Ah, "folhinhas" ainda existem!
Luciano Siqueira
Quando garoto, uma das curiosidades de
fim de ano eram as "folhinhas" que os fornecedores da mercearia do
meu pai traziam de brinde.
Assim chamadas porque continham folhas
destacáveis, correspondentes a semanas ou meses do ano; também ditas “calendários”
ou mesmo “cromos”, em alusão às ilustrações.
De muitos tipos.
Algumas traziam, ao modo destacável,
todos os dias do ano em formato quase que três por quatro, com algum dizer para
cada dia.
Outras, do tamanho de um cartaz médio,
ostentavam fotos de paisagens de lugares desconhecidos. Era como se a gente
viajasse através daquelas imagens, pois o mundo era muito maior do que o bairro
da Lagoa Seca, em Natal, Rio Grande do Norte, onde vivi parte da infância e da
pré-adolescência.
Não gostava do modelo religioso, na página
correspondente a cada mês do ano a imagem de um santo ou uma santa que pudesse corresponder
à devoção de alguém.
Dessas, minha avó Neném gostava.
Escolhia uma dentre várias, que permaneceria na parede do seu quarto o ano
inteiro.
Alegria imensa aconteceu no ano em que
meu pai providenciou uma “folhinha” com a propaganda da própria Mercearia
Natalense. Era como se o nosso modesto comércio ganhasse outro status.
Motivo de orgulho diante dos amigos de
escola e da vizinhança.
Depois vieram os calendários de bolso,
em plástico, ornamentados ou não, tendo no verso o anúncio de alguma loja ou
produto, como o “Biotônico Fontoura”, ou mesmo a foto de um político,
antecipando a propaganda eleitoral.
Cheguei a guardar na carteira esses
calendários de bolso, do sabonete “Eucalol”, creio, muito úteis.
Nem sei se ainda existem, pois mais de
80% da população adulta brasileira usa o smartphone, onde facilmente se consulta o calendário.
As "folhinhas", entretanto, nunca me
saíram da memória.
Delas recordo inclusive quando recebo
algum desses “calendários” de alta qualidade gráfica, como os da Cepe,
ostentando fotos de altíssima qualidade ou reprodução de obras de arte.
Eis que hoje, nesta véspera de Natal de
2021, ganhei uma “folhinha” — elas ainda existem! — (ou calendário, se você
preferir chamar assim) da oficina de lanternagem onde fiz pequeno reparo em meu
carro.
Muito simples. Duas páginas apenas,
cada uma com os meses correspondentes à metade do ano e ambas com a foto de um automóvel.
A oficina é muito modesta. Pequena.
Desarrumada. Dois ou três veículos em conserto convivem lado a lado com
carcaças de outros que parece já não serão mais reparados.
O proprietário e chefe de serviço
faz-se acompanhar de um filho. Creio que não há mais ajudantes, embora numa
outra oportunidade uma nora sua eu vi empenhada no polimento de um veículo
recém consertado.
Tudo muito simples, mas o serviço quase
perfeito.
Já ia saindo quando recebi o brinde,
que em fração de segundos me transportou para a infância na Lagoa Seca e me fez
reviver imagens e sensações de nossa mercearia, esquina das ruas São João com
Alberto Silva, sem pavimentação, onde a gente improvisava memoráveis disputas
de barra-a-barra com bolas de meia.
Senti-me renovado. Afetuosamente envolvido
pela saudade de um tempo que se foi.
.
Veja:
imagens da vida como ela é – ou como desejamos que seja https://bit.ly/3E95Juz
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