17 novembro 2022

Qual sustentabilidade?

O Brasil voltou

José Bertotti*, portal da Fundação Maurício Grabois


O discurso de Lula na COP 27 foi emocionante e marcado pela necessidade de construção de um inédito modelo de desenvolvimento para o mundo baseado na sustentabilidade, na defesa e na conservação do meio ambiente. Isso passa necessariamente pela eliminação das profundas desigualdades sociais e regionais do planeta, e que demandam uma nova governança global, na qual as responsabilidades sejam assumidas de fato para garantir a nossa sobrevivência na Terra.

A cada ano, temos recebido mensagens claras de que a mudança climática é um desafio global com potencial de grande impacto para toda a vida na Terra. Todas as partes do mundo contribuíram para sua causa, em diferentes proporções, por meio das emissões antrópicas de gases de efeito estufa (GEE). Contudo, cada região deverá ser impactada por efeitos específicos sobre o seu território. Nesse sentido, as grandes iniciativas para redução de emissões de gases de efeito estufa partem de uma pactuação global de reconhecimento do problema e esforço conjunto, respeitando as possibilidades socioeconômicas, a responsabilidade histórica e a autodeterminação das nações. Um grande marco dessa pactuação é simbolizado pelo Acordo de Paris (1), firmado em dezembro de 2015, quando 198 membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) concordaram, por unanimidade na 21ª Conferência da ONU, sobre Mudanças Climáticas – COP21, em adotar planos de ação global para enfrentar as mudanças climáticas após 2020.

Sob o acordo de Paris, cada país concordou em limitar o aumento da temperatura global para conter o aumento médio da temperatura terrestre em níveis bem abaixo de 2°C, preferencialmente abaixo de 1,5°C. Em fevereiro de 2021, 124 países em todo o mundo declararam sua intenção de se tornarem neutros em carbono e atingir emissões líquidas de carbono zero, até 2050 ou 2060. Para atingir a neutralidade de carbono e apoiar o desenvolvimento sustentável, é necessário não apenas reduzir as emissões de CO2, mas também remover o CO2 da atmosfera para alcançar emissões líquidas de carbono zero ou carbono negativo por meio de diversas ações sociais, econômicas, ambientais e tecnológicas.

Segundo Chen (2022)(2) no geral, dos 198 países que se comprometeram a atingir metas de neutralidade de carbono, apenas 4,5% já atingiram a neutralidade de carbono, 8,6% legislaram para atingir metas de neutralidade de carbono, 10,6% declararam ou se comprometeram a atingir metas de neutralidade de carbono, 29,3% formularam políticas para atingir as metas de neutralidade de carbono, e os 47% restantes estão em processo de discussão de documentos relevantes para alcançar a neutralidade de carbono. Além disso, 120 dos 198 países, ou 60,6%, pretendem alcançar a neutralidade de carbono até 2050–2070, o que na prática impede o cumprimento de evitar que o aquecimento global esteja limitado a 1,5 graus, limite indicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (3) para evitar que as mudanças climáticas se tornem irreversíveis.

O fato concreto é que nesse momento, ao invés de redução de emissão de gases de efeito estufa, o volume de emissões tem aumentado ano a ano no planeta. Essa é a justificativa que alicerça o chamado feito por Lula para uma nova governança global, atualizada para as necessidades e desafios impostos a todos os países do mundo.

Durante os dois primeiros governos de Lula, e nos seguintes da presidenta Dilma Rousseff, o Brasil foi protagonista no cumprimento dos compromissos climáticos e na afirmação da necessidade dessa nova governança global. A COP 25, Conferência do Clima da ONU, deveria ter sido realizada no Brasil em 2019; em virtude do golpe imposto à presidenta Dilma, o presidente que tomava posse em 2019 era Bolsonaro, que marcou o início da sua política antiambiental cancelando o compromisso brasileiro de realizar a Conferência do Clima no Brasil.

Na época, como secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, fomos instados por um conjunto de instituições da sociedade civil a hospedar a primeira Conferência Brasileira de Mudança do Clima no Recife, que hoje está na sua quarta edição. Reunimos em caráter de Frente Ampla não só entidades da sociedade civil, centros de pesquisa e empresas, mas também congregamos os 27 estados brasileiros através das suas secretarias e órgãos ambientais. Tivemos a presença de 9 governadores, dentre eles o governador anfitrião Paulo Câmara que aceitou o desafio de, em menos de seis meses, receber mais de 2400 participantes que prepararam a participação do Brasil na COP 25 que acabou se realizando em Madrid naquele mesmo ano. Isso foi repetido em Glasgow na COP 26, e agora em Sharm el-Sheikh na COP 27, demonstrando que o Brasil é uma Federação que em conjunto com o governo central é composto de Municípios, Estados e uma sociedade civil ativa. Dessa forma, ao longo desses anos de resistência ao negacionismo climático de Bolsonaro, o contraponto foi feito.

Aqui na COP 27, na sua primeira agenda internacional, o recém eleito presidente Lula lançou a candidatura do Brasil para realizar a COP 30 na Amazônia. Não voltamos no tempo, nosso olhar é para o futuro! O apoio do novo governo Lula à realização da Conferência do Clima no Brasil, em 2025, é a afirmação de que nosso compromisso climático permanece firme e forte.

Nesses tempos de resistência, nossa primeira tarefa foi afastar o fascismo da direção da Presidência da República. Agora chegou a hora de voltarmos a implantar políticas de desenvolvimento sustentáveis no Brasil, além de impulsionar a governança internacional do enfrentamento das mudanças climáticas e da sustentabilidade do planeta. O Brasil voltou!

Notas:

1 – Acordo de Paris (https://brasil.un.org/pt-br/node/88191)

2 – Chen et al., Strategies to achieve a carbon neutral society: a review, ENVIRONMENTAL CHEMISTRY LETTERS, Volume 20, Edição 4, Página 2277-2310, DOI10.1007/s10311-022-01435-8

3 – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/

José Bertotti é Professor, ex-secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco e mestre em Engenharia de Produção (UFPE)

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