05 setembro 2025

Antissemitismo, ontem e hoje

Antissemitismo, conjuntural ou estrutural, uma categorização falaciosa
Abraham B Sicsu, Frederico J Katz, Silvio Batushansky  

Contextualizando

Teorias não se desprezam. Ideias soltas podem ganhar força. E levam a movimentos. Dão base para a liberação de concepções represadas, de conceitos e preconceitos que viviam nos subterrâneos da mente.

Por exemplo, pouco mais de vinte anos atrás não havia forte expectativa de ressurgimento dos movimentos de extrema direita, derrotados na Segunda Guerra. Hoje, a extrema direita aparece com força em grande parte dos países ocidentais do mundo. Baseada em conceitos desenvolvidos por teóricos como o brasileiro Olavo de Carvalho. Os perigos estão presentes.

Temos escutado uma recriação de teorias em relação ao antissemitismo, por intelectuais de respeito e, muitos deles, bem intencionados. Trabalham para tentar explicar o ressurgimento de ódio e de preconceito contra os judeus em grande parte do mundo.

São teorias que podem ser bem estruturadas logicamente, mas podem levar a conseqüências bem desastrosas. Inclusive ao enraizamento do antissemitismo em grupos populacionais. Uma delas separa o que se define como antissemitismo estrutural daquele que se chamaria de conjuntural.

Diz que o que se está observando não é um antissemitismo estrutural, está mais ligado à conjuntura atual, às ações atuais de governos e que desapareceria caso a situação se modificasse. Sem dúvida, é importante que reações enérgicas ocorram quanto ao que se tem observado, mas temos muitas dúvidas se resolverão o problema que alicerça as posições antissemitas.

Não seria um sentimento sórdido que estava escondido e que encontrou as condições propícias para a liberação? Se esse for o caso, o fenômeno poderia não ser só conjuntural, mas, de fato, mais estrutural. Criou-se o discurso, a prática pode acompanhar. No nosso entender esse pode ser o real caminho dos fatos. Atemoriza.

Definições que auxiliam

Michel Gherman, em entrevista para a Agência Brasil, afirma que o antissemitismo surgiu no final do século 19 e se baseia na idéia largamente difundida, desde aquela época, de que os judeus formam “uma corporação, um grupo fechado poderoso, com capacidade para decidir o destino do mundo através de um projeto secreto”.

Para explicitar esse conceito afirma:

"É uma perspectiva conspiracionista que aparece na crise da modernidade. E esse discurso adota a premissa de que o judeu é uma pessoa que não é daqui, ele é de fora. Você vai ter desenvolvimentos dessa perspectiva. Uns vão falar em expulsão, outros em perseguição e em extermínio como no caso dos nazistas".

Vale salientar o que Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, diz em seu artigo “O antissemitismo reciclado: preconceitos seculares alimentam o germe da intolerância”.

 Assevera que o “antissemitismo de raiz” é aquele que “recupera a histórica tensão entre antissemitismo/antissionismo e os ideais democráticos”, é uma forma evidente de racismo.  Afirma que, “o antissemitismo que, enquanto uma forma de racismo, tem servido aos grupos, tanto de direita como de esquerda, que atuam no cenário político nacional e internacional.”

Desta maneira, o antissemitismo pode ser definido como o preconceito, ódio, discriminação ou violência contra judeus, seja como indivíduos ou como um povo, podendo ser caracterizado como uma manifestação de racismo e intolerância que remonta à Antiguidade e tem um longo histórico de perseguição. 

A Aliança Internacional para a Lembrança do Holocausto (IHRA), uma organização intergovernamental fundada em 1998 para combater as manifestações de preconceito e ódio alerta para as diferentes manifestações que se apresentam, como ataques físicos e verbais, que podem chegar à violência sistêmica.

Pode ser entendido como racial, religioso, ideológico ou político, expressando-se em discurso de ódio, violência física, discriminação sistêmica, e até conspirações. Segundo a IHRA, "o antissemitismo é uma determinada percepção dos judeus, que se pode exprimir como ódio em relação aos judeus".

