02 abril 2023

Articulação direitista

Aliança global da direita radical

Cresce o intercâmbio entre os partidos extremistas de direita no mundo – e o bolsonarismo está nesse mapa
João Gabriel de Lima/revista Piauí

 

Uma das características de André Ventura, o líder da ultradireita de Portugal, é o uso de trilha sonora tonitruante em seus discursos, destinada a enfatizar a grandiloquência de suas palavras. A junção de som e fala funciona num crescendo. Assim:

“Vamos denunciar com força a imigração ilegal que destrói esta Europa!”

O DJ sobe a música de suspense, semelhante à do filme Tubarão: Tam-tam-tam! Tam-tam-tam.

“Vamos denunciar a destruição da família europeia, sob os escombros de Bruxelas!” A música aumenta: Tam-tam-tam! Tam-tam-tam!

A plateia se levanta para ouvir a frase que sai aos gritos:

“VAMOS PROSSEGUIR EM NOSSA LUTA DE CIVILIZAÇÕES POR UMA EUROPA CRISTÃ! VAMOS CONTINUAR A SER A ÚNICA VOZ POSSÍVEL DOS QUE PERDERAM A VOZ!”

O DJ se entusiasma: TAM-TAM-TAM! TAM-TAM-TAM.

A plateia, já de pé, irrompe em aplausos.

O discurso acima foi proferido no dia 29 de janeiro, em Santarém, no encerramento da Quinta Convenção Nacional do Chega, o partido político liderado por Ventura. O evento tinha dois objetivos. O primeiro era escolher o novo presidente. Não houve surpresa: Ventura, que lidera a legenda com mão de ferro e não permite que surja nenhum rival à altura, ganhou com placar norte-coreano: 98% dos votos. O segundo era marcar a nova fase do Chega, que, pela primeira vez, disputará as eleições no Parlamento Europeu como integrante de uma federação de partidos de ultradireita.

No palco, desfilaram estrelas do radicalismo direitista. Estavam lá o presidente do Reagrupamento Nacional, o partido francês de Marine Le Pen, o líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), famoso por aglutinar lideranças neonazistas, e ainda representantes do holandês Partido da Liberdade e do belga Interesse Flamengo, duas siglas que enfrentaram problemas em seus respectivos países por turbinar demais seu discurso de ódio.

“O marxismo globalista quer destruir nosso conceito de família. Se hoje reconhecer que existem apenas dois sexos, homem e mulher, é considerado algo extremo, que me chamem de extremista”, vociferou Tom van Grieken, do Interesse Flamengo, ou Vlaams Belang. Ele se queixou do formulário que teve de preencher para inscrever o filho na escola, que trazia apenas dois campos: “Mãe” e “Outro responsável”. O partido de Grieken chegou a ser condenado por racismo na Bélgica. Voltou com o novo nome de Vlaams Belang e, apesar do discurso radical, considera-se que vestiu uma roupagem mais moderada.

“Fico feliz de estar aqui em Santarém, lugar onde o rei Afonso derrotou os invasores islâmicos vindos de Marrocos”, saudou o holandês Geert Wilders, líder do Partido da Liberdade e superstar da ultradireita. “E eu lhes digo: a Europa precisa hoje de outro rei tão corajoso quanto ele. Os relativistas culturais permitiram a entrada de milhares de imigrantes que desestabilizaram a Europa, muitos deles do islã – os que celebram a morte, enquanto celebramos a vida.” A plateia aplaude a xenofobia, sem música ao fundo. A regalia sonora é reservada apenas a Ventura, anfitrião da festa.

Dentro do Parlamento Europeu, o braço legislativo da União Europeia, há sete federações de partidos de diferentes países que se reúnem por afinidade ideológica. As duas maiores são o Partido Popular Europeu, que congrega as siglas de centro-direita, e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, que aglutina os partidos de centro-esquerda. A ultradireita tornou-se a terceira força e, hoje, está dividida em duas federações. Uma é o ECR, sigla em inglês para Conservadores e Reformistas Europeus, grupo que é presidido por Giorgia Meloni, atual primeira-mi­nistra da Itália eleita pelo Irmãos da Itália (FdI, na sigla em italiano), partido cuja origem remonta ao fascismo de Benito Mussolini. A outra é ainda mais radical. Chama-se Identidade e Democracia (ID) e reúne, entre outros, os partidos xenófobos anti-islâmicos da França, Holanda, Bélgica e Alemanha, os mesmos que estavam no convescote de Santarém. É a essa federação mais radical que o Chega decidiu juntar-se e pela qual concorrerá na próxima eleição do Parlamento Europeu.

Os dois grupos defendem bandeiras semelhantes – nacionalismo, restrições à imigração e defesa da família tradicional. O que varia é a intensidade com que cada grupo se aproxima da xenofobia e da homofobia. Ambos também ressuscitaram os fantasmas do “comunismo” e do “socialismo”, um conceito tão elástico, mas tão elástico, que serve para falar tanto da ditadura da Nicarágua como dos governos social-democratas da Alemanha, da Espanha e de Portugal.

