O que é a
'zona incerta' do cérebro, que intriga cientistas há quase 150 anos
Carlos Serrano/BBC
O
cérebro humano é um órgão tão poderoso quanto misterioso.
Nesta massa de aproximadamente 1,5 kg habitam
cerca de 86 bilhões de neurônios que compõem a massa cinzenta. Isso é quase
igual ao número de estrelas na Via Láctea.
Esses neurônios se conectam entre si por meio de
sinapses. Estima-se que o número de sinapses no cérebro humano seja próximo a
um quatrilhão, ou seja, 1 seguido de 15 zeros.
Os cientistas sabem que essas conexões existem,
mas ainda não conseguem descobrir exatamente como e onde toda a informação que
chega e sai do nosso cérebro é produzida, armazenada e processada graças a
essas sinapses.
O
primeiro a descrever essa parte do cérebro foi o neuroanatomista suíço
Auguste-Henri Forel, em 1877.
"É uma região sobre a qual nada pode ser dito
com certeza", escreveu Forel.
Hoje,
quase 150 anos depois, a situação permanece praticamente a mesma. Apesar de
todos os avanços da medicina e da tecnologia, ninguém realmente entende o que é
a zona incerta.
No entanto, os especialistas têm noção de que a zona
incerta desempenha um papel em processos-chave do corpo humano, como a memória.
Mesmo assim, ela ainda é uma parte pouco estudada
do corpo.
Mas estudos recentes encontraram novas informações
sobre essa região importante, mas negligenciada, do nosso cérebro.
Poucas certezas
A zona incerta é uma faixa de massa cinzenta
localizada na área central do cérebro.
"É como uma folha de neurônios que se estende
entre o tálamo e o hipotálamo", disse Huizhong Tao, professor de
fisiologia e neurociências da University of Southern California, à BBC News
Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Ao longo da zona incerta, pelo menos quatro
sub-regiões foram identificadas, cada uma associada a um papel específico, que
variam de funções motoras e viscerais a excitação e atenção.
A zona incerta também tem sido associada a funções
como sono, regulação da dor e aprendizado, explica Huizhong.
E um estudo recente em camundongos mostrou que a
zona também pode desempenhar um papel importante na consolidação da memória de
longo prazo.
Mas além disso, pouco se sabe sobre os mecanismos
sob os quais essa zona do cérebro atua e como se comunica com outras regiões do
cérebro para realizar tarefas.
Por
exemplo, a zona incerta é uma das poucas regiões comumente visadas para
estimulação em pacientes com Parkinson, mas os cientistas não sabem ao certo
por que ela tem a capacidade de aliviar os sintomas da doença.
Por que é
difícil estudar essa zona?
A zona incerta é uma estrutura fina, localizada no
fundo do cérebro, por isso é difícil de estudá-la em pessoas vivas, diz
Huizhong.
Além disso, explica o especialista, a composição
química e celular dessa membrana é complexa.
Cada uma de suas subdivisões aparentemente tem
funções distintas, e seus neurônios envolvem a ação de até 20
neurotransmissores diferentes, dificultando sua análise como um todo.
E, como se isso não bastasse, "sua conexão
com outras partes do cérebro é extremamente complexa", diz Huizhong.
A
zona incerta se comunica com quase todos os centros dos circuitos neurais,
desde o córtex cerebral até a medula espinhal, o que também ajuda a explicar
por que ela está envolvida em papéis tão diversos.
O que se descobriu?
Um estudo recente em camundongos, conduzido pela
Universidade de Freiburg e pelo Instituto Max Planck para Pesquisa do Cérebro
na Alemanha, encontrou novas evidências de que a zona incerta pode desempenhar
um papel fundamental na atenção e na memória duradoura.
A análise mostrou que a zona incerta tem uma
conexão particular com o neocórtex cerebral, a maior e mais evoluída região do
cérebro.
Nos humanos, o neocórtex é considerado o maior
depósito de memórias de longo prazo. Também é responsável por várias das
funções cognitivas que nos distinguem, como o raciocínio, a consciência e a
linguagem.
Porém, não se sabe exatamente como as memórias e
experiências chegam e ficam armazenadas ali.
Sinais
internos e externos
Para formar novas memórias, o cérebro deve fazer
uma conexão entre os estímulos sensoriais que vêm de fora e os sinais internos
que contêm informações de experiências passadas.
Para fazer isso, os neurônios trocam sinais que
excitam (ativam) ou inibem (desativam) certas áreas do cérebro conforme necessário.
No passado, os estudos se concentravam em observar
o efeito que os sinais de excitação tinham sobre o aprendizado e a memória.
Este novo estudo concentrou-se em sinais
inibitórios decorrentes da zona incerta.
Cientistas observaram que a zona incerta
desempenha um papel no aprendizado e na memória, não pela excitação de outros
neurônios, mas pela inibição.
Essa
inibição acaba criando uma "rede de inibição" que desativa certas
conexões para otimizar o fluxo de conexões excitatórias em outras áreas.
Essa "rede inibitória" poderia ser
comparada a um sistema de semáforos que se coordenam entre si para interromper
o tráfego em algumas ruas e, assim, permitir que ele flua mais rapidamente em
outras.
"O que observamos foi uma redistribuição
completa da inibição dentro do sistema", diz Anna Schroeder, principal
autora do estudo.
Por meio desse mecanismo, o resultado líquido é
uma excitação dos circuitos do neocórtex para facilitar o aprendizado.
Por
que isso é importante?
"Este estudo é muito interessante", diz
Huizhong, que não participou da pesquisa.
"Ele oferece novas visões sobre mecanismos
neurais para aprendizagem e memória."
Os autores da pesquisa afirmam que entender os
mecanismos pelos quais as memórias são formadas pode ser útil para tratamentos
contra perda de memória, transtornos de ansiedade ou Parkinson.
Eles ainda mencionam que a zona pode ter
implicações para o desenvolvimento de inteligência artificial e desenvolvimento
de software.
Por enquanto, porém, eles estão convencidos de que
seu estudo serve para "inspirar outros pesquisadores" a continuar
procurando pistas para resolver o mistério da zona incerta.
Guerreira
da poesia e da arte de viver e lutar https://bit.ly/3GwFhie
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