06 novembro 2022

PRF violenta

‘Bolsonarizada’, PRF adota perfil mais violento nos últimos anos

Pesquisadores apontam mudanças na corporação, que está sob investigação após suspeita de instrumentalização política
Jan Niklas, O Globo

 

No centro de uma crise política por suspeitas de atuar para dificultar o voto de eleitores e de ter sido omissa em relação aos bloqueios nas estradas por manifestantes, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) mudou seu perfil operacional ao longo dos últimos anos. A corporação enfraqueceu a vigilância nas rodovias e aumentou a participação em ações que terminaram com mortes violentas. É o que apontam dados sobre operações da PRF e pesquisadores ouvidos pelo GLOBO.

Nos últimos quatro anos a PRF foi abandonando sua função original de patrulhar estradas e combater crimes relacionados ao sistema viário. A primeira transformação foi em outubro de 2019, quando foi autorizada pelo Ministério da Justiça a atuar em operações ostensivas, investigativas e de inteligência. Dois anos depois, essa norma foi revogada e substituída por outra que permitia ao órgão fazer operações com outras polícias. Essas medidas possibilitaram que a PRF protagonizasse ações com desfechos violentos longe das estradas.

Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, um levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), apontou uma disparada da letalidade da PRF sob o governo Bolsonaro. Entre 2007 e 2018 ocorreram cinco mortes em operações da corporação. Já entre 2019 e 2022, esse número saltou para 58 mortes.

— Fica claro que a PRF tem atuado de forma menos qualificada do que em seu histórico, considerado de excelência, quando é deslocada para atribuições que não são do seu perfil — analisa o coordenador do Geni, Daniel Hirata.

Ele cita duas operações recentes da PRF que terminaram em chacinas: o massacre de Varginha (MG), com 26 mortos; e o da Vila Cruzeiro, favela na capital do Rio, que resultou em 23 óbitos.

Especialistas destacam que o presidente Jair Bolsonaro sempre criticou a “indústria das multas” — em suas palavras — nas rodovias, enquanto celebrava operações policiais com suspeitos mortos. Esse discurso teria funcionado como mensagem para guiar a mudança de comportamento da tropa da PRF.

Rodolfo Rizzotto, coordenador da ONG SOS Estradas, destaca que a bolsonarização da PRF também produziu efeitos desastrosos nas rodovias. Em 2019, Bolsonaro chegou a dar ordem para tirar todos os radares das estradas e, em quatro meses, o número de mortos nas rodovias aumentou 15%. Diante da alta da mortalidade, a Justiça mandou acionar novamente os equipamentos. Porém, segundo Rizzotto, a fiscalização não voltou ao mesmo patamar.

Atuação política

Desde a votação do segundo turno, a corporação se tornou alvo de acusações de atuação eleitoral e instrumentalização política por parte de Bolsonaro. Contrariando ordens judiciais, a PRF promoveu blitzes sobretudo nos estados do Nordeste, reduto eleitoral do presidente eleito Lula (PT), que dificultaram o deslocamento de eleitores na região.

Além disso, ao longo da semana, agentes do órgão foram flagrados apoiando bloqueios feitos por bolsonaristas em rodovias federais. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, afirmou que a PRF foi “omissa” e “inerte” e ameaçou prender o diretor da corporação, Silvinei Vasques, caso ele não adotasse medidas necessárias para a desobstrução de vias. Na quarta-feira, o Ministério Público Federal (MPF) ainda pediu que a Polícia Federal investigue possíveis crimes cometidos por Vasques.

Em vídeo publicado na noite de sexta-feira nas redes sociais, o diretor da PRF se defendeu:

— Nós abrimos mais de mil pontos no Brasil. Isso nunca ocorreu numa greve de caminhoneiros. Esta é a maior operação da história da PRF. O maior efetivo da História.

Para especialistas em segurança pública, o episódio escancarou como a PRF se tornou uma polícia a serviço dos interesses de Bolsonaro.

— A PRF está saindo da polícia de proteção e civil para uma polícia militarizada e de combate. O bolsonarismo explorou esse caldo de cultura política que gerou o ideal do policial guerreiro, que caça bandidos sem limitação de competência legal — avalia o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Seg urança Pública, Renato Sérgio de Lima.

Vasques nunca escondeu a proximidade com a família Bolsonaro. Na véspera do segundo turno ele chegou a publicar uma mensagem pedindo voto no candidato do PL — mas, na sequência, apagou.

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