Quatro interpretações
sobre o novo arcabouço fiscal
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O
anúncio do novo Arcabouço Fiscal pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
suscitou uma série de polêmicas e debates na esfera pública. Apresentamos
abaixo as opiniões de quatro importantes formuladores do pensamento econômico
brasileiro que foram divulgadas nos últimos dias.
Leda
Paulani, Paulo Nogueira Batista Jr, Elias Jabbour e Nilson Araújo de Souza
apresentam argumentos que mostram que o novo Arcabouço Fiscal é insuficiente
para os desafios do desenvolvimento do país, mas é o que a atual correlação de
forças permite. Como demonstra Elias Jabbour, o “inimigo não está no ministério
da Fazenda e sim no BC”.
Leia
abaixo as quatro interpretações:
Leda Paulani (Ex-secretária
de Planejamento da prefeitura de São Paulo na gestão de Fernando Haddad)
“Acho
que não exagero se disser que a equipe da Fazenda conseguiu dar nó em pingo
d’água para compatibilizar um desenho de regra fiscal não totalmente avesso ao
mercado (financeiro) com o necessário espaço para o cumprimento das promessas
de Lula, sobretudo no plano social. Muitos dos expedientes utilizados na nova
regra (arcabouço) já haviam sido antecipados por colegas economistas. Vide, por
exemplo, as sugestões de Paulo Nogueira Batista Jr. O desenho, portanto, me
parece muito bem feito.
Não
é a panaceia de todos os males, mas auxilia na bateria de argumentos para
pressionar um Banco Central obtuso a promover a necessária queda da taxa básica
de juros, sem o que todo o enorme esforço fiscal sai pelo vão dos dedos,
esterilizado no pagamento do serviço da dívida. Mas é uma saída brilhante
desenhada dentro de uma camisa de força que não precisaríamos estar vestindo. O
que nos empurrou a isso foi e continua sendo a força inominável dos interesses
financeiros e sua parceira de todas as horas, a grande mídia corporativa”.
Paulo Nogueira Batista
Jr (Vice-presidente
do Novo Banco de Desenvolvimento de 2015 a 2017)
“A
nova âncora fiscal anunciada hoje saiu melhor do que eu temia e ficou parecida,
em alguns pontos, com o que eu e outros vínhamos defendendo. Por exemplo: a
escolha do resultado primário como alvo, variável conhecida, com longa série
histórica, variável observada (e não construída com base em modelos) e
relativamente controlável pela política fiscal. Outro ponto positivo: a
definição de uma banda (e não de uma meta pontual), o que dá um pouco de
flexibilidade. E não esquecer que a aprovação da lei complementar da nova
âncora desconstitucionaliza o tema e enterra de vez o falido teto de gastos
elaborado pela equipe de economistas incompetentes do governo Temer, alcunhada
pela mídia de “time dos sonhos” e responsável também pela “ponte para o
futuro”, rebatizada acertadamente como “pinguela para o passado”.
Problemas
da nova âncora. A banda talvez seja estreita demais, insuficiente para acomodar
choques e imprevistos. A meta de zerar o déficit em 2024 é
apropriada? Não se corre o risco de travar a economia, já sobrecarregada
pela política monetária escorchante? Por que tantas restrições do lado do
gasto? O objetivo de aumentar o resultado primário ao longo do mandato de
Lula, com superávits gradualmente crescentes, é factível – se a economia
crescer. Mas ela consegue crescer sem apoio da política fiscal? O novo
arcabouço permite esse apoio? Essas são algumas das dúvidas que precisam
ser esclarecidas”.
Elias Jabbour (Professor
de Ciências Econômicas da UERJ)
“De
antemão, posso dizer duas coisas. Nada que implique em regramentos sobre o
aumento das despesas pode ser considerado bom. Neste sentido o atual arcabouço
tem, sim, algo de continuidade em relação ao momento anterior. Ao mesmo tempo
que se trata de um comportamento político vil acreditar que podemos trocar o
teto de gastos por mecanismos explícitos de princípio da demanda
efetiva. O atual arcabouço fiscal seria excelente em uma economia com
crescimento autônomo em relação ao gasto público. Não é o caso do Brasil e o
tratamento dado ao investimento nesta regra é muito insuficiente. Mas essa
regra tem dois pontos que considero um imenso avanço em relação ao que nos
acostumamos a ver: as despesas não podem cair nunca e devem ter crescimento
mínimo de 0,6% em relação ao ano anterior. Isso é quase um salto civilizatório
diante da criminalização do gasto público que víamos há anos. Isso implica em
que no investimento privado? O empresário poderá minimamente prever algum nível
de investimento sem que aja cortes abruptos de gastos e essa é a maior vitória
possível nos marcos da atual correlação de forças na sociedade e na política.
