CEM ANOS DE FASCISMO
Ao longo da história, políticos fascistas atraem o apoio de
pessoas que, se questionadas, rejeitariam o rótulo de fascistas; elas só
precisam ser persuadidas de que a democracia não mais atende seus interesses
Jason Stanley, revista Piauí
Quando os fascistas Camisas Negras marcharam pelas ruas de Roma ao final
de outubro de 1922, seu líder, Benito Mussolini, acabava de tomar posse como
primeiro-ministro. Embora os seguidores de Mussolini já houvessem se organizado
em milícias e começado a aterrorizar o país, foi durante a marcha de 1922,
escreve o historiador Robert O. Paxton, que eles “passaram de saquear e atear
fogo em QGs locais socialistas, redações de jornais, agências de emprego e
casas de líderes socialistas para a ocupação violenta de cidades inteiras, tudo
sem enfrentar qualquer oposição do governo”.
A essa altura,
Mussolini e seu Partido Fascista haviam sido normalizados, pois foram levados
para o governo de centro-direita no ano anterior como um antídoto à esquerda. O
governo estava em desordem, suas instituições, deslegitimadas, e os partidos
esquerdistas brigavam entre si. E a violência fascista servira de combustível
para a desordem que Mussolini, como um escroque, prometia resolver.
Embora Mussolini
tenha presidido a primeira experiência do fascismo com um gostinho real de
poder político, seu movimento não foi o primeiro do tipo. Para tal, é preciso
antes olhar para os Estados Unidos. Como Paxton explica, “é possível que o
primeiro fenômeno que pode ser funcionalmente relacionado ao fascismo seja
americano: a Ku Klux Klan […] a primeira versão do Klan era, pode-se dizer, um
preview digno de nota da maneira como os movimentos fascistas funcionariam na
Europa do entreguerras”.
Nivelando por baixo
Por mais importante
que sejam tais paralelos entre movimentos e organizações, é no nível da
ideologia que se encontra o denominador comum compartilhado pelas variantes
americana e europeia (sobretudo alemã) do fascismo. Em 1916, o eugenista
americano Madison Grant publicou The Passing of the Great Race (A
morte da raça grandiosa), que denunciava a suposta substituição de brancos nos
Estados Unidos pelo povo negro e por imigrantes, incluindo “judeus poloneses”.
De acordo com Grant, esses grupos representavam uma ameaça existencial à “raça
nórdica” – o “povo nativo” dos Estados Unidos.
Embora não fosse
contra a presença de pessoas negras nos Estados Unidos, Grant insistia que elas
deviam ser mantidas em situação de subordinação. Seu livro era um exercício de
racismo científico, argumentando que “brancos nórdicos” seriam intelectual,
cultural e moralmente superiores a todas as outras raças e que, portanto,
deveriam ocupar uma posição dominante na sociedade. No âmago de sua visão de
mundo estava uma versão racializada do nacionalismo americano: os brancos
nórdicos eram os únicos americanos “de verdade”, mas estavam correndo risco de
serem “substituídos” por outras raças.
Grant dialogava com
uma corrente política poderosa no seu tempo. Nos anos seguintes, o movimento
America First (algo como “Primeiro os Estados Unidos”) emergiria para combater
o “internacionalismo” e a imigração. Conforme nota Sarah Churchwell, da
Universidade de Londres, em seu brilhante livro de 2018, Behold,
America: The Entangled History of “America First” and “the American
Dream” (Cuidado, América: A história emaranhada do “America First” e do
sonho americano), em fevereiro de 1921 o presidente americano Calvin Coolidge
“escreveu um artigo para a revista Good Housekeeping chamado
‘Whose Country is this?’ (De quem é este país?)”. A resposta de Coolidge,
conforme Churchwell relata, era inequívoca: “Nosso país precisa parar de ser
visto como um depósito de lixo” e só deveria aceitar o “tipo certo de
imigração”. Ele se referia explicitamente aos “nórdicos”.
Também foi em 1921,
Churchwell observa, que a segunda Ku Klux Klan adotou “America First” como
parte de seu credo oficial. Com seu compromisso fervoroso com a supremacia
branca e papéis de gênero tradicionais, o segundo Klan concentrou esforços em
espalhar paranoia sobre judeus marxistas e suas tentativas de usar sindicatos
para promover a igualdade racial. Enquanto isso, o industrialista americano
Henry Ford financiara a publicação e a distribuição de The
International Jew (O judeu internacional), uma compilação de artigos
que colocava os judeus no centro da conspiração global. Os judeus, Ford alegava,
controlavam a mídia americana e suas instituições culturais, e estavam
determinados a destruir a nação americana.
