21 dezembro 2021

Crônica da terça-feira

Marrom e preto

Luciano Siqueira

O governador Miguel Arraes me alcançou logo cedo, pelo telefone fixo de minha residência (à época ainda não se usava celular):

— Luciano, pode vir aqui?

— Quando, Dr. Arraes?

— Agora, tenho uma certa pressa.

— Tudo bem, chego já.

O governador tinha pressa, eu me apressei também. Rapidamente me aprontei e de Campo Grande, onde morava, ao Palácio do Campo das Princesas, levei certamente entre 7 a 8 minutos.

Já não me recordo o teor de nossa conversa. Certamente algo relacionado com as articulações políticas no âmbito da Frente Popular de Pernambuco. 

Arraes e o PCdoB mantiveram estreitas relações durante cerca de 26 anos, desde que ele chegou do exílio, em 1979, à sua morte, em 2005.

Em geral convergíamos em opiniões e iniciativas, embora seja possível anotar várias circunstâncias em que divergimos — como é natural entre aliados políticos que se respeitam e preservam a independência mútua.

O fato é que ele me recebeu na residência do Palácio, no segundo andar, para uma rodada de café.

Já por volta das 9 horas, nossa conversa se encerrando, o governador olha para os meus pés e, meio que surpreso, pergunta:

— Você sempre faz isso!?

Aí percebi a bobagem que tinha feito. Na pressa, calcei sapatos de pares diferentes, um preto e outro marrom.

Havia sido uma compra vantajosa, uma pechincha qualquer que eu vira numa loja de shopping. O mesmo modelo, cores diferentes.

Guardados juntos os dois pares de sapato, eu nem percebi a diferença.

— Claro que não, governador. Na correria para vir ao seu encontro me descuidei...

Bem-humorado, ele ainda me chacoalhou:

— Ainda dizem que comunista planeja tudo. Mas na pressa, descuida dos detalhes! 

Com uma sonora gargalhada, bem ao seu estilo, deu por encerrada nossa conversa.

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