16 julho 2025

Abraham Sicsu opina

Regulação do futuro
Abraham B Sicsu 

Trigésimo Encontro Nacional de Economia Política, em Campina Grande. Lançamento de um livro e três conferências, em uma mesa redonda. “Economia política de dados e soberania digital”. Sendo curioso pelo tema e pouco sabendo sobre o assunto, vou assistir.

A preocupação principal é entender as profundas transformações socioeconômicas que a era digital vem trazendo e como regular seus impactos e desafios futuros.

Lembrei de quando era membro de Comitês de Ética da Pesquisa em instituições acadêmicas pernambucanos. Discutiam-se muito quais os limites que poderiam ser fixados nos métodos utilizados na busca do conhecimento e as medidas mitigadoras possíveis.

Limites que não deveriam impedir a continuidade do processo de progresso técnico e o avançar da sociedade. Sabia-se que riscos seriam corridos, mas procurava-se compreender até onde se poderia ir e como regular os métodos utilizados nas pesquisas. Não era fácil.

Trabalhava-se com o que se chama de Ética da Responsabilidade, entendida como uma abordagem que ressaltava ser importante tentar antever e analisar os possíveis impactos a largo prazo dos caminhos a serem adotados e o minorar das possíveis conseqüências negativas para o futuro da sociedade.

No caso do avanço tecnológico, a regulação do ainda não conhecido, isso envolvia considerar os potenciais riscos e benefícios, proteger a privacidade e a segurança, garantir que o avanço do conhecimento procurasse respeitar limites para não trazer conseqüências negativas para as pessoas e para as instituições.

Se isso é complexo para o avanço em épocas relativamente estáveis, imagine em uma época de transformações a velocidade jamais vistas, em uma época em que são quase impensáveis os possíveis avanços que poderão ocorrer em curto prazo. É o caso do que hoje ocorre com a economia digital.

Criar normas e políticas que procurem organizar o ambiente digital não é tarefa fácil, respeitar a privacidade dos indivíduos e das instituições, tratar de forma segura, com regras transparentes, esse novo mundo, em que os dados são quase ilimitados, em que os avanços cibernéticos são difíceis de acompanhar, traz um problema complexo para a sociedade e sua evolução. A internet trouxe uma nova lógica de relacionamento que não pode ser tratada da maneira usual com a qual vínhamos convivendo no mundo analógico.

Responsabilidade com o futuro e com as novas gerações passam a ser um lema importante. Se o objetivo for um mundo sustentável, cautela passa a ser uma necessidade, caminho a ser trilhado.

Nas falas que escutei, entendi que nos dias atuais, a regulação da economia digital é um dos principais focos para o avançar social. Muito há a fazer.

Procura-se maior equilíbrio entre a busca de inovação e a proteção institucional e social, principalmente num país como o Brasil com suas disparidades.

O debate que está posto sobre regulação exige uma adaptação do arcabouço legal e institucional que não previa um mundo como vem se configurando, em que a inserção é muito desigual para as diferentes classes sociais, para as diversas regiões.

Nessa direção, aspectos relevantes a serem analisados são o equilíbrio entre busca de inovação e proteção dos consumidores; a regulação das plataformas digitais, levando em consideração os interesses sociais;  tentar diminuir as manipulações das grandes empresas, principalmente as  chamadas Big Techs; propiciar acesso justo à infraestrutura tecnológica para as diferentes organizações, para os diversos cidadãos; evitar práticas anticompetitivas por parte das grandes empresas; garantir proteção de dados aos consumidores e usuários; entre muitos outros.

Na legislação antitruste, fundamental ter uma regulação ex ante para os mercados digitais, considerando as inúmeras experiências internacionais e os malefícios que já podem ser observados. E, nessa direção, importante que os diferentes agentes se façam presentes, principalmente,  legisladores, acadêmicos, empresas e consumidores. 

A adaptação das empresas às novas tecnologias, o investimento em infraestrutura digital e a atenção à cibersegurança são pontos críticos para um país que, desejando se manter competitivo,  precisa enfrentar.

De acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), cerca de 70% das pequenas e médias empresas brasileiras não possuem estratégias claras de digitalização. No Brasil, ainda há longo percurso a ser percorrido, tendo em conta a base de pequenas e médias empresas de estrutura familiar que temos.

Para uma real inserção no mundo digital, além de medidas de incentivo econômico, faz-se necessário ter uma legislação que garanta às empresas de menor porte condições de se digitalizarem com segurança jurídica. As palestras e os textos que li mostram que é bastante desconhecido, por grande parte dessas empresas, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Lidar com as novas ferramentas passa por uma mudança profunda na cultura empresarial e na competição entre empresas. Garantir condições adequadas de acessibilidade e conectividade é ponto relevante para uma competitividade mais equânime.

Nessa direção, um órgão regulador como o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica passa a ter extrema relevância, evitando que os oligopólios criem barreiras a entrada em novos mercados de startups e empreendedores de menor porte. Além de práticas anti concorrenciais que podem impedir, em muito, o avanço da inovação e da inserção em diferentes mercados.

Com a inteligência artificial e a automação crescentes, tendências de reestruturação de lógicas de produção e de consumo, em diversos setores, se tornam o novo mercado a ser explorado. Mercados que, dadas as suas especificidades, exigem uma regulação específica.

A economia de plataforma, onde empresas criam mercados digitais que conectam prestadores de serviços a consumidores exigem um acompanhamento legal também específico. Deixar os consumidores submetidos às orientações desses grandes intermediários, sem um controle efetivo do Estado, pode criar profundas distorções em desfavor dos indivíduos que compõem a sociedade.

Por fim, ressalte-se a importância da cibersegurança, tem que ser uma prioridade. O novo mundo permite o uso inadequado, em escala nunca vista, dos dados e informações dos diferentes atores, das diferentes instituições, das diferentes empresas, dos diferentes indivíduos. Os golpes se multiplicam e a insegurança é crescente. É prioridade uma regulação eficiente da economia digital que faça diminuir esse nível de banditismo.

Todos temas para aprofundamento em que deve surgir um novo Direito, uma nova estrutura de regulação. Pelos textos vistos, iniciativas concretas e robustas têm sido dadas nessa direção no mundo, no Brasil. A dúvida que fica é saber se poderão dar conta da miríade de assuntos complexos e relevantes socialmente que a cada dia surgem.

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A inteligência artificial e a espiral do caos https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/04/inteligencia-artificial-e-suas.htm

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