Os cientistas políticos consideram que os partidos do ECR são, em geral, menos radicais que os integrantes do ID – entre outras coisas porque dois deles conquistaram o poder, na Itália e na Polônia, e tiveram que moderar o discurso. “Partidos como o Irmãos da Itália não têm uma agenda anti-islâmica tão radical quanto as siglas do ID da Holanda, Bélgica e Alemanha”, disse à piauí o cientista político italiano Riccardo Marchi. Além disso, os partidos do ECR ficaram mais incomodados com a agressão da Rússia de Vladimir Putin contra a Ucrânia do que as legendas do ID. “Considero que o Chega escolheu a federação errada, pois suas posições são mais moderadas que as da maior parte de seus congêneres no ID”, diz Marchi, autor de um livro de referência sobre o Chega, A Nova Direita Anti-Sistema.

Nem tudo se resume às federações, no entanto. Há partidos com uma agenda extremista – com pregação explícita de corroer a democracia por dentro – que não estão nem no ECR, nem no ID. É o caso do húngaro Viktor Orbán. Seu partido, o União Cívica Húngara (Fidesz, em húngaro), chegou a pertencer ao Partido Popular Europeu, a liga das legendas de centro-direita, mas, confrontado em razão de seus impulsos autoritários – que, na prática, já destruíram a democracia na Hungria –, decidiu abandonar a federação antes que fosse expulso. Orbán é um dos principais inspiradores do ex-presidente Jair Bolsonaro, que, em visita à Hungria no ano passado, chamou o colega húngaro de “meu irmão”. E não é casual que Bolsonaro esteja começando a se mexer para ocupar uma cadeira no clube da ultradireita. 

André Claro Amaral Ventura, o líder, fundador e dono do Chega, fez 40 anos no dia 15 de janeiro. Ele é filho de um ex-combatente da Guerra Colonial Portuguesa e de uma funcionária pública que largou o emprego para cuidar dos filhos. Foi criado num bairro da periferia de Lisboa, em meio a imigrantes, e chegou à política pelo atalho da religião. Aos 17 anos, entrou no Seminário de Nossa Senhora da Graça de Penafirme. Segundo disse numa entrevista recente, tinha na época uma visão clara, ainda que rudimentar, da “esquerda” e da “direita”. A esquerda se preocuparia com o coletivo, e a direita, com a qual se identificava, era centrada no indivíduo e no respeito à religião. Na adolescência, conciliou a estada no seminário com a militância no Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita. Na época, a sigla mais à direita era o Centro Democrático Social (CDS), que Ventura considerava elitista. Queria fazer surgir uma “direita popular”.

Ventura graduou-se em direito e tornou-se comentarista de futebol na televisão. Depois que ficou conhecido, começou a falar sobre segurança pública em programas noticiosos. Defendia uma aplicação mais rigorosa da lei e a prisão perpétua. Por razões religiosas, era contra a pena de morte. Em 2017, teve a primeira oportunidade no PSD, concorrendo à Câmara no município de Loures – elegeu-se vereador. Na ocasião, numa entrevista ao site Notícias ao Minuto, fez declarações contra a comunidade cigana residente na região, culpando-a por uma onda de crimes. Era um tema recorrente nas conversas de bar, mas nenhum político até então tocara no assunto em público. Seus assessores notaram que a declaração reverberou nas redes sociais e Ventura passou a insistir no tema. Alguns de seus mantras – como a palavra “subsídio-dependência”, para acusar os ciganos de receber dinheiro do Estado em excesso – foram criados na ocasião. Ventura foi crescendo e, sem espaço no PSD, decidiu fundar seu próprio partido. Assim, com um pé na religião e outro na xenofobia, nasceu o Chega em 2019.

Na convenção de Santarém, o ódio aos imigrantes foi uma atração à parte. Os dois direitistas ultraxenófobos, o holandês Geert Wilders e o belga Tom van Grieken, foram os mais aplaudidos por um público formado, na sua maioria, por portugueses de classe média. Só que a xenofobia tornou-se uma questão ambígua para as ambições internacionais do Chega. Aderir ao ID é parte de um plano de projeção além-fronteiras do partido, que passou a integrar uma espécie de Internacional Ultradireitista. (Quem inventou a articulação global de partidos políticos foi a esquerda, que começou essa tradição ao criar a Internacional Socialista em 1889, em Paris.)

A ambição do Chega é tornar-se uma referência da ultradireita na América Latina – mas esse mercado está em disputa com o Vox, da Espanha, a legenda de direita radical comandada pelo deputado Santiago Abascal. O Vox faz parte do ECR e não do ID. “Os dois partidos são amigos, mas trabalham melhor se estiverem cada um de um lado”, disse à piauí Ricardo Regalla, um dos representantes do Chega no evento de Santarém. “Queremos combater o socialismo onde ele estiver, e quem tiver o mesmo objetivo será nosso aliado”, completou Rocío Monasterio, estrela em ascensão no Vox e presidente da seção madrilenha do partido. (Monasterio vem de uma família espanhola que fez fortuna na Cuba de Fulgencio Batista e decidiu voltar para o país de origem depois da revolução de Fidel Castro. Regalla é um amante da tauromaquia, prática sob ataque por causa da crueldade com os animais. Ele usa bigodes à chomberga, daqueles enrolados nas pontas, no estilo inventado pelo militar alemão que ajudou a livrar Portugal do domínio espanhol no século XVIII.)

