Nada
fácil na transição
Luciano Siqueira
No segundo turno da
eleição presidencial de 1989, encontrei na fila de embarque no Aeroporto dos
Guararapes, no Recife, o então deputado Nilson Gibson, de longa trajetória
ultra conservadora na cena política regional:
"Nilson, parece
que vamos ganhar as eleições e Lula será nosso presidente", provoquei.
"Se seu candidato ganhar, farei parte da base. Não há força humana que me
coloque na oposição", retrucou na maior tranquilidade.
Collor venceu o
pleito, ele não precisou mudar de lado tão automaticamente. Mas na esfera
local, originário da Arena e do PDS, terminaria migrando para o PMDB e para o
PSB, para seguir Miguel Arraes.
Era um típico
parlamentar do que hoje conhecemos por Centrão: "há governo, sou a
favor".
Entretanto, nem o Centrão de agora é o mesmo, nem a atração do novo governo
Lula se dá como das vezes passadas. A nação segue dividida ao meio, com
marcantes reflexos sobre a composição do Congresso Nacional, a Câmara dos
Deputados principalmente.
Isso se reflete no trabalho da chamada equipe (que alguns erroneamente
denominam "governo") de transição. Nem todas as informações
essenciais solicitadas ao governo findo fluem na dimensão e na rapidez
desejáveis, nem parece simples a negociação em torno da denominada PEC da
transição, tida como indispensável ao lastro orçamentário para o cumprimento de
compromissos sociais elementares por parte do novo presidente, a exemplo do
Auxílio Brasil (que se converterá no Bolsa Família).
O noticiário
registra o que parecem filigranas no texto da PEC em elaboração, seja quanto ao
montante da dotação orçamentária, seja quanto ao período de validade.
Na verdade, o nó
está na real correlação de forças e no preço do voto de boa parte dos
parlamentares sem o apoio dos quais a PEC não se viabiliza.
Basta lembrar que Lula teve 50,90% dos votos válidos contra o atual presidente,
que obteve 49,10%. Diferença muito pequena.
E não fosse a
amplitude extrema da frente político-eleitoral democrática constituída,
provavelmente Bolsonaro seria reeleito.
E é essa frente
ampla que haverá de governar, assim como construir a maioria parlamentar
indispensável à governabilidade.
Então, como se dizia
no século passado, vamos devagar com o andor que o santo é de barro.
Vale para a futura composição do ministério e demais espaços institucionais
estratégicos, vale para o programa de governo propriamente dito — este
inevitavelmente uma mescla do que foi elaborado durante a campanha e do que
objetivamente será viável, particularmente nos dois primeiros anos de gestão.
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golpista https://bit.ly/3U3euhs
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