Antissemitismo, conjuntural ou
estrutural, uma categorização falaciosaAbraham
B Sicsu, Frederico J Katz, Silvio Batushansky
Contextualizando
Teorias não se desprezam. Ideias soltas
podem ganhar força. E levam a movimentos. Dão base para a liberação de
concepções represadas, de conceitos e preconceitos que viviam nos subterrâneos
da mente.
Por exemplo, pouco mais de vinte anos
atrás não havia forte expectativa de ressurgimento dos movimentos de extrema
direita, derrotados na Segunda Guerra. Hoje, a extrema direita aparece com
força em grande parte dos países ocidentais do mundo. Baseada em conceitos
desenvolvidos por teóricos como o brasileiro Olavo de Carvalho. Os perigos
estão presentes.
Temos escutado uma recriação de teorias
em relação ao antissemitismo, por intelectuais de respeito e, muitos deles, bem
intencionados. Trabalham para tentar explicar o ressurgimento de ódio e de
preconceito contra os judeus em grande parte do mundo.
São teorias que podem ser bem
estruturadas logicamente, mas podem levar a conseqüências bem desastrosas.
Inclusive ao enraizamento do antissemitismo em grupos populacionais. Uma delas
separa o que se define como antissemitismo estrutural daquele que se chamaria
de conjuntural.
Diz que o que se está observando não é um
antissemitismo estrutural, está mais ligado à conjuntura atual, às ações atuais
de governos e que desapareceria caso a situação se modificasse. Sem dúvida, é
importante que reações enérgicas ocorram quanto ao que se tem observado, mas
temos muitas dúvidas se resolverão o problema que alicerça as posições
antissemitas.
Não seria um sentimento sórdido que
estava escondido e que encontrou as condições propícias para a liberação? Se
esse for o caso, o fenômeno poderia não ser só conjuntural, mas, de fato, mais
estrutural. Criou-se o discurso, a prática pode acompanhar. No nosso entender
esse pode ser o real caminho dos fatos. Atemoriza.
Definições que auxiliam
Michel Gherman,
em entrevista para a Agência Brasil, afirma que o antissemitismo surgiu no
final do século 19 e se baseia na idéia largamente difundida, desde aquela
época, de que os judeus formam “uma corporação, um grupo fechado poderoso, com
capacidade para decidir o destino do mundo através de um projeto secreto”.
Para explicitar
esse conceito afirma:
"É uma
perspectiva conspiracionista que aparece na crise da modernidade. E esse
discurso adota a premissa de que o judeu é uma pessoa que não é daqui, ele é de
fora. Você vai ter desenvolvimentos dessa perspectiva. Uns vão falar em
expulsão, outros em perseguição e em extermínio como no caso dos
nazistas".
Vale salientar o
que Maria Luiza Tucci Carneiro, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da USP, diz em seu artigo
“O antissemitismo reciclado: preconceitos seculares alimentam o germe da
intolerância”.
Assevera que o “antissemitismo de raiz” é aquele
que “recupera a histórica tensão entre antissemitismo/antissionismo e os ideais
democráticos”, é uma forma evidente de racismo.
Afirma que, “o antissemitismo que, enquanto uma forma de racismo, tem
servido aos grupos, tanto de direita como de esquerda, que atuam no cenário
político nacional e internacional.”
Desta maneira, o antissemitismo pode ser
definido como o preconceito, ódio, discriminação ou violência contra judeus,
seja como indivíduos ou como um povo, podendo ser caracterizado como uma
manifestação de racismo e intolerância que remonta à Antiguidade e tem um longo
histórico de perseguição.
A Aliança Internacional para a Lembrança
do Holocausto (IHRA), uma organização
intergovernamental fundada em 1998 para combater as manifestações de
preconceito e ódio alerta para as diferentes manifestações que se
apresentam, como ataques físicos e verbais, que podem chegar à violência
sistêmica.
Pode ser entendido como racial,
religioso, ideológico ou político, expressando-se em discurso de ódio, violência
física, discriminação sistêmica, e
até conspirações. Segundo a IHRA, "o antissemitismo é uma determinada
percepção dos judeus, que se pode exprimir como ódio em relação aos
judeus".