Vox e Chega têm várias coisas em comum, além do reacionarismo. São da Península Ibérica. São liderados por figuras carismáticas – Ventura no Chega, Abascal no Vox. Tiveram êxitos eleitorais recentes e se tornaram a terceira força política em seus países. Por fim, ambos querem se tornar parceiros incontornáveis em um eventual governo de centro-direita, rompendo o cordão sanitário que os isola da direita moderada, que tem receio de aliar-se aos ultradireitistas por causa da alta rejeição no eleitorado.

A disputa pela América Latina, por enquanto, é um ponto de tensão. Em janeiro de 2020, os portugueses ficaram irritados com os espanhóis, que exibiram nas redes sociais um mapa-múndi em que a Península Ibérica era integralmente tingida com as cores da Espanha, assim como toda a América Latina, incluindo o Brasil. O desenho evoca memórias amargas para os portugueses que, em razão de um casamento real, estiveram sob o domínio espanhol entre 1580 e 1640.

A ilustração deflagrou uma polêmica nas redes sociais. O Chega exigiu uma retratação do Vox – que nunca veio. Mais tarde, os partidos fizeram as pazes. Ventura chegou a discursar na edição de 2022 do festival ao ar livre chamado Viva, que o Vox promove todos os anos com seus colegas da ultradireita internacional. Poucos dias depois, o desenho reapareceu nas redes durante o Dia da Hispanidade, celebrado em 12 de outubro, data em que Cristóvão Colombo chegou às Américas, em 1492. Nova polêmica e nenhum pedido de desculpas. Mas os líderes dos dois partidos juram que já voltaram a fazer as pazes.

Apesar de xenófobo, o Vox defende que imigrantes da América Latina estão à frente de muçulmanos na hierarquia dos que deveriam ser “aceitos” na Espanha. O Chega pensa de modo parecido em relação aos brasileiros. “Somos contra a imigração ilegal, mas claramente os brasileiros teriam que ter um status especial, pois nossos países são irmãos e compartilham a mesma cultura”, diz Ricardo Regalla. Ainda assim, quando o YouTube transmitiu os discursos mais xenófobos no encontro de Santarém, logo começaram a pipocar comentários pedindo a expulsão de imigrantes – e o brado “Fora zucas”. A palavra é uma redução de brazucas, como os brasileiros são identificados em Portugal. “Zucas” pode soar pejorativo ou carinhoso, a depender do contexto – mais ou menos como “tugas”, epíteto que os brasileiros residentes em Portugal aplicam aos portugueses.

A relação do Chega com a massa de brasileiros em Portugal é calculadamente eleitoreira. A porção mais xenófoba do partido rejeita imigrantes das ex-colônias – Brasil e os países africanos de língua portuguesa. Mas o Chega não ignora que os brasileiros podem ser um ativo eleitoral. Entre os legalizados – cerca de 330 mil, mais uns 200 mil em situação ilegal –, um brasileiro pode tornar-se eleitor em dois anos. Isso interessa ao Chega em razão da quantidade de bolsonaristas que, paradoxalmente, deixaram o Brasil durante a gestão de Jair Bolsonaro e optaram por viver num país governado pelo Partido Socialista.

Para alegrar bolsonaristas e antipetistas em Portugal, Ventura convocou brasileiros e portugueses para se manifestar, de forma barulhenta, contra a visita de Lula a Portugal, prevista para o final de abril. A tentativa de golpe de 8 de janeiro, com invasão dos palácios dos três poderes em Brasília, gerou alguma desconfiança no Chega, mas não foi além disso. “Queremos crer que se tratou de um movimento espontâneo, não orquestrado pelo partido de Jair Bolsonaro”, disse Regalla. “Vamos esperar o desfecho das apurações na Justiça.” Sabe-se que o partido não orquestrou nada, mas é notável que se fale em “movimento espontâneo” depois que Bolsonaro fez 1 bilhão, 234 milhões, 567 mil e 890 discursos contra as instituições democráticas.

“Ideologicamente, o partido do Ventura tem três vertentes”, analisa Gabriel Guimarães, sociólogo brasileiro que pesquisa movimentos de direita no Instituto Universitário de Lisboa. “Uma delas quer transplantar o ultranacionalismo francês para Portugal. Outra pode ser chamada de lusotropicalista e exalta as glórias do Portugal colonizador. Uma terceira, religiosa, tem muita identidade com os evangélicos”, diz. “As duas últimas estão abertas à participação dos brasileiros.” 

