O que explica o
declínio de Bolsonaro entre os evangélicos?
Rafael Rodrigues da
Costa, Le Monde Diplomatique
O apoio de Bolsonaro entre os evangélicos parece,
enfim, estar com os dias contados. Segundo a última pesquisa Datafolha, 29% dos
evangélicos consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom. É o menor índice já
registrado desde o início do seu mandato.
De janeiro para cá, a aprovação do presidente
derreteu nada menos que onze pontos percentuais entre os religiosos desse
segmento, o que indica uma vertiginosa queda de popularidade em um de seus
principais bastiões eleitorais.
O que explica o declínio de Bolsonaro entre os
evangélicos? Alguns aspectos precisam ser levados em conta. Em primeiro lugar,
o fator econômico: os evangélicos estão entre as religiões que mais concentram
trabalhadores informais e pessoas de baixa renda, populações que mais estão
sofrendo os efeitos perversos da crise econômica como o desemprego, o peso da
inflação nos alimentos, habitação e transportes, além da diminuição no auxílio
emergencial.
O fator político também parece pesar contra o
presidente. Os escândalos de corrupção envolvendo a família do presidente e
alguns de seus correligionários contrasta com a figura de honestidade
trabalhada pela campanha de Bolsonaro em 2018. Isso fez com que algumas
lideranças religiosas – a exemplo do pastor presbiteriano Augustus Nicodemus e
o teólogo reformado e youtuber Yago Martins – diminuíssem o entusiasmo com o
presidente ao longo do mandato, sobretudo após a saída de Sergio Moro do
governo, em abril de 2020.
Mesmo com o evidente declínio de Bolsonaro nas
pesquisas, o ex-presidente Lula (PT) não parece conseguir se aproveitar dessa
situação entre os evangélicos, uma vez que permanece em empate técnico com
Bolsonaro pelo menos desde maio deste ano. Na última pesquisa Datafolha,
enquanto Bolsonaro aparece no primeiro turno com 38% das intenções de voto dos
evangélicos, Lula obtém 37% de preferência. Já no segundo turno, Lula apresenta
44% das intenções contra 43% de Bolsonaro. Dentro da margem de erro da
pesquisa, de três pontos para mais ou para menos, os dois ainda competem de
igual para igual.
É aqui então que as coisas complicam para o
candidato petista. Destarte, é preciso lembrar que pelo menos desde 2014 os
evangélicos têm incorporado paulatinamente à tese antipetista ao discurso
religioso, ao eleger o “petismo” e a “esquerda” como “inimigos do povo de Deus”
e uma espécie de síntese de todos os problemas sociais da nação. E aqui se
misturam de tudo: desde as denúncias de corrupção do mensalão à Operação Lava
Jato até as teorias conspiratórias do “marxismo cultural” e “ideologia de
gênero”. Enfim, todo esse bombardeio ideológico foi (e tem sido) fartamente
utilizado pelas lideranças evangélicas a fim de impossibilitar qualquer
aproximação entre o público evangélico e pautas de esquerda, limitando assim a
atuação do PT nesse segmento.
Para além disso, é preciso observar que a
estagnação de Lula entre os evangélicos é também resultado de uma certa
resistência – para não dizer arrogância e falta de sensibilidade – de alguns
setores progressistas em dialogar com esse público religioso. Baseando-se no
argumento da laicidade do Estado, há quem acredite que a separação entre
religião e política possa ser feita com a mesma pureza química que divide a
água e o óleo.
E aqui está o grande equívoco de boa parte da
esquerda brasileira: ao tentar isolar o ponto de vista religioso sobre a
política, o que esses setores estão fazendo, na prática, é menosprezar um
aspecto muito significativo da vida cotidiana desse eleitorado. Afinal, não nos
esqueçamos de que a igreja evangélica tem crescido no país principalmente entre
as periferias das grandes cidades brasileiras porque ela é um local estratégico
de acolhimento das populações mais pobres. Isso porque a igreja não se resume apenas a um ambiente de culto,
como também se estende a uma rede de apoio mútuo entre os irmãos,
oferecendo ajudas em momentos de necessidade, além de ser um espaço importante
de lazer, cultura e sociabilidade nas comunidades.
Se falta sensibilidade na esquerda para dialogar
com essa parte do eleitorado, não falta esforço por parte da direita em tentar
manter esse grupo unido. Prova disso é a força com que a tese de “guerra
espiritual” ainda apresenta vigor nos círculos religiosos, como se o governo
Bolsonaro fosse uma espécie de único defensor do cristianismo, enquanto os seus
críticos e opositores seriam, na verdade, enviados (ou enganados pelo) maligno
para destruir os pilares da civilização judaico-cristã. Ainda que essa teoria
esteja perdendo gradualmente adeptos, se o campo progressista não disputar a
narrativa religiosa acerca de quem seria o verdadeiro inimigo de Deus (e do
povo), é muito provável que tenhamos em 2022 uma “terceira via” mais evangélica
e antiesquerdista.
.
Aqui a gente comenta o que acontece https://bit.ly/3n47CDe
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