O Brasil voltou
José Bertotti*, portal da Fundação Maurício Grabois
O
discurso de Lula na COP 27 foi emocionante e marcado pela necessidade de
construção de um inédito modelo de desenvolvimento para o mundo baseado na
sustentabilidade, na defesa e na conservação do meio ambiente. Isso passa
necessariamente pela eliminação das profundas desigualdades sociais e regionais
do planeta, e que demandam uma nova governança global, na qual as
responsabilidades sejam assumidas de fato para garantir a nossa sobrevivência
na Terra.
A
cada ano, temos recebido mensagens claras de que a mudança climática é um
desafio global com potencial de grande impacto para toda a vida na Terra. Todas
as partes do mundo contribuíram para sua causa, em diferentes proporções, por
meio das emissões antrópicas de gases de efeito estufa (GEE). Contudo, cada região
deverá ser impactada por efeitos específicos sobre o seu território. Nesse
sentido, as grandes iniciativas para redução de emissões de gases de efeito
estufa partem de uma pactuação global de reconhecimento do problema e esforço
conjunto, respeitando as possibilidades socioeconômicas, a responsabilidade
histórica e a autodeterminação das nações. Um grande marco dessa pactuação é
simbolizado pelo Acordo de Paris (1), firmado em dezembro de 2015, quando 198
membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
(UNFCCC) concordaram, por unanimidade na 21ª Conferência da ONU, sobre Mudanças
Climáticas – COP21, em adotar planos de ação global para enfrentar as mudanças
climáticas após 2020.
Sob
o acordo de Paris, cada país concordou em limitar o aumento da temperatura
global para conter o aumento médio da temperatura terrestre em níveis bem
abaixo de 2°C, preferencialmente abaixo de 1,5°C. Em fevereiro de 2021, 124
países em todo o mundo declararam sua intenção de se tornarem neutros em carbono
e atingir emissões líquidas de carbono zero, até 2050 ou 2060. Para atingir a
neutralidade de carbono e apoiar o desenvolvimento sustentável, é necessário
não apenas reduzir as emissões de CO2, mas também remover o CO2 da atmosfera
para alcançar emissões líquidas de carbono zero ou carbono negativo por meio de
diversas ações sociais, econômicas, ambientais e tecnológicas.
Segundo
Chen (2022)(2) no geral, dos 198 países que se comprometeram a atingir metas de
neutralidade de carbono, apenas 4,5% já atingiram a neutralidade de carbono,
8,6% legislaram para atingir metas de neutralidade de carbono, 10,6% declararam
ou se comprometeram a atingir metas de neutralidade de carbono, 29,3%
formularam políticas para atingir as metas de neutralidade de carbono, e os 47%
restantes estão em processo de discussão de documentos relevantes para alcançar
a neutralidade de carbono. Além disso, 120 dos 198 países, ou 60,6%, pretendem
alcançar a neutralidade de carbono até 2050–2070, o que na prática impede o
cumprimento de evitar que o aquecimento global esteja limitado a 1,5 graus,
limite indicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (3)
para evitar que as mudanças climáticas se tornem irreversíveis.
O
fato concreto é que nesse momento, ao invés de redução de emissão de gases de
efeito estufa, o volume de emissões tem aumentado ano a ano no planeta. Essa é
a justificativa que alicerça o chamado feito por Lula para uma nova governança
global, atualizada para as necessidades e desafios impostos a todos os países
do mundo.
Durante
os dois primeiros governos de Lula, e nos seguintes da presidenta Dilma
Rousseff, o Brasil foi protagonista no cumprimento dos compromissos climáticos
e na afirmação da necessidade dessa nova governança global. A COP 25, Conferência
do Clima da ONU, deveria ter sido realizada no Brasil em 2019; em virtude do
golpe imposto à presidenta Dilma, o presidente que tomava posse em 2019 era
Bolsonaro, que marcou o início da sua política antiambiental cancelando o
compromisso brasileiro de realizar a Conferência do Clima no Brasil.
Na
época, como secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco,
fomos instados por um conjunto de instituições da sociedade civil a hospedar a
primeira Conferência Brasileira de Mudança do Clima no Recife, que hoje está na
sua quarta edição. Reunimos em caráter de Frente Ampla não só entidades da
sociedade civil, centros de pesquisa e empresas, mas também congregamos os 27
estados brasileiros através das suas secretarias e órgãos ambientais. Tivemos a
presença de 9 governadores, dentre eles o governador anfitrião Paulo Câmara que
aceitou o desafio de, em menos de seis meses, receber mais de 2400
participantes que prepararam a participação do Brasil na COP 25 que acabou se
realizando em Madrid naquele mesmo ano. Isso foi repetido em Glasgow na COP 26,
e agora em Sharm el-Sheikh na COP 27, demonstrando que o Brasil é uma Federação
que em conjunto com o governo central é composto de Municípios, Estados e uma
sociedade civil ativa. Dessa forma, ao longo desses anos de resistência ao
negacionismo climático de Bolsonaro, o contraponto foi feito.
Aqui
na COP 27, na sua primeira agenda internacional, o recém eleito presidente Lula
lançou a candidatura do Brasil para realizar a COP 30 na Amazônia. Não voltamos
no tempo, nosso olhar é para o futuro! O apoio do novo governo Lula à
realização da Conferência do Clima no Brasil, em 2025, é a afirmação de que
nosso compromisso climático permanece firme e forte.
Nesses
tempos de resistência, nossa primeira tarefa foi afastar o fascismo da direção
da Presidência da República. Agora chegou a hora de voltarmos a implantar
políticas de desenvolvimento sustentáveis no Brasil, além de impulsionar a
governança internacional do enfrentamento das mudanças climáticas e da sustentabilidade
do planeta. O Brasil voltou!
Notas:
1
– Acordo de Paris (https://brasil.un.org/pt-br/node/88191)
2
– Chen et al., Strategies to achieve a carbon neutral society: a review,
ENVIRONMENTAL CHEMISTRY LETTERS, Volume 20, Edição 4, Página 2277-2310,
DOI10.1007/s10311-022-01435-8
3
– Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/
José Bertotti é Professor, ex-secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco e mestre em Engenharia de Produção (UFPE)
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