Regulação do futuro
Abraham B Sicsu
Trigésimo Encontro Nacional de Economia Política, em Campina Grande. Lançamento de um livro e três conferências, em uma mesa redonda. “Economia política de dados e soberania digital”. Sendo curioso pelo tema e pouco sabendo sobre o assunto, vou assistir.
A preocupação principal é entender as
profundas transformações socioeconômicas que a era digital vem trazendo e como
regular seus impactos e desafios futuros.
Lembrei de quando era membro de Comitês
de Ética da Pesquisa em instituições acadêmicas pernambucanos. Discutiam-se
muito quais os limites que poderiam ser fixados nos métodos utilizados na busca
do conhecimento e as medidas mitigadoras possíveis.
Limites que não deveriam impedir a
continuidade do processo de progresso técnico e o avançar da sociedade.
Sabia-se que riscos seriam corridos, mas procurava-se compreender até onde se
poderia ir e como regular os métodos utilizados nas pesquisas. Não era fácil.
Trabalhava-se com o que se
chama de Ética da Responsabilidade, entendida como uma
abordagem que ressaltava ser importante tentar antever e analisar os possíveis
impactos a largo prazo dos caminhos a serem adotados e o minorar das possíveis
conseqüências negativas para o futuro da sociedade.
No caso do avanço tecnológico, a regulação do ainda não conhecido, isso envolvia
considerar os potenciais riscos e benefícios, proteger a privacidade e a
segurança, garantir que o avanço do conhecimento procurasse respeitar limites
para não trazer conseqüências negativas para as pessoas e para as instituições.
Se isso é complexo para o
avanço em épocas relativamente estáveis, imagine em uma época de transformações
a velocidade jamais vistas, em uma época em que são quase impensáveis os
possíveis avanços que poderão ocorrer em curto prazo. É o caso do que hoje
ocorre com a economia digital.
Criar normas e políticas
que procurem organizar o ambiente digital não é tarefa fácil,
respeitar a privacidade dos indivíduos e das instituições, tratar de forma
segura, com regras transparentes, esse novo mundo, em que os dados são quase
ilimitados, em que os avanços cibernéticos são difíceis de acompanhar, traz um
problema complexo para a sociedade e sua evolução. A internet trouxe uma nova
lógica de relacionamento que não pode ser tratada da maneira usual com a qual
vínhamos convivendo no mundo analógico.
Responsabilidade com o futuro e com as novas gerações passam a
ser um lema importante. Se o objetivo for um mundo sustentável, cautela passa a
ser uma necessidade, caminho a ser trilhado.
Nas falas que escutei, entendi que nos dias atuais, a regulação
da economia digital é um dos principais focos para o avançar social. Muito há a
fazer.
Procura-se maior equilíbrio entre a busca de inovação e a
proteção institucional e social, principalmente num país como o Brasil com suas
disparidades.
O debate que está posto sobre regulação exige uma adaptação do
arcabouço legal e institucional que não previa um mundo como vem se
configurando, em que a inserção é muito desigual para as diferentes classes
sociais, para as diversas regiões.
Nessa direção, aspectos relevantes a serem analisados são o
equilíbrio entre busca de inovação e proteção dos consumidores; a regulação das
plataformas digitais, levando em consideração os interesses sociais; tentar diminuir as manipulações das grandes
empresas, principalmente as chamadas Big
Techs; propiciar acesso justo à infraestrutura tecnológica para as diferentes
organizações, para os diversos cidadãos; evitar práticas anticompetitivas por
parte das grandes empresas; garantir proteção de dados aos consumidores e
usuários; entre muitos outros.
Na legislação antitruste, fundamental ter uma regulação ex ante
para os mercados digitais, considerando as inúmeras experiências internacionais
e os malefícios que já podem ser observados. E, nessa direção, importante que
os diferentes agentes se façam presentes, principalmente, legisladores, acadêmicos, empresas e consumidores.
A
adaptação das empresas às novas tecnologias, o investimento em infraestrutura
digital e a atenção à cibersegurança são pontos críticos para um país que,
desejando se manter competitivo, precisa
enfrentar.
De
acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), cerca de 70%
das pequenas e médias empresas brasileiras não possuem estratégias claras de
digitalização. No Brasil, ainda há longo percurso a ser percorrido, tendo em
conta a base de pequenas e médias empresas de estrutura familiar que temos.
Para uma
real inserção no mundo digital, além de medidas de incentivo econômico, faz-se
necessário ter uma legislação que garanta às empresas de menor porte condições
de se digitalizarem com segurança jurídica. As palestras e os textos que li
mostram que é bastante desconhecido, por grande parte dessas empresas, a Lei
Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Lidar com as novas ferramentas passa por uma
mudança profunda na cultura empresarial e na competição entre empresas.
Garantir condições adequadas de acessibilidade e conectividade é ponto
relevante para uma competitividade mais equânime.
Nessa direção, um órgão regulador como o CADE -
Conselho Administrativo de Defesa Econômica passa a ter extrema relevância,
evitando que os oligopólios criem barreiras a entrada em novos mercados de
startups e empreendedores de menor porte. Além de práticas anti concorrenciais
que podem impedir, em muito, o avanço da inovação e da inserção em diferentes
mercados.
Com a inteligência artificial e a
automação crescentes, tendências de reestruturação de lógicas de produção e de
consumo, em diversos setores, se tornam o novo mercado a ser explorado.
Mercados que, dadas as suas especificidades, exigem uma regulação específica.
A
economia de plataforma, onde empresas criam mercados digitais que conectam
prestadores de serviços a consumidores exigem um acompanhamento legal também
específico. Deixar os consumidores submetidos às orientações desses grandes
intermediários, sem um controle efetivo do Estado, pode criar profundas
distorções em desfavor dos indivíduos que compõem a sociedade.
Por
fim, ressalte-se a importância da cibersegurança, tem que ser uma prioridade. O novo mundo permite o
uso inadequado, em escala nunca vista, dos dados e informações dos diferentes
atores, das diferentes instituições, das diferentes empresas, dos diferentes
indivíduos. Os golpes se multiplicam e a insegurança é crescente. É prioridade
uma regulação eficiente da economia digital que faça diminuir esse nível de
banditismo.
Todos temas para aprofundamento em que deve
surgir um novo Direito, uma nova estrutura de regulação. Pelos textos vistos,
iniciativas concretas e robustas têm sido dadas nessa direção no mundo, no
Brasil. A dúvida que fica é saber se poderão dar conta da miríade de assuntos
complexos e relevantes socialmente que a cada dia surgem.
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