Leia
também: Suplantar a cultura do ódio é uma luta de longo curso https://bit.ly/3Us8tfj
Encontra-se esse
mesmo tipo de nacionalismo racializado ao longo de Mein Kampf (Minha
luta), o manifesto que Hitler escreveu na prisão em 1924. Hitler estava com
raiva da presença de estrangeiros, sobretudo judeus, em Viena, mas ele deixava
claro que seu ódio não era pela religião judaica. Antes de chegar a Viena,
Hitler escreveu, ele rejeitava o antissemitismo, porque via nisso uma forma de
discriminação contra alemães tendo por base a religião.
Mas Hitler acabou
por encarar os judeus como o inimigo máximo, retratando-os como membros de uma
raça estrangeira que se assimilara na Alemanha com o objetivo de tomar conta do
país. Isso, ele alegava, seria atingido por meio do afrouxamento das leis de
imigração para “abrir as fronteiras”, incentivando o casamento interracial a
fim de destruir a raça ariana, e por meio do controle da mídia e das indústrias
culturais para se destruir os valores tradicionais alemães. De acordo com a
propaganda nazista, os judeus eram a força por trás do comunismo internacional
e a fonte da mítica “facada nas costas” que supostamente fizera a Alemanha
perder a Primeira Guerra Mundial.
Hitler buscou
inspiração nos Estados Unidos, que, seguindo a ascensão do movimento America
First, adotara políticas imigratórias que favoreciam europeus do norte. Ao
examinar os primeiros genocídios perpetrados pelos colonos americanos contra os
povos originários do continente em nome do “Destino Manifesto”, ele encontrou
um modelo para suas próprias ações posteriores em busca da Lebensraum (expansão
territorial). E, conforme o historiador Timothy Snyder mostra em seu livro de
2015 Terra negra: O Holocausto como história e advertência, Hitler
esperava conseguir recriar na Ucrânia o regime escravagista do Sul pré-Guerra
Civil.
Descumprimento da
lei
O fato de que o racializado nativismo americano e o fascismo alemão
constituíam práticas compartilhadas, e não apenas crenças compartilhadas,
merece ser examinado com mais atenção. Conforme a teórica americana Kimberlé
Crenshaw mostrou, práticas legais reforçaram historicamente e perpetuaram
hierarquias injustas de valor de maneiras que muitas vezes passam
despercebidas. Assim, o objetivo de leis antidiscriminação não é o de oferecer
proteção especial para qualquer grupo específico – digamos, mulheres negras; em
vez disso, o objetivo é assegurar que a lei não reproduza hierarquias de valor
discriminatórias do ponto de vista social, político e histórico.
Esta é uma das
sacadas principais da teoria crítica da raça (CRT), que evoluiu a partir do
trabalho de Crenshaw, Derrick Bell e outros acadêmicos que exploraram de que
forma práticas legais perpetuam a discriminação – às vezes como um efeito colateral
de um raciocínio motivado por aqueles que estão no poder, às vezes como
intenção explícita de uma política. E, como a CRT se tornou um dos instrumentos
teóricos mais importantes na prática antifascista, é também o novo alvo da
direita branca nacionalista.
CRT nos insta a
reconhecer a lei como a manifestação cabal da ideologia política. No caso do
fascismo, a ideia de cidadania se baseia na identidade racial, que por sua vez
se baseia em um mito fundador de hierarquia e superioridade. Ao passo que uma concepção
de identidade nacional com um fundo racial não era algo central para o fascismo
italiano, foi a força motriz por trás do nazismo. Com as Leis de Nuremberg de
1935, o conceito de cidadania alemã passou a se basear na superioridade ariana.
Apenas aqueles de “sangue alemão” poderiam ser cidadãos alemães com direitos
políticos. Judeus, pelo defeito de serem não arianos, eram excluídos dessa
cidadania e, portanto, privados de direitos políticos.
Não por
coincidência, os negros americanos sofreram por muito tempo um tratamento
similar no Sul do país pós-Guerra Civil. Conforme documenta James Q. Whitman da
faculdade de direito de Yale em Hitler’s American Model: The United
States and the Making of Nazi Race Law (O modelo americano de Hitler:
Os Estados Unidos e a invenção da lei racista dos nazistas), a ideologia
nazista bebeu diretamente no uso das práticas legais do regime Jim Crow a fim
de estruturar a natureza da ideia de cidadania. Ao passo que a vitória aliada
acabou por encerrar o fascismo racial alemão em 1945, o regime Jim Crow nos
Estados Unidos sobreviveria por mais uma geração.
