15 novembro 2022

Governança digital

Poderá o 
Big Data
 ajudar a erradicar a pobreza?
Dois casos notáveis de governança digital na China: em Wuhan, tecnologia ajudou a controlar a covid. Nas áreas rurais do país, cruzamento de dados e mapas constróem indicadores sociais mais precisos, reorientando investimentos públicos
Isis Paris Maia
, nSul21

 

O Big Data é uma das mais disruptivas tecnologias da assim chamada Indústria 4.0. O que muitos desconhecem, é o papel crucial dessas tecnologias por trás das políticas públicas que contribuíram para a erradicação da pobreza extrema na China – parte do mais notável processo de mobilidade social da contemporaneidade. O país foi o primeiro a atingir a meta prioritária da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU, conferindo não só legitimidade a sua agenda de políticas sociais quanto à amplificação de sua atuação na diplomacia global. Este fato tem sido reconhecido pelos principais organismos internacionais como, por exemplo, Banco Mundial, Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Internacional do Trabalho (OIT).

De acordo com o Gartner IT Glossary, uma definição amplamente aceita de Big Data refere-se a ativos de informação e dados com enorme fluxo, variedade e velocidade. São formas inovadoras de processamento de informações permitindo assim o aprimoramento da tomada de decisões e até a automação de processos.

Embora o uso pioneiro do Big Data tenha sido pelas grandes corporações de tecnologias voltado à avaliação dos padrões de consumo e, consequentemente, potencialização de vendas, tal ferramenta tem sido chave em outro campo, a governança. Trata-se da aplicação de novas tecnologias à gestão pública, ampliando as capacidades estatais, os mecanismos de planejamento e os processos de produção, implementação e avaliação de políticas públicas. Para além da coleta de estatísticas oficiais, o Big Data permite a captura de informações em maior escala e de maneira mais atualizada, por meio do uso de celulares, Internet, tecnologias geoespaciais, etc.

Nos últimos anos, uma infinidade de projetos de desenvolvimento usaram Big Data para resolver problemas de desenvolvimento de muitas maneiras diferentes em todo o mundo. O uso de Big Data foi defendido pelo UN Global Pulse, uma iniciativa lançada pelo Secretário-Geral da ONU em 2009. Alguns dos projetos conduzidos pela organização internacional incluem o uso de imagens de satélite noturnas do globo em 2009 para estimar a pobreza; o uso de registros de celular para desenhar mapas sobre vulnerabilidade social em 2013-14 na Costa do Marfim; o uso de dados baseados na Internet para estimar o índice de preços ao consumidor e a taxa de pobreza na Argentina em 2013; os dados de luz noturna e consumo de eletricidade doméstico para construir um índice de pobreza no Sudão em 2013; e ainda o uso de imagens de satélites no Rio de Janeiro em 2014 para prever padrões climáticos.

A China, contudo, avança a passos largos na utilização do Big Data. Um dos exemplos foi o caso do combate à pandemia de Covid-19, surgida em Wuhan, quando o governo chinês utilizou tal ferramenta tecnológica para prevenir, conter e controlar a disseminação da doença através de dados de localização e viagem, de saúde, de consumo, entre outros. Assim, o cruzamento de dados do desempenhou um papel no rastreamento, vigilância e alerta precoces, bem como acompanhamento, tratamento médico e recuperação dos pacientes. O resultado foi uma gestão eficiente da pandemia e redução dos gastos com recursos hospitalares e humanos – não obstante os conflitos e as complexas dimensões geográficas do país.

Já o caso da erradicação da pobreza, se baseou na construção de indicadores. O Big Data foi utilizado como banco de dados abrangente para identificar as famílias-alvo e suas necessidades específicas, através de 8 indicadores territorializados. Estes indicadores foram criados em uma parceria entre a ONU e o Baidu Big Data Laboratory[1] através do chamado Dimensão de Padrões de Vida do Índice de Desenvolvimento Humano (ou simplesmente Índice de Padrões de Vida). Os indicadores combinam três dos dados do censo e cinco dos grandes conjuntos de dados do Baidu: censitários como acesso a água encanada, acesso a banheiros sanitários e acesso a cozinhas internas; e do Baidu incluem acesso a serviços de moradia, acesso a serviços financeiros, acesso a estradas, cobertura de internet e iluminação pública. Assim, é possível avaliar com mais precisão a situação de pobreza nas áreas rurais, melhorar a produtividade do setor público, criar um sistema de proteção social mais responsivo, fortalecer a resiliência das cidades contra as mudanças climáticas e fornecer informações de maior granularidade para o planejamento do transporte urbano, entre outras muitas possibilidades.

A ferramenta permite que toda família pobre cadastrada no sistema possa ser localizada geograficamente. Assim, é possível reconhecer as famílias que precisam de ajuda, rastrear sua jornada para sair da pobreza e também conhecer os elementos de risco que podem fazê-los voltar à condição de vulnerabilidade extrema. Dessa forma, o trabalho se torna mais preciso e direcionado, otimizando recursos financeiros e humanos. Antes, os funcionários precisavam preencher todo tipo de relatório a mão, sujeito a erro, e dificultando o cruzamento e integração das informações.

Em suma, a China trilha uma fronteira inovadora na construção de um sistema nacional de governança digital, usando as ferramentas das novas tecnologias da informação para aumentar a capacidade estatal e o aprimoramento da gestão pública. Não é forçoso dizer que a China está elevando a novos patamares o entrelaçamento entre tecnologia e planejamento. Mais do que isso: pode-se sugerir que estão surgindo novas perspectivas para a experiências de orientação socialista à luz destas inovações em planejamento.

Isis Paris Maia é historiadora e mestranda em Políticas Públicas pela UFRGS. Atualmente pesquisa os arranjos institucionais chineses para o combate à pobreza no país.

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