Praça de Touros de Múrcia é uma das mais tradicionais da Espanha. Inaugurada em 1887, tem capacidade para 15 mil pessoas e ficou cheia na manhã fria e chuvosa do dia 12 de fevereiro. Era um evento do Vox, mas a primeira voz que se ouviu a partir de um telão foi a do primeiro-ministro socialista Pedro Sánchez – e a plateia irrompeu em vaias. Era o “esquenta” para o desfile de apresentação dos candidatos do Vox nas eleições provinciais de maio – e, depois, para a fala de Santiago Abascal.

O líder da ultradireita espanhola subiu ao palco ao som de uma música que costuma acompanhar todos os eventos do Vox, inspirada na trilha sonora do filme O Senhor dos Anéis. Os memes criados para as primeiras eleições disputadas pelo partido, em 2015, mostravam o herói Aragorn combatendo fantasminhas com as cores do movimento LGBTQIAP+, bandeiras com a foice e o martelo e logotipos dos principais jornais espanhóis. A Warner Bros, produtora do filme, protestou contra o uso político de sua obra, o Vox parou de usar Aragorn – mas a inspiração musical permaneceu.

O discurso de meia hora de Abascal foi um pot-pourri de causas da ultradireita europeia. Começou com um ataque à imprensa: “Não se pode abrir um jornal nem ligar a tevê e o rádio. O Vox é insultado da direita à esquerda. Mal sabem que, quando nos atacam, pregam medalhas em nosso peito.” Atacou a lei da memória histórica, que proíbe a exaltação da ditadura franquista na Espanha: “São leis totalitárias que querem nos dizer o que pensar de nossos avós, se eram de um bando eram bons, se eram de outro bando eram maus.” Atacou a imigração ilegal: “Em Múrcia, se distinguem muito bem os que chegam para destruir a segurança, os que chegam batendo em nossos policiais, desrespeitando nossas leis e oprimindo as mulheres.”

Depois, passou aos temas culturais. No ambiente de uma praça de touros, exaltou o esporte: “Estão criminalizando nossos modos de vida em todas as ordens, incluindo os que vêm a esta praça assistir a um espetáculo taurino.” Na semana em que a Suprema Corte derrubou um recurso contra o aborto – permitido até a 14a semana –, Abascal criticou o apoio do Partido Popular (PP), sigla de centro-direita, à decisão judicial: “Eles disseram que a resolução está correta. Sendo assim, só restou o Vox para defender os mais fracos e indefesos.”

Finalizou seu discurso quase aos gritos. “Nós vamos construir o consenso dos espanhóis trabalhadores, dos espanhóis honrados, contra o consenso dos que soltam golpistas, dos que indultam corruptos, dos que soltam violadores e pederastas.” E acrescentou: “Queremos o consenso dos que estão nesta praça, dos que se recusam a ser cada vez mais invisíveis.” Ao som da música estilo O Senhor dos Anéis, Abascal deixou o palco sob aplausos, entre um mar de bandeiras vermelhas e amarelas da Espanha e outro de bandeiras com o logotipo do Vox sobre fundo verde-claro, a cor do partido.

A palavra-chave do discurso de Abascal é “consenso”, e reflete um modo de pensar e agir de toda a ultradireita atual. O Vox – assim como o Chega e os demais parceiros da Internacional Ultradireitista – se apresenta como um Aragorn solitário a combater um imaginário consenso “socialista”, “globalista” e “de Bruxelas”, cidade que abriga a sede da União Europeia. Contra esse “consenso”, o Vox criou a Fundação Disenso. A página da entidade na internet informa que ela “defende o direito de dissentir perante a opinião dominante e a correção política”. A sede fica num conjunto de salas perto do Museu do Prado, numa região rica e central de Madri. Nas duas vezes em que esteve lá, a piauí foi informada que os diretores não tinham agenda para dar entrevistas à imprensa.

A Fundação Disenso é a cabeça de ponte do projeto de internacionalização do Vox. Hoje, sua principal bandeira é combater duas entidades da esquerda latino-americana: o Foro de São Paulo, que reúne partidos e organizações de esquerda desde 1990, e o Grupo de Puebla, fundado em 2019 com o objetivo de articular debates e políticas de esquerda. As duas entidades são grandes espantalhos da ultradireita, a ponto de terem mais importância para a direita extremista do que para a própria esquerda. O ex-astrólogo Olavo de Carvalho, guru ideológico do bolsonarismo falecido no ano passado, dizia que o Foro de São Paulo era um “negócio monstruoso”. Para o ex-chanceler Ernesto Araújo, era um “torpe motor de opressão”.

No site da Fundação Disenso há um documentário em vídeo sobre o Foro de São Paulo, reunindo várias vozes da ultradireita da América Latina. O representante brasileiro é Eduardo Bolsonaro, que tem feito o papel de embaixador do extremismo. Num portunhol esforçado, ele fala do “marxismo cultural”, teoria conspiratória clássica da grei dos Aragorns. “Quando há uma revolução cultural, a esquerda chega ao poder automaticamente. E as pessoas passam a viver num sistema comunista, ou socialista, sem se dar conta disso. O que passaram a fazer esses seguidores de Gramsci? A colocar nas universidades professores que estavam ensinando o marxismo, o comunismo, de maneira suave. Para que dali saíssem juízes, sindicalistas, políticos.” Em outro ponto do filme, Abascal endossa: “O que entidades como o Foro de São Paulo querem é destruir as democracias da região para instaurar regimes autoritários de natureza comunista.”

A amizade entre Eduardo Bolsonaro e Santiago Abascal começou em 2020, durante um encontro da cpac, a conferência norte-americana que costumava reunir a nata do conservadorismo republicano, mas hoje está tomada pelas alas mais reacionárias da direita. Abascal chegou ao encontro a bordo de uma ascensão fulgurante na política da Espanha. No ano anterior, o Vox elegera 52 deputados federais e se tornara a terceira força no Parlamento da Espanha. Como conta o jornalista espanhol Miguel González no livro Vox S.A.: El Negocio del Patriotismo Español, Abascal esperava ao menos ser convidado para falar no evento, mas ninguém se lembrou do seu nome. Ouviu de interlocutores – entre eles, o senador republicano Ted Cruz, de quem pegou Covid na ocasião – que a Espanha importava pouco num país em que o então presidente Donald Trump bradava o slogan America First, os Estados Unidos em primeiro lugar.

A América Latina, no entanto, tinha certo peso nos Estados Unidos. Abascal entendeu que o Vox ganharia prestígio caso se aproximasse do subcontinente. Assim, entre outras iniciativas, ele passou a cultivar a amizade de Eduardo Bolsonaro. “A sintonia entre os dois foi imediata”, escreveu González em seu livro. “O Brasil não faz parte da América que fala espanhol, mas é importante demais para o continente. Por isso, não poderia ficar de fora da aliança idealizada por Abascal”, disse González à piauí. Neste contexto, surgiu o conceito de “iberosfera” da direita radical, conectando extremistas europeus com seus homólogos latino-americanos. O conceito, como observa González, é copiado de “anglosfera”, que inclui uma parte dos países de língua inglesa com uma certa homogeneidade étnica, cultural e política.

Naquele mesmo ano de 2020, o Vox decidiu criar o Foro de Madri, uma conferência para se opor ao Foro de São Paulo, e também um gesto que o aproximava da América Latina. Na primeira reunião, redigiu-se a Carta de Madri, da qual Eduardo Bolsonaro é um dos signatários. O documento define a iberosfera como “uma comuni­dade de nações livres e soberanas englobando 700 milhões de pessoas”, aponta que “parte da região está sequestrada por regimes totalitários de inspiração comunista” e denuncia os riscos do Foro de São Paulo e do Grupo de Puebla, “que se infiltram nos centros de poder para impor sua agenda ideológica”. Em dezembro do ano seguinte, Eduardo Bolsonaro convidou Abascal para participar do Congresso Brasil Profundo, organizado por ele em Várzea Grande, em Mato Grosso. A seu convite, Abascal visitou Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Os dois posaram para uma foto em que Abascal veste um blazer azul e Bolsonaro, uma camisa da seleção espanhola de futebol.

A caminhada em direção à iberosfera é a empreitada mais recente de um partido que, como mostra o livro de Miguel González, vai expandindo sua agenda aos poucos, a exemplo de uma empresa que identifica novas oportunidades de mercado. A causa original do Vox, plasmada na biografia de seu fundador, era a unidade espanhola num embate contra os movimentos separatistas do país. Abascal nasceu há 47 anos em Bilbao, no País Basco, em uma família de comerciantes com alguma atuação na política, sempre à direita do espectro ideológico. Seu avô foi prefeito da cidade de Amurrio na ditadura franquista. Seu pai chegou a deputado pelo PP, de centro-direita. A família sofria ameaças constantes do ETA, grupo separatista do País Basco. A organização terrorista chegou a destruir a loja da família. Por isso, Abascal tirou porte de arma ainda muito jovem. Até hoje vai a alguns compromissos com uma pistola Smith & Wesson no cinto – não por causa do eta, que se autodissolveu em 2018, mas agora por medo do “islamismo radical”, segundo diz.

trajetória de Santiago Abascal tem alguns pontos semelhantes à de André Ventura. Ele também começou a carreira política muito cedo na direita moderada, como presidente das Nuevas Generaciones del País Vasco, do PP. Na adolescência, converteu-se ao catolicismo. Saiu do PP incomodado com sua moderação e tornou-se um dos fundadores do Vox, em 2013. Nos primeiros anos, o partido não tinha mais que um punhado de votos, pois quase ninguém achava que o separatismo ainda era uma ameaça. O discurso parecia fantasioso, mas ganhou concretude em 2017, quando o Parlamento da Catalunha decretou a independência da região. O movimento foi um fracasso, nenhum país reconheceu a independência e seus líderes foram parar nas barras dos tribunais. Mas deu ao Vox o inimigo que faltava. Na defesa da unidade da Espanha, o então partido nanico ganhou holofotes, e nunca mais parou de crescer.

Antes da malograda independência catalã, o Vox já flertava com a defesa dos valores familiares tradicionais. Sob o comando do catalão Alejo Vidal-Quadras, o partido posicionou-se contra a interrupção voluntária da gravidez, contra o casamento homossexual – em vez disso, a sigla defendia “uma regulação específica para uniões de pessoas do mesmo sexo” – e contra a “doutrinação” nas escolas. Ao assumir a presidência do partido em 2014, Abascal participou de uma passeata contra o aborto em Madri. Com o tempo, o partido se aproximou do HazteOir, grupo ultracatólico de extrema direita, apoiado por algumas das maiores fortunas da Espanha, que se tornou um dos principais financiadores do Vox. Segundo Miguel González, a organização arrecadou cerca de 17 milhões de euros nos últimos sete anos.

As questões comportamentais e a expansão para a América Latina foram se tornando muito relevantes para o Vox. O veículo oficial da Fundação Disenso se chama La Gaceta de la Iberosfera, um jornal digital. A principal porta-voz da agenda de costumes é Rocío Monasterio que, durante a campanha eleitoral de 2019, disse que os professores das escolas públicas da capital espanhola davam palestras sobre bestialismo e conclamavam crianças de 8 anos a provar novas práticas sexuais. Na verdade, ela distorcia um manual de educação sexual destinado aos professores, não aos alunos – num episódio em tudo semelhante ao “kit gay” inventado por Jair Bolsonaro. Em sua fala no encontro de Santarém, Monasterio deu ênfase à “proteção da família”: “Faremos oposição a que nossos filhos sejam manipulados, doutrinados e levados a essas agendas que não compartilhamos.”

De acordo com o cientista político David Lerín Ibarra, da Universidade Complutense de Madrid, o conceito de iberosfera está enraizado numa forma peculiar de nacionalismo. “Existe o nacionalismo racial, como o professado pelos nazistas na Alemanha, e o nacionalismo étnico, recorrente na ultradireita moderna, que reconhece como cidadãos os que compartilham elementos da mesma cultura”, disse Ibarra à piauí. “O nacionalismo do Vox vai além. Ele é calcado num revisionismo histórico, numa glorificação do passado colonial espanhol, opondo-se à crítica ao colonialismo, que chamam de leyenda negra.” Em um artigo, Ibarra lembra que Abascal, em um dos eventos do Vox, atacou o presidente Joe Biden justamente por um discurso em que o democrata falou dos males do colonialismo.

Nas intervenções do Vox no Parlamento são comuns as referências a figuras históricas espanholas. Em 8 de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher, uma deputada do partido evocou o exemplo da rainha Isabel, a Católica – que se notabilizou por apoiar a expedição de Colombo às Américas e por participar das guerras que expulsaram judeus e muçulmanos da Península Ibérica, no século XVI. “Na academia, isso se chama ‘ultranacionalismo palingenésico’, que é o recurso às glórias do passado para, de certa forma, refundar a nação”, explica Ibarra. Na última edição do festival político Viva, em outubro de 2022, o partido levou ao palco atores que interpretavam conquistadores do passado e cavaleiros medievais. Em falas alternadas, à maneira de jogral, Rocío Monasterio e Santiago Abascal exaltaram as glórias históricas da Espanha. Parecia uma apresentação de final de ano de escola, mas com ares de superprodução.

Monasterio é casada com o empresário e deputado Iván Espinosa de los Monteros. Uma reportagem da jornalista Leyre Iglesias, publicada no livro La Sorpresa Vox, retrata o partido como uma espécie de família. O núcleo duro se compõe de Abascal, Espinosa de los Monteros, a própria Monasterio e o advogado e militar Javier Ortega Smith, secretário-geral do partido. Ortega Smith foi uma das vozes mais eloquentes contra os separatistas catalães. Seu currículo inclui a atuação na Compañia de Operaciones Especiales, uma tropa de elite do exército da Espanha. Como Ventura, Abascal mantém total controle sobre seu grupo político. Como Bolsonaro, também só confia nos muito próximos. Ele está no segundo casamento, desta vez com a influenciadora digital Lidia Bedman. O melhor jeito de acompanhar sua intimidade – cuidadosamente editada – é seguir o Instagram dela.

Um vídeo disponível no YouTube mostra Santiago Abascal subindo uma rampa ao lado de uma mulher loira, ao som daquela música no estilo O Senhor dos Anéis. Faz Sol, eles sorriem um para o outro e conversam animadamente enquanto a câmera os acompanha. Ao final da rampa, Abascal sai do quadro e a mulher loira segue até a entrada de um palco. A câmera então se abre para uma multidão agitando bandeiras vermelhas e amarelas. A mulher loira, calçando botas que lembram coturnos, começa seu discurso: “Agradeço o convite para essa manifestação cheia de patriotas. Hoje, aqui, eu me sinto em casa.” A plateia aplaude. Ela fala um excelente espanhol, com um leve sotaque italiano. A loira chamase Giorgia Meloni, uma estrela em ascensão da ultradireita europeia.