Os grandes
guarda-chuvas fascistas
Para derrotar a Alemanha nazista, fora necessário que os Estados Unidos
superassem domesticamente o poder do movimento isolacionista America First. As
políticas draconianas de imigração inspiradas pelo movimento nos anos 1920
ainda estavam em vigor nos anos 1930, quando os Estados Unidos fecharam de
forma infame as portas para muitos refugiados judeus que tentavam fugir da
Europa antes do Holocausto.
Em um ensaio
publicado em 1939 na Reader’s Digest intitulado “Aviation,
Geography, and Race” (Aviação, geografia e raça), o principal porta-voz do
America First, o aviador Charles Lindbergh, escreveu: “É hora de deixarmos de
querelas e voltar a construir nossas muralhas brancas. A aliança com raças
estrangeiras não significa nada senão morte para nós. É nossa vez de proteger
nosso legado contra mongóis, persas e mouros, antes que sejamos engolfados em
um imenso mar estrangeiro.” Lindbergh defendia neutralidade na guerra entre a
Grã-Bretanha e a Alemanha, enxergando os dois países como aliados contra a
imigração desabalada para a Europa e para os Estados Unidos por parte de povos
não brancos.
Na Alemanha,
fascistas haviam entrado para o governo como resultado de sua popularidade na
política eleitoral – popularidade essa que cresceu rapidamente, começando em
1928. A economia alemã havia experimentado uma série de choques terríveis, da
hiperinflação ao crescente desemprego. Os nazistas de Hitler, naturalmente,
atribuíam a culpa por tais problemas aos judeus, ao comunismo e ao capitalismo
internacional. Como os Camisas Negras de Mussolini, eles atacavam violentamente
esquerdistas e abertamente provocavam confusão nas ruas – e então se
apresentavam como a única força que poderia restaurar a ordem.
A ideologia nazista
atraía um eleitorado variado. Com sua promessa de fortalecer a nação por meio
da defesa de papéis de gênero tradicionais e da criação de grandes famílias
arianas, seduzia conservadores religiosos. E, com sua hostilidade para com o
comunismo e o socialismo, prometia proteger grandes empresas contra
trabalhadores organizados. Os nazistas se opunham ao capitalismo apenas
enquanto doutrina universal – isto é, como uma doutrina que
dava aos judeus o direito à propriedade – e se apresentavam como protetores da
propriedade privada ariana contra o “judeu-bolchevismo”.
No front cultural,
cabe enfatizar que os partidos fascistas sempre foram defensores violentos de
uma concepção de gênero estritamente binária. Nos anos 1920, Berlim era uma
cidade culturalmente efervescente e centro da emergente vida gay europeia, que
a ideologia nazista associava aos judeus. A cidade também era onde se
localizava o Instituto de Estudos Sexuais de Magnus Hirschfeld, uma vasta
biblioteca e arquivo que abrigavam uma ampla variedade de expressões de gênero.
Quando os nazistas começaram a queimar livros, a biblioteca de Hirschfeld foi
um dos primeiros alvos.
Leia
também: Incrível, porém verdadeiro: essa "loucura" bolsonarista que se
expressa de várias formas traduz um projeto de sociedade https://bit.ly/3V03uDb
Não é nenhuma
surpresa que os fascistas sempre tenham se aliado a religiosos conservadores.
Enquanto que na Itália e na Alemanha o fascismo e o cristianismo forjaram uma
aliança de conveniência, nos outros lugares eles praticamente se fundiram numa
só ideologia. Na Romênia, por exemplo, a Legião de São Miguel Arcanjo foi o
mais cristão e o mais violento dos partidos fascistas e antissemitas europeus.
No Brasil, uma
forma de fascismo católica e integralista foi importada diretamente da Itália
por Plínio Salgado. O papel do cristianismo também é óbvio na estrutura do
fascismo russo hoje em ascensão. Os russos e a Rússia são retratados como os
últimos bastiões a defender o cristianismo contra as forças pagãs do decadente
liberalismo e da fluidez de gênero ocidentais. E, é claro, o cristianismo
sempre animou o fascismo americano, com seu âmago ideológico de nacionalismo branco
e cristão.
Do golpe ao
parlamento
Ao final dos anos 1920, os nazistas haviam conseguido atrair múltiplos
grupos que não se viam como nazistas. E, devido à desconfiança generalizada
suscitada por partidos políticos e instituições mainstream, eles se
tornaram o segundo maior partido no parlamento depois da eleição de 1930 e,
após a eleição de 1932, o partido líder.
