Besteiróis da IA
Para ela, não escrevi a biografia de Nelson
Rodrigues, mas de Nelson Cavaquinho. E se o herói de meu livro "Bilac Vê
Estrelas" deixar de ser Olavo Bilac e se tornar Olavo de Carvalho?
Ruy
Castro/Folha de S. Paulo
Em passagem
distraída pela internet, esbarrei num verbete a meu próprio respeito produzido
pela inteligência
artificial. O texto me classificou como autor de biografias. Até aí,
tudo bem. Só que das biografias de Carmen
Miranda, Garrincha e Nelson
Cavaquinho. Ao me ver atribuída a biografia do maravilhoso sambista,
autor de "A Flor e o Espinho", enrubesci. Não tenho essa honra, e não
por falta de admiração por Nelson. Não apenas o conheci como, na flor dos 19
anos, bebi com ele algumas vezes num botequim da Lapa –ele, cachaça; eu, Crush.
Mas a vida tem seus desígnios e acabei mesmo como biógrafo de Nelson
Rodrigues, não Cavaquinho.
Tal besteirol
não é privilégio da IA. Em 1992, quando saiu meu livro "O Anjo
Pornográfico", um repórter de TV, ao me entrevistar, perguntou: "E
então, Ruy, fale-me de seu livro sobre o Nelson Gonçalves". Não resisti:
"Não é sobre o Nelson Gonçalves. É sobre o Nelson Ned." O repórter
não se deu por achado e falei de Nelson Ned como o autor de "Vestido de
Noiva". E, se ele não tivesse confundido o Rodrigues com o Gonçalves,
poderia ter sido com o Nelson Motta ou o Nelson Sargento.
Hoje, com as
barbas de molho, estou à espera de que a IA me defina como biógrafo não de
Carmen Miranda, mas de outras grandes Carmens brasileiras –entre elas, Carmen
Santos, cineasta pioneira; Carmen Costa, sambista, cantora de "Está
Chegando a Hora"; Carmen Veronica, monumental vedete dos anos 1960, nunca
superada; Carmen Portinho, brava urbanista, educadora e feminista; e a ministra
Cármen Lúcia, do STF, que garantiu nossa liberdade de trabalho como biógrafos
com seu imortal "Cala a boca já morreu".
Em biografia
ou ficção, tratei de muita gente que admiro. Um deles, o poeta Olavo Bilac,
protagonista de meu romance "Bilac Vê Estrelas". E se a IA o
confundir com o falecido astrólogo fascista Olavo de Carvalho? Como levar aos
tribunais, em defesa da honra, uma "ferramenta" que, por ser
artificial, não existe na vida real?
Garrincha, por
sorte, só existe um.
Veja: Chico Pinheiro entrevista Cida Pedrosa https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/10/chico-pinheiro-entrevista-cida-pedrosa.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário