14 abril 2023

Minha opinião/crônica


Vivo ou morto, não tenho certeza

Luciano Siqueira



Jogar conversa fora na praia dá nisso. Aqui e acolá tropeço na memória, ou na falta dela.

Estamos falando de um passado nem tão distante e cito vivos que imaginava já terem morrido e vice versa.

Aurélio Buarque de Holanda, do dicionário e da Academia Brasileira de Letras, já morreu? Vou ao Google e verifico que faleceu em 1979, precisamente aos 79 anos de idade.

É que seu conterrâneo, meu amigo-irmão Eduardo Bonfim, me contou que certa vez o ilustre lexicólogo embarcou num táxi do Rio de Janeiro com destino à Academia portando o fardão, pois atrasado não quis arriscar vestir a indumentária quando lá chegasse.

Impressionado com o traje alegórico, o taxista perguntou: "Sois rei?"

Taça de vinho à mão, contando esse causo, tropecei ao dizer que nosso herói ainda vivia, lúcido e operante.

O contrário também se deu em várias oportunidades. Tanto tempo sem ver fulano ou sicrana, não sei por que carga d'água já tinham o nome escrito no meu imaginário obituário particular.

Como um professor da Faculdade de Medicina da UFPE que me pregou o maior susto num encontro casual no shopping Tacaruna. Quase deixo escapar a expressão de surpresa: "Oxente, você não tinha morrido!?"

Ontem à noite, aqui em Tabatinga, não
apenas Aurélio Buarque de Holanda esteve entre meus equívocos. Por isso, eu que não sinto a menor atração por estatísticas fúnebres, cogito abrir uma página do bloco de notas do meu smartphone exclusivamente para um obituário, na medida em que fatos recentes ou do passado me venham à memória. Ou me contem.


Pois colegas de colégio e de faculdade, contemporâneos da resistência à ditadura militar, eleitores e aliados ou adversários de batalhas eleitorais e de outras pelejas e até gente que conheci já neste século 21 podem estar vivos ou mortos, não tenho certeza — e não posso cometer gafes desastrosas ou tomar sustos constrangedores.

Tal como aconteceu com o inesquecível camarada Lúcio Monteiro, já falecido, pródigo em seu jeito distraído, num porta a porta eleitoral no bairro da Charneca, no Cabo de Santo Agostinho, que se permitiu inusitada polêmica com um eleitor:

— Dr. Lúcio, tudo bem?

— Tudo bem, obrigado. Como vai seu irmão?

— Tenho irmão não, doutor.

— Como não tem? Eu conheço ele!

Imaginou para além da conta e perdeu o voto.

Guerreira da poesia e da arte de viver e lutar https://bit.ly/3GwFhie

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