FACEBOOK
LUCROU COM ANÚNCIO DA BRASIL PARALELO QUE ASSOCIA SIMONE DE BEAUVOIR À
PEDOFILIA
A produtora é a maior anunciante de posts
sociais e políticos, o que talvez explique o fato do Facebook dizer que o
anúncio não viola suas políticas.
Tatiana Dias, The Intercept_ Brasil
NO ÚLTIMO ANO, ninguém gastou mais em anúncios de temas sociais, eleições ou de
política no Facebook brasileiro do que a Brasil Paralelo. Em uma agressiva estratégia
de rebranding e expansão, a
produtora de conteúdo audiovisual conservador e revisionista se tornou a maior
fonte de receita nesse tipo de anúncio para a rede social no Brasil. Segundo o Relatório da Biblioteca de Anúncios do Facebook, uma
plataforma da própria empresa, a Brasil Paralelo gastou mais de R$ 5 milhões com
anúncios entre agosto de 2020 e dezembro de 2021. Para você ter uma ideia do
tamanho da fatia, o segundo maior anunciante, o próprio WhatsApp, desembolsou
menos da metade desse valor.
Um desses anúncios, veiculado em dezembro e
disponível biblioteca da empresa, começa com a icônica frase da filósofa Simone
de Beauvoir: “não se nasce mulher: torna-se mulher”. Então o texto, que
acompanha uma foto dela e de seu companheiro Jean Paul-Sartre, começa a se
desdobrar no mais puro suco antifeminista, com pitadas de olavismo e teorias da
conspiração.
“Ela foi casada com Sartre e, juntos, eles
formavam um casal que aliciava os mais jovens. Beauvoir e Sartre viviam juntos,
mas tinham amantes”, diz a propaganda. “A biógrafa de Beauvoir, C.
Seymour-Jones, revelou que Simone gostava até de relações entre familiares.
Junto de Sartre, defendiam intimidades com crianças [de] 11 anos”.
O anúncio termina com a chamada para o curso de “feminismo” da professora
Ana Campagnolo, deputada estadual por Santa Catarina que fez carreira política
surfando no olavismo antifeminista. No curso, diz a propaganda, Campagnolo, do
PSL, “alerta que um dos ícones da causa pelas mulheres, não tinha compaixão
pelas mulheres” (a vírgula errada é da grafia original).
De fato, Simone e Sartre tinham uma relação
afetiva não convencional, com um casamento aberto e bissexualidade. Mas não
houve defesa de relações com crianças. As biografias da filósofa mencionam um
relacionamento com uma aluna de 17 anos, bem diferente da situação descrita no
anúncio.
Não há surpresa aqui: o revisionismo
histórico é a marca da Brasil Paralelo, que cresce com produções que tentam
legitimar a agenda conservadora – apesar de ultimamente estar tentando se descolar de Olavo
de Carvalho e Jair Bolsonaro.
O que causa mais estranheza é que o Facebook
– que hoje se chama Meta – esteja lucrando em cima de discurso mentiroso e
antifeminista. Apesar da crise provocada pelos Facebook Papers, que mostraram
que a rede social sobrepôs o lucro à proteção dos usuários, o discurso
de proteção a minorias e combate a discurso de ódio sempre esteve presente nos
termos de uso e nas respostas que a empresa enviou à imprensa.
Em seus termos de uso, o Facebook diz proibir anúncios que espalhem
desinformação e que anunciantes que repetidamente postam informações falsas
podem ser restringidos ou banidos. Também afirma que anúncios não podem
discriminar ou encorajar a discriminação baseada em atributos pessoais, como
gênero, e também não podem ter conteúdos que explorem crises ou questões
políticas e sociais controversas para propósitos comerciais.
Mas, para o Facebook,
ganhar dinheiro associando Beauvoir à pedofilia para divulgar um curso
antifeminista não é um problema. “O anúncio não viola os Padrões da Comunidade
ou as Políticas de Anúncios da Meta”, me disse a empresa, por meio de sua
assessoria de imprensa. A resposta e a biblioteca de anúncios de seu maior
cliente provam que, se o dinheiro for bom, vale até colocar todos esses
supostos princípios em xeque.
Guerra
cultural em anúncios
No total, a Brasil
Paralelo veiculou 29.168 anúncios de agosto de 2020 para cá. Os números da
produtora destoam muito dos outros anunciantes. O terceiro maior em gastos, o
prefeito de Fortaleza, José Sarto, do PDT, veiculou apenas 670 anúncios,
totalizando R$ 955 mil. Em quarto lugar, a Acnur, programa da ONU para
refugiados, desembolsou R$ 959 mil em 865 anúncios. Quase trinta vezes menos do
que a Brasil Paralelo. A produtora é uma máquina frenética de anúncios
conservadores e anticomunistas, quase sempre disfarçados de “o que eles não
querem que você saiba” – exatamente o mesmo tom conspiratório que o Facebook
sabe muito bem que roda bastante em sua plataforma.
Há anúncios institucionais
e dos documentários da produtora. Neste ano, por exemplo, eles investiram pesado na divulgação de seu
documentário revisionista sobre a ditadura militar. Também há anúncios que
lançam dúvidas sobre o aquecimento global. Em uma propaganda do documentário
“Cortina de fumaça”, a Brasil Paralelo exibe uma reportagem do Estadão sobre
mudanças climáticas e diz que “cada vez está mais difícil saber em quais
notícias confiar”. Então, divulga o filme, que nega dados de desmatamento e foi financiado
por um ruralista. O anúncio foi visto por uma audiência
estimada de 100 mil a 500 mil pessoas.
Perguntei ao Facebook se o
anúncio violaria os seus termos – que, teoricamente, também proibiriam esse
tipo de conteúdo pago. A resposta da empresa foi a mesma: está tudo bem lucrar
com quem lança dúvidas sobre o aquecimento global.
Veja: A mentira o desgasta e
enfraquece; mas o mantém conectado à sua base https://t.co/Dp8f13AzZ4
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