Brasil precisa derrubar alguns
mitos que surgiram em Copas passadas
Um deles é o de ser o país
do futebol, como se fosse o único
Tostão,
Folha de S. Paulo
Começa neste domingo (20) a Copa do Mundo no Qatar, com muitos protestos contra as rígidas e
reacionárias leis, contra o comportamento, contra o cerceamento da liberdade e
contra as violações aos direitos humanos. Parabéns aos jogadores holandeses,
que vão sortear as camisas de jogo para os imigrantes e operários que
construíram os riquíssimos estádios.
Em casa, verei todas as partidas. Apesar do calor, mesmo no
inverno, deveremos ter uma Copa com muita intensidade, emoções, com muitos
craques, com muita marcação por pressão para recuperar a bola e variadas
estratégias. Os jogadores se movimentam tanto que não há mais motivo para a
obsessão pelos desenhos táticos, se é uma linha de três ou quatro na defesa, se
são três ou quatro atacantes e tantos outros detalhes.
O desenho tático muda a cada minuto. Ele é importante, como
referência e quando os jogadores estão posicionados em seus lugares, antes de o
jogo começar. Serve também para as televisões mostrarem, antes das partidas, o
desenho na prancheta, embora, com frequência, sejam diferentes do que se vê em
campo.
O futebol é mais bem jogado onde há melhores condições
financeiras. Com isso, melhoram a estrutura física de treinamentos, a formação
de profissionais e o conhecimento científico. Assim ocorre em todas as
atividades. Daí a tendência mundial, como no Brasil, de poucos times dominarem
os campeonatos. Entre seleções, é diferente. Há mais equilíbrio entre muitas
equipes.
No noticiário dessa semana, o grande destaque na seleção foi a presença de nove atacantes,
maior número entre todos os países, como se todos entrassem ao mesmo tempo em
campo e como se isso fosse uma demonstração direta de jogar um futebol bastante
ofensivo. Tite é um
técnico equilibrado e sabe a importância de defender e de atacar bem. Nestes
quatro anos de preparação da seleção, o destaque maior foi o sistema defensivo,
que levou pouquíssimos gols.
Se Tite escalar contra a Sérvia, como dizem, Paquetá no lugar de
Fred, com mais dois atacantes pelos lados com Neymar e Richarlison pelo centro, não significa
que será muito mais ofensivo que o habitual. Quando o time não marcar por
pressão, Paquetá vai ser um segundo volante, ao lado de Casemiro, e os dois
pontas vão recuar para marcar, formando uma linha de quatro com os dois
volantes. Isso acontece, com frequência, em todo o mundo. Na França, Mbappé, pela esquerda, ataca e defende. Na Copa de
1970, Jairzinho fazia isso pela direita.
A goleada e a
atuação vibrante da Argentina, dias atrás, no amistoso contra os Emirados
Árabes, reafirma o fato de que Argentina e Brasil atuam, nessas partidas, como
se fosse uma Copa do Mundo. Isso pode criar a ilusão de que os dois estão muito
bem e que os europeus estão muito mal.
O Brasil precisa
derrubar alguns mitos que surgiram nas Copas de 1958, 1962 e 1970, de que é o
país do futebol, como se fosse o único, que só aqui surgem grandes craques em
cada esquina, tantos dribladores, e que os europeus são apenas disciplinados e
de cintura dura.
Não é assim nem nunca foi. Após a Copa de 1970, o cineasta e escritor
Pasolini escreveu que a poesia brasileira tinha vencido a prosa italiana.
O Brasil era poesia e prosa, pois tinha muito talento individual e disciplina
tática.
As narrativas costumam ser mais interessantes que a realidade.
Escrever e falar é mais fácil que fazer, ainda mais quando se faz em silêncio,
sem gestos e sem discursos midiáticos.
Leia
também: Capital do Qatar é uma selva de aço e vidro, sem fronteiras entre a
miséria e a riqueza, porque os pobres são excluídos mesmo https://bit.ly/3hVTfB9
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