Já o antissionismo é a oposição ao movimento nacional judaico, do século XIX, que defendia a criação de um Estado para o povo judeu, mas também se manifesta como a negação do direito de existência do Estado de Israel. Em muitos casos, se confunde com o antissemitismo. Atualmente pode ser definido como a oposição ao Estado de Israel. Ao negar o direito do Estado de Israel de existir, utiliza como instrumento as raízes preconceituosas contra o povo judeu e usualmente deriva para um antissemitismo nada disfarçado.

Estrutural ou Conjuntural

O antissemitismo estrutural é visto como a manifestação histórica e sistemática de preconceito, discriminação e violência contra judeus, presente em instituições e políticas, como visto na Europa com a perseguição sistemática, que culminou, durante a Segunda Guerra Mundial, com o massacre promovido pelo nazismo. 

Se pudermos diferenciar, o antissemitismo conjuntural surgiria em momentos específicos, muitas vezes ligados a discursos de ódio e teorias conspiratórias que utilizam estereótipos para demonizar e desumanizar o povo judeu, utilizando-os como bodes expiatórios para problemas sociais. Pode ter conseqüências graves, chegando à violência generalizada, como nos pogroms da década de 30 na Europa Oriental. 

O antissemitismo estrutural não é um fenômeno novo, tem raízes profundas em séculos de história e cultura. Foi incorporado em políticas estatais que visaram a perseguição, exclusão e extermínio de judeus, como aconteceu na Alemanha Nazista. 

 Já o antissemitismo conjuntural surgiria em contextos específicos, muitas vezes em períodos de crise ou instabilidade social, onde os judeus são culpabilizados por diversos males. 

Uso de retórica, insultos, estereótipos e teorias da conspiração para demonizar e desumanizar o povo judeu, também, são utilizados. Problemas reais ou imaginários são atribuídos aos judeus.

Os defensores da posição de que o que assistimos atualmente é um mero problema conjuntural afirmam que o momento pelo qual estamos passando é exatamente um fenômeno desses e, como o vêem como passageiro, acreditam que o desenrolar dos fatos, resolvendo a crise política e humanitária do Oriente Médio levará ao seu apagamento e ao retorno da situação anterior, quando não se estigmatizava tanto a comunidade judaica como origem dos males éticos e morais da sociedade em nossos tempos.

À guisa de Conclusão

A história mostra que, a partir dessa retórica, o antissemitismo pode evoluir para formas mais amplas de discriminação, violência e genocídio. O que era conjuntural facilmente se torna estrutural. Enraíza-se na sociedade como um todo, traz à tona sentimento racista que pode levar a situações incontroláveis.

Não acreditamos na visão ora difundida de que enquanto o antissemitismo estrutural seja o alicerce de sistema de opressão já estabelecido, o conjuntural é a manifestação momentânea e específica desse ódio, que pode ocorrer em qualquer lugar do mundo e em diferentes contextos sociais. 

Temos uma firme convicção da prática observada. Está na formação cultural e moral da civilização ocidental. A teoria do deicídio faz comprovar. A morte de Jesus Cristo, culpando os judeus, vista como um deicídio pelos cristãos, é hoje condenada pela própria igreja católica, mas, sem dúvida, ainda está presente no subconsciente de muitos. Esquece-se até que Cristo era judeu. Desejos de vingança não desapareceram e sempre ressurgem. Afloram nesta conjuntura e podem ser enraizados se não combatidos.

Com esta visão, tendemos a afirmar que não existe conjuntural ou estrutural, existe antissemitismo. Racismo que deve ser fortemente combatido, como bem ressalta a Constituição Brasileira de 1988, em seu Artigo Quinto, inciso XLII. A diferenciação, se porventura talvez sirva para uma explicação didática professoral, em termos práticos nada colabora, apenas ameniza e serve para ir colocando uma visão altamente preconceituosa nas entranhas da sociedade. Como dito, a diferenciação apenas ameniza e posterga reações que já são necessárias hoje.

[Ilustração: Marc Chagall]

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