A cena é de 2021. O festival serviu como um cartão de visita para as pretensões internacionais de Santiago Abascal, transformando Madri num ponto de encontro mundial da ultradireita. A participação de líderes de outros países é crescente. No ano seguinte, no Viva 22, o primeiro-ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, deslocou-se até a Espanha para participar do evento, assim como o argentino Javier Milei. Meloni, recém-eleita primeira-ministra da Itália, enviou um vídeo. Também participaram remotamente o chileno José Antonio Kast e o colombiano Álvaro Uribe, além do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán e do ex-presidente Donald Trump.

Diante do crescimento de radicais e extremistas, e do intercâmbio cada vez maior entre eles, duas perguntas ficam no ar. Qual o relacionamento dessas correntes com as heranças autoritárias de seus países, notadamente os fascismos europeus? E qual o risco que elas representam para as democracias?

De maneira geral, os partidos de ultradireita da Europa abraçam seus adeptos que nutrem simpatias nazistas ou fascistas. Além disso, aproximam-se de movimentos que abrigam saudosistas de totalitarismos do passado, pois perceberam que, entre eles, há um celeiro de novos eleitores. “Quando se fala em sociedade civil em geral pensamos em ONGs ou em movimentos de esquerda, mas a realidade é que cada vez mais a ultradireita se organiza para além das redes sociais e ganha as ruas”, disse o cientista político austríaco Manès Weisskircher em sua palestra proferida no Instituto Universitário de Lisboa.

O objeto de estudo de Weisskircher é o Pegida, sigla em alemão para Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente. Seu líder, o publicitário Lutz Bachmann, já apareceu na internet fantasiado de Hitler e exalta os métodos da Ku Klux Klan, a organização que pratica terrorismo racista nos Estados Unidos. Os militantes do Pegida, que já colocaram 25 mil pessoas numa manifestação nas ruas de Dresden, não dão entrevistas e chamam a mídia de Lügenpresse, imprensa mentirosa, o mesmo termo usado pelos nazistas nos anos 1930. Os integrantes do Pegida são cortejados pelo partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha, que classifica as propostas xenófobas do grupo de “pertinentes”. Dresden é a capital da Saxônia, onde o AfD colhe seus melhores resultados.

Na Espanha, a Fundação Nacional Francisco Franco, criada pelos descendentes do ditador que governou o país entre 1938 e 1973, mantém estreita colaboração com o Vox. “Há várias semelhanças entre o programa do Vox e o franquismo. A defesa do país unificado, o fim das autonomias regionais, a família como centro de tudo, o culto à Espanha imperial e o anticomunismo – não na acepção original, mas daquilo que consideram uma ditadura progressista”, diz o ensaísta Mariano Sánchez Soler, autor do livro La Larga Marcha Ultra: Desde la Muerte de Franco a Vox (1975-2022).

Para além da identidade programática, Sánchez Soler lista em seu livro vários casos de militantes do Vox que elogiaram o franquismo em público ou militaram nos diversos partidos nanicos que herdaram o legado da Falange, o braço do fascismo espanhol nos anos 1930. Entre eles, estão figuras próximas de Abascal, como o advogado Ortega Smith e Jorge Buxadé, um dos ideólogos do partido. O próprio Abascal, em discurso no Congresso espanhol, já disse que o governo do socialista Pedro Sánchez é o pior dos últimos cem anos na Espanha, deixando claro que a ditadura franquista era melhor.

Afora as conexões com fascismos do passado, existe a questão do risco democrático. Em editorial publicado em setembro de 2022, logo depois das eleições italianas, a revista The Economist publicou um artigo cujo título era uma pergunta: O Quanto a Europa Deve Temer Giorgia Meloni? No texto, o semanário britânico classifica a primeira-ministra como a governante mais à direita da Itália desde o pós-guerra, destaca sua admiração por Viktor Orbán e relembra as raízes fascistas de seu partido. No entanto, diz que é pequeno o risco de uma escalada autoritária semelhante à da Hungria, e que as instituições italianas e da União Europeia serão capazes de contê-la. O semanário considera Meloni mais moderada que Matteo Salvini, líder da Liga, o outro partido da ultradireita italiana. Os dois, no entanto, se dão bem. No início de março, no dia em que a Itália enterrava setenta imigrantes mortos num naufrágio na região da Calábria, os dois líderes ultradireitistas cantavam num karaokê, comemorando o aniversário de 50 anos de Salvini. A imagem viralizou nas redes sociais.

Segundo essa análise, Meloni, que tomou posse há pouco mais de seis meses, centrará seu foco na questão da imigração, mas terá pouca disposição para comprar brigas culturais ou romper com a União Europeia. “Os eleitores de Meloni são em geral pequenos comerciantes e profissionais de classe média que não simpatizam com atitudes voluntaristas, e ela sabe disso”, observou o cientista político Giovanni Orsina, também em palestra no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Até agora a primeira-ministra tem mantido um perfil moderado. Na intentona golpista do 8 de janeiro em Brasília, Meloni posicionou-se contra os bolsonaristas golpistas e defendeu as instituições democráticas.