Embora olhassem
torto para os nazistas, os conservadores alemães viam Hitler como preferível a
qualquer outra opção de esquerda. Assim, com o apoio do establishment
conservador, Hitler foi nomeado chanceler pelo presidente da Alemanha, em 1933.
Embora em seus discursos e escritos Hitler tivesse deixado abundantemente clara
sua virulenta oposição à democracia, os conservadores alemães lhe entregaram o
poder mesmo assim, demonstrando – na melhor das hipóteses – uma ingenuidade
indesculpável.
Na verdade, todo e
qualquer exemplo canônico de um sucesso fascista ocorrido na Europa no século
XX envolveu partidos políticos que ascenderam ao poder por meio de um processo
eleitoral normal, após ter expressado amplamente seus sentimentos
antidemocráticos e às vezes até mesmo suas intenções expressas. Líderes
conservadores e eleitores escolheram o fascismo em detrimento da democracia,
acreditando que, no final das contas, sairiam ganhando.
Para vencer as
eleições, partidos e políticos fascistas geralmente precisam atrair o apoio de
pessoas que, se questionadas, rejeitariam em alto e bom som o rótulo de
fascistas. Mas tal tarefa não é necessariamente difícil: os eleitores apenas
precisam ser persuadidos de que a democracia não mais atende seus interesses.
O fascismo hoje
Se pensarmos no fascismo como um conjunto de práticas, fica
imediatamente evidente que o fascismo ainda está entre nós. Conforme apontou
Toni Morrison em um discurso de 1995, os Estados Unidos frequentemente
preferiram soluções fascistas para seus problemas domésticos. Consideremos, por
exemplo, os achados da Prison Policy Initiative sobre os índices de
encarceramento global em 2021: “Não apenas os Estados Unidos têm o índice de
encarceramento mais alto do mundo; todos os estados americanos encarceram,
individualmente, mais pessoas per capita do que virtualmente qualquer
democracia do planeta.”
Este é um fardo que
recai de forma desproporcional sobre a população outrora escravizada do país.
E, diferentemente do que ocorre em muitas outras democracias, prisioneiros de
48 estados americanos por lei não podem votar. Na Flórida, leis de privação de
direitos tiraram de 1 milhão de pessoas – o suficiente para fazer o eleitorado
do estado pender para o lado republicano – o direito de votar apenas por elas
terem em suas fichas ocorrências policiais antigas. E, sob o atual governador
republicano do estado, Ron DeSantis, uma força policial eleitoral foi criada
para tratar de uma fraude eleitoral fictícia. No período que antecedeu as
eleições de 2022 de meio de mandato, foram realizadas prisões amplamente
divulgadas de pessoas negras fichadas na polícia que pensavam que podiam votar
(e que, em alguns casos, haviam recebido do próprio estado orientações
contraditórias sobre a questão).
Devemos reconhecer
isso pelo o que é: o retorno das táticas Jim Crow pensadas para intimidar
eleitores negros. Diferentemente do que ocorreu no Terceiro Reich, o regime Jim
Crow nunca sofreu derrota ou eliminação via guerra. Em vez disso, suas práticas
persistiram silenciosamente sob formas variadas, muitas vezes servindo como um
modelo para leis como as citadas na Flórida. Na maioria dos casos, leis
racistas são feitas de forma a parecerem racialmente neutras. Testes para
verificar o nível de alfabetização de eleitores, por exemplo, são
ostensivamente neutros, mas, de fato, são discriminatórios.
Essa tática
tampouco se limita aos Estados Unidos. Na Índia, o partido nacionalista incumbente
criou um registro nacional para codificar a situação legal dos cidadãos e
expulsar “imigrantes ilegais”, cinicamente explorando o fato de que um número
significativo de muçulmanos indianos não tem documentos oficiais. Nacionalistas
hindus agora podem ter como alvo os muçulmanos indianos e ameaçar deportá-los
para Bangladesh. Ao mesmo tempo, o Citizenship Amendment Act de 2019 dá a
imigrantes não muçulmanos do Afeganistão, de Bangladesh e do Paquistão um
caminho burocrático mais rápido para obter a cidadania.
A manipulação das
leis de cidadania a fim de privilegiar um grupo como sendo os verdadeiros
representantes da nação é uma característica de todos os movimentos fascistas.
