18 outubro 2025

Thiago Modenesi opina

O labirinto político peruano
Crises sucessivas, partidos frágeis e viradas ideológicas marcam o Peru desde Fujimori, alimentando um ciclo de instabilidade que ameaça a própria democracia.
Thiago ModenesiVermelho  

O Peru contemporâneo se consolidou como um dos casos mais emblemáticos de instabilidade política na América Latina. O palácio de governo em Lima tornou-se uma porta giratória para presidentes, com uma sucessão vertiginosa de mandatários que não conseguem completar seus mandatos.

Por trás dessa crise de governança, observa-se um fenômeno duplo e interligado: a proliferação de partidos políticos efêmeros, sem base ideológica ou história perene, e um eleitorado que, em busca de mudança, elege figuras que prometem ruptura, apenas para vê-las, frequentemente, assimiladas pelas estruturas conservadoras tradicionais.

A cifra é eloquente: desde a queda da ditadura de Alberto Fujimori em 2000, o Peru teve mais de uma dezena de presidentes, 7 apenas nos últimos 7 anos. Muitos deles não conseguiram concluir seus mandatos de cinco anos, sendo forçados a renunciar, destituídos por congressos hostis ou presos por acusações de corrupção. Este cenário não é mera coincidência, mas o sintoma de uma profunda crise de representação.

O sistema político peruano é caracterizado por uma fragmentação extrema e uma debilidade institucional crônica. O Congresso, frequentemente composto por uma miríade de partidos sem base programática sólida, opera em um estado de guerra permanente contra o Poder Executivo. O instrumento da vacância presidencial por “incapacidade moral” tornou-se uma ferramenta política, usada para destituir presidentes sem necessidade de um impeachment formal, aprofundando a instabilidade e a ingovernabilidade.

O governo neoliberal de Fujimori foi fundamental para isso quando acabou com o bicameralismo no país no autogolpe que deu, ressaltando uma crítica aguda às instituições, que dizia serem lentas e inoperantes. O já conhecido discurso antipolíticos (no geral feito por políticos de direita…), que questionava a necessidade de realmente existirem 2 Câmaras. Isso deu vez a vários processos de impeachment por “incapacidade moral”, todos de maneira hiper veloz.

Paralelamente à rotatividade presidencial, está a volatilidade do sistema partidário. Os partidos políticos peruanos, em sua maioria, não são organizações com história, militância e doutrina. São, frequentemente, veículos eleitorais personalistas, criados para uma eleição específica e dissolvidos ou rebatizados na seguinte.

Partidos tradicionais como o APRA, outrora uma força política perene, viram sua influência minguar. Em seu lugar, surgiram agremiações como o Perú Libre (de Pedro Castillo), o Fuerza Popular (de Keiko Fujimori) ou o partido de Ollanta Humala, que são, em essência, extensões de suas lideranças.

Essa falta de institutionalização significa que o eleitor não vota em um projeto de país consistente, mas em uma persona, algo comum em outros países da América Latina, mas estes, na sua maioria, possuem partidos com tradições históricas, ideológicas, alguns até centenários.

Talvez o aspecto mais intrigante e frustrante para o eleitorado peruano seja a frequente mudança de lado de seus líderes eleitos. Após o fujimorismo, um sentimento de nunca mais à autocracia e às velhas elites impulsionou a eleição de candidatos que se apresentavam como alternativas progressistas e de esquerda. No entanto, uma vez no poder, muitos desses líderes executaram uma guinada pragmática (ou oportunista) em direção ao establishment conservador.

Exemplo disso foi Alan García (2006-2011), em seu segundo governo, o líder aprista, que em sua primeira passagem (1985-1990) foi um expoente da esquerda latino-americana, adotou políticas econômicas claramente ortodoxas e alinhou-se com setores empresariais. Seu governo foi marcado por escândalos de corrupção e por um distanciamento das bases históricas de seu partido, as ideias neoliberais ainda se mostravam fortes no país.