Já o antissionismo é a oposição ao
movimento nacional judaico, do século XIX, que defendia a criação de um Estado
para o povo judeu, mas também se manifesta como a negação do direito de
existência do Estado de Israel. Em muitos casos, se confunde com o
antissemitismo. Atualmente pode ser definido como a oposição ao Estado de
Israel. Ao negar o direito do Estado de Israel de existir, utiliza como instrumento
as raízes preconceituosas contra o povo judeu e usualmente deriva para um
antissemitismo nada disfarçado.
Estrutural
ou Conjuntural
O antissemitismo estrutural é visto como
a manifestação histórica e sistemática de preconceito, discriminação e
violência contra judeus, presente em instituições e políticas, como visto na
Europa com a perseguição sistemática, que culminou, durante a Segunda Guerra
Mundial, com o massacre promovido pelo nazismo.
Se pudermos diferenciar, o antissemitismo
conjuntural surgiria em momentos específicos, muitas vezes ligados a discursos
de ódio e teorias conspiratórias que utilizam estereótipos para demonizar e desumanizar
o povo judeu, utilizando-os como bodes expiatórios para problemas sociais. Pode
ter conseqüências graves, chegando à violência generalizada, como nos pogroms
da década de 30 na Europa Oriental.
O antissemitismo estrutural não é um
fenômeno novo, tem raízes profundas em séculos de história e cultura. Foi
incorporado em políticas estatais que visaram a perseguição, exclusão e
extermínio de judeus, como aconteceu na Alemanha Nazista.
Já
o antissemitismo conjuntural surgiria em contextos específicos, muitas vezes em
períodos de crise ou instabilidade social, onde os judeus são culpabilizados
por diversos males.
Uso de retórica, insultos, estereótipos e
teorias da conspiração para demonizar e desumanizar o povo judeu, também, são
utilizados. Problemas reais ou imaginários são atribuídos aos judeus.
Os defensores da posição de que o que
assistimos atualmente é um mero problema conjuntural afirmam que o momento pelo
qual estamos passando é exatamente um fenômeno desses e, como o vêem como passageiro, acreditam que
o desenrolar dos fatos, resolvendo a crise política e humanitária do Oriente
Médio levará ao seu apagamento e ao retorno da situação anterior, quando não se
estigmatizava tanto a comunidade judaica como origem dos males éticos e morais
da sociedade em nossos tempos.
À
guisa de Conclusão
A história mostra que, a partir dessa
retórica, o antissemitismo pode evoluir para formas mais amplas de
discriminação, violência e genocídio. O que era conjuntural facilmente se torna
estrutural. Enraíza-se na sociedade como um todo, traz à tona sentimento
racista que pode levar a situações incontroláveis.
Não acreditamos na visão ora difundida de
que enquanto o antissemitismo estrutural seja o alicerce de sistema de opressão
já estabelecido, o conjuntural é a manifestação momentânea e específica desse ódio,
que pode ocorrer em qualquer lugar do mundo e em diferentes contextos
sociais.
Temos uma firme convicção da prática
observada. Está na formação cultural e moral da civilização ocidental. A teoria
do deicídio faz comprovar. A morte de Jesus Cristo, culpando os judeus, vista como um
deicídio pelos cristãos, é hoje condenada pela própria igreja católica, mas,
sem dúvida, ainda está presente no subconsciente de muitos. Esquece-se até
que Cristo era judeu. Desejos de vingança não desapareceram e sempre ressurgem.
Afloram nesta conjuntura e podem ser enraizados se não combatidos.
Com esta visão, tendemos a afirmar que não existe conjuntural ou
estrutural, existe antissemitismo. Racismo que deve ser fortemente combatido,
como bem ressalta a Constituição Brasileira de 1988, em seu Artigo Quinto,
inciso XLII. A diferenciação, se porventura talvez sirva para uma explicação
didática professoral, em termos práticos nada colabora, apenas ameniza e serve
para ir colocando uma visão altamente preconceituosa nas entranhas da
sociedade. Como dito, a diferenciação apenas ameniza e posterga reações que já
são necessárias hoje.
[Ilustração: Marc Chagall]
[Se comentar, identifique-se]
Nenhum comentário:
Postar um comentário