Como Tobias Hübinette, da Universidade de Karlstad, apontou, o partido de
extrema direita da Suécia, os Democratas da Suécia, tem “uma linhagem
organizacional ligada diretamente ao nazismo da época da Segunda Guerra
Mundial”. Sua plataforma prega uma identidade nacional sueca racialmente
homogênea, e seus candidatos “fizeram campanha pela instalação de um programa
de repatriação com a proposta explícita de fazer com que imigrantes não
ocidentais voltem para seus países de origem”. Na eleição de setembro de 2022,
os Democratas Suecos se tornaram o segundo maior partido no parlamento –
ecoando o feito do Partido Nazista em 1930.
Líderes da extrema
direita em outros lugares da Europa também têm feito campanha contra a
democracia multirracial, embora minorias muçulmanas tenham substituído, no
papel de Quinta Coluna, a população judia massacrada na teoria da “grande
substituição” dessas lideranças. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orbán
usou as cortes de justiça e a lei para silenciar a mídia de oposição e vender
uma nostalgia nacionalista-cristã por uma Hungria grandiosa e perdida.
Estimulando medos suscitados por minorias sexuais e religiosas, ele mostrou
como um líder pode vencer as eleições várias vezes ao mesmo tempo em que faz
campanha contra a imprensa, universidades e a própria democracia.
Uma nova onda?
No século que se passou desde a marcha de Mussolini sobre Roma, líderes e
partidos que concorrem abertamente com a democracia florescem de forma fácil
demais nas eleições. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro advogou pela
remoção das instituições democráticas e repetidamente elogiou a ditadura
militar ocorrida no país. E, apesar de seu desastroso primeiro mandato, chegou
ao segundo turno das eleições, no dia 30 de outubro. E nos Estados Unidos, o
Partido Republicano se transformou em um culto à personalidade graças a um líder
branco nacionalista que liderou o esforço – a maior parte do qual tramado
publicamente – de derrubar a democracia americana.
Fascistas podem
vencer quando os conservadores do ponto de vista social decidem que o fascismo
é o mal menor. Podem vencer quando um número suficiente de cidadãos decide que
pôr fim à democracia é um preço razoável a se pagar para se atingir algum
objetivo desejado – como a criminalização do aborto. Podem vencer quando um
bando escolhe pôr fim na democracia para preservar sua primazia cultural,
financeira e política. Podem vencer quando atraem votos daqueles que apenas
querem fazer cara feia para o sistema ou agir de forma agressiva em função de
ressentimentos. E podem vencer quando as elites empresariais decidem que a
democracia é apenas um acréscimo substituível.
Partidos fascistas
alimentam um anseio nostálgico pela inocência nacional – razão pela qual
utilizam narrativas de glória nacional para apagar crimes passados. Daí que
alguns pais e mães apoiam partidos fascistas ao mesmo tempo em que
veementemente rejeitam o rótulo de fascistas – a fim de evitar que seus filhos
aprendam sobre os legados racistas que sustentam a permanência de resultados
racistas.
Hoje, como no
passado, os movimentos fascistas frequentemente têm uma dimensão simbólica
poderosa que os torna internacionalmente contagiosos. Na figura de Giorgia
Meloni, a Itália tem sua primeira líder de extrema direita desde Mussolini.
Tendo por muito tempo promovido a admiração pelo legado de Mussolini e o ódio
por imigrantes e minorias de gênero em sua busca por cargos dentro do partido e
no governo, a ascensão de Meloni ao cargo de primeira-ministra é o símbolo
potente de um fascismo global.
Finalmente, o mundo
tem seu líder mais abertamente fascista desde Hitler na figura do presidente
russo Vladimir Putin, que demonstrou por que nunca podemos nos tornar
complacentes quanto a essa ideologia e suas implicações. A guerra genocida de
Putin contra a Ucrânia mostra que ele não é um ator pragmático, e sim um
fanático que busca recriar o império russo perdido. Ao reunir uma resistência
tão eficaz, os ucranianos confirmaram a antiga verdade sugerida no famoso
discurso fúnebre de Péricles: as democracias lutam melhor do que as tiranias
porque cidadãos democráticos lutam por escolha própria.
Quando as
instituições são deslegitimadas por atuarem diante de enormes disparidades
econômicas, clientelismo e crises geracionais, a mudança social massiva se
torna possível. Às vezes, essa mudança é positiva, como quando o movimento
operário ajudou a estabelecer a ideia de final de semana, a melhorar a
segurança no local de trabalho e a abolir o trabalho infantil. Mas tais
movimentos são inerentemente perigosos. O fascismo é o lado sombrio da
libertação, e a história mostra que frequentemente ele é a opção feita por
sistemas políticos democráticos.
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