Na sequência veio Ollanta Humala (2011-2016), eleito após uma campanha que evocava o nacionalismo e o legado de Hugo Chávez, Humala rapidamente promoveu um giro à direita. Adotou uma política econômica de continuidade, manteve os acordos de livre-comércio e nomeou ministros ortodoxos para a pasta da Economia. Esse movimento, apelidado de “chavismo light”, desencantou seus apoiadores de esquerda sem, no entanto, conquistar a plena confiança da direita, deixando-o politicamente isolado.

Por fim, Pedro Castillo e Dina Boluarte (2021-2025), o caso mais recente e dramático. Castillo, um professor rural e sindicalista, foi eleito pelo partido marxista Perú Libre como a encarnação da ruptura com “a classe”, a burguesia peruana. Seu governo, caótico e cercado de escândalos, terminou com sua tentativa fracassada de autogolpe em dezembro de 2022, até hoje vários países não reconhecem os que o sucederam, a exemplo do México. Castillo representava o combate as desigualdades históricas e seculares da nação, vindo com força do interior, apoiados por camponeses e pelos mais pobres, pressionando as elites concentradas em grande parte na capital por mudanças. Embora se autoproclamasse marxista, tinha posições bastante conservadoras em questões morais e de saúde pública.

Seu governo, caótico e cercado de escândalos, terminou com sua tentativa fracassada de autogolpe em dezembro de 2022, até hoje vários países não reconhecem os que o sucederam, a exemplo do México.

Sua vice, Dina Boluarte, assumiu e imediatamente executou a virada mais radical. Apesar de ter sido eleita em uma chapa de esquerda, seu governo é o mais conservador e repressivo das últimas décadas. No começo, alinhou-se com a direita no Congresso, adotou um discurso de lei e ordem e autorizou uma violenta repressão a protestos, resultando em dezenas de mortes. Boluarte tornou-se o símbolo máximo da traição ao mandato eleitoral, governando com o apoio explícito das forças que ela e Castillo prometeram combater.

Boluarte foi a que mais tempo passou a frente do governo peruano dos últimos 7 presidentes, quase 3 anos. No seu governo os protestos explodiram, sua popularidade oscilava entre 2 a 3% e o crime organizado tomou as ruas, semeando um clima de insegurança que aumentou a indignação popular contra a presidenta, culminando numa rajada de balas no show da Orquestra Água Marina, que toca cumbia, o ritmo mais popular no país hoje, 4 músicos foram feridos.

O congresso peruano aprovou essa semana mais um impeachment a jato, cassando o mandato de Dina Boluarte por unanimidade e levando ao poder José Jeri, então presidente da Câmara dos Deputados, vale dizer que a instituição tem mais de 80% de desaprovação da população do país e que Jeri responde a vários processos, inclusive por assédio sexual.

A instabilidade política no Peru é, portanto, um labirinto de onde o país parece não encontrar saída. A fragilidade dos partidos gera líderes sem lealdades institucionais e ideológicas. As elites peruanas tem conseguido ditar os rumos do país que é um dos mais desiguais das Américas, com grande parte da população vivendo na informalidade, as forças progressistas do país não tem conseguido construir um projeto em comum, tiveram e tem vários nomes de projeção, mas não tem conseguido maioria no congresso e a sociedade não tem instrumentos democráticos, como Centrais Sindicais, movimentos estudantis e outros que tenham força para dar suporte a um governo que possa fazer mudanças mais profundas.

Além disso, a complexidade de governar e a pressão das estruturas de poder econômicas e midiáticas frequentemente tem levado a traição dos líderes as suas promessas, sendo assimilados pelo status quo que juraram transformar. A exceção foi Castillo, mas acabou apeado do poder pelo Congresso e preso.

Cada grande virada de um presidente eleito como progressista fortalece a narrativa de que a mudança real é impossível, corroendo a já frágil democracia peruana. Enquanto o país não for capaz de construir um sistema partidário estável e com raízes sociais, e até que os mandatos eleitorais sejam respeitados, inclusive rediscutindo a necessidade da volta do Senado para fortalecer os mecanismos democráticos, a porta giratória do poder continuará a girar, e o labirinto político peruano permanecerá sem uma saída à vista.

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