o Centro da Cidade um local deserto, inseguro e que mais se assemelha a um museu da decadência daquela que um dia foi capital do país. 

O que é mais provável que seja visto em 2024 é a continuidade da economia digital em um debate etéreo integrado no relicário da inovação. Há uma ausência de planos concretos e metas de médio e longo prazo em que a economia digital esteja no cerne de progressos econômicos e sociais. 

ECONOMIA DIGITAL: O QUE DEVERIA SER DISCUTIDO EM 2024

Há anos, a economia digital tem uma base solidificada no trabalho algoritmizado, o que reflete em um cenário de muita precarização. Sem regulamentação desse tipo de trabalho, o empregado está sujeito a horas exaustivas, baixa remuneração, exposição a riscos e ausência de direitos como férias e previdência. Todo esse cenário contrapondõe a agenda 2030 proposta pela ONU, em que um dos objetivos é assegurar que todas as pessoas possam desfrutar de uma vida próspera e com plena realização pessoal. Ainda que o progresso econômico, social e tecnológico ocorra em harmonia com a natureza, não há como esses objetivos sejam alcançados com o atual cenário da economia digital algoritmizada. 

O uso de Inteligência Artificial em rotinas e operações de trabalho não é algo inédito. A indústria utiliza robôs há décadas para otimizar sua produção. A diferença é que hoje há uma maior presença da algoritmização, que traz impactos diretos nas relações de trabalho. É a partir desse fenômeno, aliás, que há uma mudança significativa no modelo de economia digital vigente, em que robôs, normalmente virtuais, organizam, gerenciam e controlam forças de trabalho de forma contínua. 

Na prática, a algoritmização permitiu maior concentração de poder para capitalistas enquanto fissurou direitos de trabalhadores, bem como utiliza a tecnologia para dominação política, econômica e social. As relações sociais são esvaziadas para que se abra espaço para relações comerciais. Cada um se torna empreendedor de si mesmo e, como resultado, qualquer espaço digital se torna um ambiente para o comércio de si. Uma rede social, portanto, nada mais é que um espaço público para que seja possível um indivíduo vender a si mesmo, como um produto ou uma marca. 

Ao mesmo tempo que a algoritmização desconcentra, ela monopoliza. Ao pensar que bilhões de pessoas podem representar cada um, uma empresa, todos estão concentrados em únicos espaços conectados entre si por algoritmos. Diferentes influenciadores digitais estão dependentes dos algoritmos presentes nas redes sociais em que trabalham. Por outro lado, os motoristas de Uber ou entregadores do iFood têm seus trabalhos conectados também por algoritmos e são bonificados ou punidos por eles, assim como os influenciadores. 

Logo, a algoritmização deve ser vista, de forma muito clara e óbvia, como um fenômeno de manutenção do capitalismo, dado que seu uso para fins de trabalho é uma construção social, política e cultural de destruição de direitos sob a justificativa de que todos são capazes de ser empreendedores individuais. Nesse sentido, há a venda da narrativa de que o trabalhador algoritmizado é dono do seu meio de produção, sem que o indivíduo possa ter plena consciência de que seu chefe é um algoritmo, que a depender de suas regras, ele pode estar condenado a exclusão de plataformas. 

Sem uma relação de trabalho formalizada, em que os direitos são garantias essenciais, o trabalho em plataformas, ao expulsar e impedir um indivíduo de trabalhar em seus espaços virtuais, está condenando o trabalhador ao desamparo.  Isso posto, o debate para 2024, aproveitando a agenda de eleições do ano, deve ser tratada nesse nível de clareza e profundidade. Logo, não é necessário pensar na destruição ou erradicação da algoritmização e sim, em uma reforma em que os direitos individuais são priorizados para que atue a favor dos trabalhadores e não como força motriz para precarização. 

Importante destacar que para avançar em políticas públicas e legislação é necessário ter conhecimento sobre esses trabalhadores envolvidos e suas rotinas. Atualmente, as bases do PNAD não aprofundam em atividades fora das entregas de comida e transporte. Mesmo que atividades como psicólogos, advogados, médicos e professores já estão disponíveis em ambientes algoritmizados, elas não estão contempladas nas bases. Assim, temos poucas informações a respeito desses profissionais que atuam em plataformas e isso dificulta a regulamentação e criação de leis específicas. 

A regulação das redes sociais vai ter pouco avanço e isso se dá pelo fraco debate na Câmara dos Deputados. Por mais esforço que o bloco da esquerda vem fazendo, a direita está presa ao sofismo natural que lhe é peculiar, atrapalhando o progresso das discussões sobre o tema. 

O ano de 2024 terá uma agenda ativa no cenário político e econômico. Porém, não é esperado grandes avanços na economia digital. Os monopólios serão mantidos – em alguma medida podem ser ampliados – principalmente aqueles que estão ligados a comunicações, entretenimento e trabalho de plataformas. 

Portanto, a indústria da economia digital vai ter crescimento e continuar pujante, algo natural. Por outro lado, os principais reflexos desse crescimento são conhecidos de outros anos: precarização, entre os profissionais algoritmizados e perda de privacidade com um recrudescimento da vigilância entre os usuários de serviços digitais. 

Para além do horizonte visível https://bit.ly/3Ye45TD

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