Há hoje toda uma literatura sobre o risco de um governo de ultradireita desembocar em uma escalada autoritária. Os principais estudiosos do assunto – entre eles, o holandês Cas Mudde – dividem a ultradireita em dois campos, os “radicais” e os “extremistas”. Os radicais se diferenciam da direita moderada pelo foco em temas como imigração, defesa da família tradicional, combate ao “socialismo”. Só recentemente tais temas se tornaram proeminentes no debate público, superando as questões econômicas que eram o foco tradicional da direita moderada, como menor presença do Estado na economia, menos impostos, busca da prosperidade individual.

Os extremistas, por seu turno, são aqueles que disputam eleições com o intuito de corroer a democracia por dentro. O mais bem-sucedido nesta categoria é Viktor Orbán, que vem se eternizando no poder na Hungria depois de mudar as regras eleitorais, subjugar a imprensa e plantar juízes amigos no Tribunal Constitucional de seu país. No livro O Povo contra a Democracia, o cientista político Yascha Mounk observa que os ataques desse tipo de autocrata ao regime democrático se intensificam num segundo mandato, quando reeleitos. Fazem parte desse clube dos extremistas o polonês Andrzej Duda e o indiano Narendra Modi, ambos reconduzidos a seus cargos, de onde dobraram a aposta na corrosão democrática. Nos critérios de Cas Mudde, o bolsonarismo também merece a carteirinha do clube extremista. Como ficou claro no 8 de janeiro, os bolsonaristas-raiz preferem uma ditadura a um governo eleito democraticamente, se este governo for de esquerda.

A identidade extremista explica os movimentos recentes de Jair Bolsonaro para entrar no clube. Em meados de março, Eduardo sugeriu ao pai que fizesse contatos com líderes da ultradireita internacional. “Essa troca de experiências é muito boa, enriquece a bagagem. Você vê, inclusive, a estratégia dos nossos opositores da esquerda para cada país”, disse ele, em entrevista à colunista Bela Megale, do jornal O Globo. Entre os partidos citados por Eduardo, estão o Vox de Abascal e o Chega de Ventura. Aparentemente, Bolsonaro achou que era boa ideia. O jornal português O Correio da Manhã noticiou que o ex-presidente contatou o Chega para uma visita no fim de abril. A ideia é que o périplo de Bolsonaro inclua, também, uma passagem pela Espanha e pela Itália.

O Chega respondeu ao pleito de Bolsonaro com uma sugestão ao gosto do espírito internacionalista das novas direitas: realizar uma cúpula na segunda quinzena de maio, em Lisboa, reunindo todo o orquidário radical. Numa entrevista coletiva na sede do partido no dia 23 de março, Ventura já confirmou que a proposta vai mesmo sair do papel: “Queremos reunir todos os que se dedicam a combater o socialismo na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil”. Bolsonaro e Trump já estão formalmente convidados. O plano é incluir também o holandês Geert Wilders – aquele que está em busca de um sucessor para o rei Afonso –, o próprio espanhol Santiago Abascal e a francesa Marine Le Pen. Se a iniciativa prosperar, Bolsonaro estará entre irmãos. E, para o Chega, será um passo importante no projeto de funcionar como ponte entre as duas ultradireitas, a europeia e a latino-americana, além de ganhar espaço no eleitorado brasileiro que vive em Portugal. “O Chega tem centenas de militantes e alguns dirigentes brasileiros”, disse Ventura. “Recebemos muito bem os brasileiros no partido. Muitos deles são cidadãos que vieram a Portugal para fugir do socialismo”.

Internacional de Ultradireita que vem se formando no mundo, tendo como principais polos as duas federações europeias e a CPAC norte-americana, está ajudando a uniformizar o discurso reacionário, com as devidas adaptações regionais. Imigração, por exemplo, é um tema central na Europa, mas desprezível na América Latina, onde a agenda cultural é mais forte – não por acaso o termo “ideologia de gênero” surgiu no subcontinente, na Conferência Episcopal Peruana, em 1998. Nos Estados Unidos, a liberação do porte de arma é um tema central, coisa que não ocorre na Europa. Tanto que, na CPAC de março passado, Bolsonaro e o filho Eduardo estiveram presentes, discursaram e arrancaram aplausos ao afirmar, sem amparo de qualquer evidência, que a liberação de armas no Brasil contribuiu para reduzir a criminalidade.

Consolidando-se em vários países como a terceira força política e construindo sua “Internacional”, a ultradireita parece ter vindo para ficar. É paradoxal que partidos com discurso nacionalista se reúnam numa entidade global, mas é útil observá-los em ação, já que nem tudo que pretendem fazer está em suas plataformas programáticas. “Nos anos 1930, a solução final para a questão judaica não estava escrita em nenhum documento público do Partido Nazista”, diz Miguel González, o autor do livro sobre o Vox. A ultradireita perdeu a vergonha de bradar seu nome, mas ainda esconde, em grande medida, suas intenções por trás de seus TAM-TAM-TAM!

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