Quem disser que faria algo além disso estará mentindo por deixar de lado algo
básico: a política. Repito, esse arcabouço fiscal é muito insuficiente para dar
conta das imensas demandas da sociedade brasileira, mas para ir além precisaríamos
de muita força política.
Diante
da força política que dispomos, cabe a letargia ou usar da correlação de forças
como uma zona de conforto para governismos desnecessários? Não. Primeiro, nosso
inimigo não está no ministério da Fazenda e sim no BC. Ele já deu claros sinais
de que não vai ceder. Neste sentido é possível um impeachment de Campos Neto?
Não. O que é possível fazer? O Ministro da Fazenda, por ordem do presidente
Lula, chamar o Conselho Monetário Nacional e demonstrar que dado o fato de a
nossa inflação média desde 1999 ser de 6%, é impraticável uma meta de 3,25%
acrescida de um momento internacional que tem levado os países que usam da
régua das metas de inflação a elevarem o centro da meta, como foi o caso da
Índia. E mais, nossa economia é useira e vezeira em criar choques sazonais de
preços implicando em uso indiscriminado da taxa de juros. É hora de rever a
temporalidade das metas de inflação. Não acredito que centro da luta de
classes no Brasil hoje seja em torno dos rumos da política fiscal. Com todos os
limites deste arcabouço, tirou-se letra de pedra diante da atual correlação de
forças. O problema é a política monetária. Escolher o principal e o secundário
na luta de classes é fundamental. Os alvos devem ser o centro da meta e a
temporalidade do regime de metas. Temos pouca energia a ser dispensada neste
momento da história. Devemos concentra-la”.
Nilson Araújo de Souza (Professor
na Universidade Ibirapuera, no Centro Universitário Belas Artes e na Fundação
Instituto Tecnológico de Osasco)
“É
possível perceber alguns avanços: o “ajuste fiscal” seria feito, sobretudo,
pelo aumento da receita, e não, como a ortodoxia monetarista costuma fazer,
pelo corte da despesa; por isso, a despesa real tenderá a aumentar; o
investimento terá um “piso” de R$ 75 bilhões. Mas essas “bondades” não anulam a
essência do “teto de gasto”, porquanto, tal como ele, mantêm como objetivo
maior gerar superávit primário a fim de estabilizar a relação dívida/PIB. Será,
na verdade, o “teto com banda”. Ou seja, o “teto” com alguma flexibilização. É
o próprio ministro que o admite, quando, em uma das planilhas, afirma: “O atual
teto de gastos passa a ter banda com crescimento real da despesa primária entre
0,6% a 2,5% a.a. (mecanismo anticíclico)”.
Assim,
a despesa, que poderá aumentar nominalmente até 70% do incremento da receita,
terá um aumento real limitado por uma banda que varia de 0,6% a 2,5% ao ano. Ou
seja, deverá crescer, em termos reais, no mínimo a 0,6% ao ano, mas, no máximo,
a 2,5%. Isso significa que se, em determinado ano, os 70% redundarem num
aumento real acima de 2,5%, o aumento da despesa estará limitado por esse
“teto”. É um limite, obviamente, muito estreito. Tanto os 70% quanto os 2,5%
deveriam ser bem maiores para dar conta das necessidades de reconstrução da
economia. Evidentemente, ter uma “banda” de 2,5% é melhor do que zero%, como
era no natimorto teto de gastos anterior. No entanto, essa ligeira
flexibilização não está à altura das necessidades do momento. Não estamos num
momento qualquer da vida nacional. Estamos num momento de reconstrução
precisamente quando a crise econômica se agrava. O investimento deveria estar
fora de qualquer teto; não deve estar limitado por qualquer peia.
O
arcabouço avança um pouco nessa direção, ao estabelecer que o “resultado
primário acima do teto da banda permite a utilização do excedente para
investimentos”. Mas insuficiente para as necessidades do momento, incorporadas
pelo Presidente Lula, quando insiste em baixar os juros como forma de
incrementar os investimentos. Essas restrições na política fiscal se juntam à
política monetária restritiva para bloquear a reconstrução nacional. Enquanto
Roberto Campos Neto estiver à frente do BC, o arcabouço de Haddad não o
sensibilizará para uma necessária forte redução da taxa de juros – no máximo,
realizará alguma redução”.
No meio do caminho tem uma pedra https://bit.ly/3Ye45TD
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