Poderá o Big
Data ajudar a erradicar a pobreza?
Dois casos notáveis de
governança digital na China: em Wuhan, tecnologia ajudou a controlar a covid.
Nas áreas rurais do país, cruzamento de dados e mapas constróem indicadores
sociais mais precisos, reorientando investimentos públicos
Isis
Paris Maia, no Sul21
O Big Data é
uma das mais disruptivas tecnologias da assim chamada Indústria 4.0. O que
muitos desconhecem, é o papel crucial dessas tecnologias por trás das políticas
públicas que contribuíram para a erradicação da pobreza extrema na China –
parte do mais notável processo de mobilidade social da contemporaneidade. O
país foi o primeiro a atingir a meta prioritária da Agenda 2030 e dos Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio da ONU, conferindo não só legitimidade a sua
agenda de políticas sociais quanto à amplificação de sua atuação na diplomacia
global. Este fato tem sido reconhecido pelos principais organismos
internacionais como, por exemplo, Banco Mundial, Organização das Nações Unidas
(ONU) e Organização Internacional do Trabalho (OIT).
De acordo com o Gartner
IT Glossary, uma definição amplamente aceita de Big Data refere-se a ativos
de informação e dados com enorme fluxo, variedade e velocidade. São formas
inovadoras de processamento de informações permitindo assim o aprimoramento da
tomada de decisões e até a automação de processos.
Embora o uso
pioneiro do Big Data tenha sido pelas grandes corporações de tecnologias
voltado à avaliação dos padrões de consumo e, consequentemente, potencialização
de vendas, tal ferramenta tem sido chave em outro campo, a governança. Trata-se
da aplicação de novas tecnologias à gestão pública, ampliando as capacidades
estatais, os mecanismos de planejamento e os processos de produção,
implementação e avaliação de políticas públicas. Para além da coleta de
estatísticas oficiais, o Big Data permite a captura de informações em maior
escala e de maneira mais atualizada, por meio do uso de celulares, Internet,
tecnologias geoespaciais, etc.
Nos últimos anos,
uma infinidade de projetos de desenvolvimento usaram Big Data para resolver
problemas de desenvolvimento de muitas maneiras diferentes em todo o mundo. O
uso de Big Data foi defendido pelo UN Global Pulse, uma iniciativa
lançada pelo Secretário-Geral da ONU em 2009. Alguns dos projetos conduzidos
pela organização internacional incluem o uso de imagens de satélite noturnas do
globo em 2009 para estimar a pobreza; o uso de registros de celular para
desenhar mapas sobre vulnerabilidade social em 2013-14 na Costa do Marfim; o
uso de dados baseados na Internet para estimar o índice de preços ao consumidor
e a taxa de pobreza na Argentina em 2013; os dados de luz noturna e consumo de
eletricidade doméstico para construir um índice de pobreza no Sudão em 2013; e
ainda o uso de imagens de satélites no Rio de Janeiro em 2014 para prever
padrões climáticos.
A China, contudo,
avança a passos largos na utilização do Big Data. Um dos exemplos foi o caso do
combate à pandemia de Covid-19, surgida em Wuhan, quando o governo chinês
utilizou tal ferramenta tecnológica para prevenir, conter e controlar a
disseminação da doença através de dados de localização e viagem, de saúde, de
consumo, entre outros. Assim, o cruzamento de dados do desempenhou um papel no
rastreamento, vigilância e alerta precoces, bem como acompanhamento, tratamento
médico e recuperação dos pacientes. O resultado foi uma gestão eficiente da
pandemia e redução dos gastos com recursos hospitalares e humanos – não
obstante os conflitos e as complexas dimensões geográficas do país.
Já o caso da
erradicação da pobreza, se baseou na construção de indicadores. O Big Data foi
utilizado como banco de dados abrangente para identificar as famílias-alvo e
suas necessidades específicas, através de 8 indicadores territorializados.
Estes indicadores foram criados em uma parceria entre a ONU e o Baidu
Big Data Laboratory[1] através do chamado
Dimensão de Padrões de Vida do Índice de Desenvolvimento Humano (ou
simplesmente Índice de Padrões de Vida). Os indicadores combinam três dos dados
do censo e cinco dos grandes conjuntos de dados do Baidu: censitários como
acesso a água encanada, acesso a banheiros sanitários e acesso a cozinhas
internas; e do Baidu incluem acesso a serviços de moradia, acesso a serviços
financeiros, acesso a estradas, cobertura de internet e iluminação pública.
Assim, é possível avaliar com mais precisão a situação de pobreza nas áreas
rurais, melhorar a produtividade do setor público, criar um sistema de proteção
social mais responsivo, fortalecer a resiliência das cidades contra as mudanças
climáticas e fornecer informações de maior granularidade para o planejamento do
transporte urbano, entre outras muitas possibilidades.
A ferramenta
permite que toda família pobre cadastrada no sistema possa ser localizada
geograficamente. Assim, é possível reconhecer as famílias que precisam de
ajuda, rastrear sua jornada para sair da pobreza e também conhecer os elementos
de risco que podem fazê-los voltar à condição de vulnerabilidade extrema. Dessa
forma, o trabalho se torna mais preciso e direcionado, otimizando recursos
financeiros e humanos. Antes, os funcionários precisavam preencher todo tipo de
relatório a mão, sujeito a erro, e dificultando o cruzamento e integração das
informações.
Em suma, a China
trilha uma fronteira inovadora na construção de um sistema nacional de
governança digital, usando as ferramentas das novas tecnologias da informação
para aumentar a capacidade estatal e o aprimoramento da gestão pública. Não é
forçoso dizer que a China está elevando a novos patamares o entrelaçamento
entre tecnologia e planejamento. Mais do que isso: pode-se sugerir que estão
surgindo novas perspectivas para a experiências de orientação socialista à luz
destas inovações em planejamento.
Isis Paris Maia é
historiadora e mestranda em Políticas Públicas pela UFRGS. Atualmente pesquisa
os arranjos institucionais chineses para o combate à pobreza no país.
Leia
também: China exibe poderoso radar de monitoramento espacial https://bit.ly/3Gp6pkn
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