09 novembro 2022

Gal, ícone da MPB

Morre a cantora Gal Costa, aos 77 anos

Artista estava se recuperando de uma cirurgia realizada em setembro
O Globo

 

A cantora Gal Costa morreu na manhã desta quarta-feira (9), aos 77 anos. A assessoria da artista confirmou a informação, mas a causa da morte ainda não foi divulgada.

Gal Costa estava afastada dos palcos para se recuperar de uma cirurgia realizada em setembro para retirar um nódulo na fossa nasal direita. A cantora chegou a cancelar de última hora a participação que faria no festival Primavera Sound, em São Paulo, no último fim de semana. Segundo as recomendações médicas, ela deveria dar uma pausa nos shows até o fim de novembro.

Desde outubro do ano passado, ela rodava o Brasil com a turnê do show "As várias pontas de uma estrela", no qual revisitava grandes sucessos dos anos 80 da MPB, incluindo "Açaí", "Nada mais", "Sorte" e "Lua de mel". A agenda da cantora previa ainda shows na Europa ainda neste ano.

Em abril, Gal Costa chegou a se apresentar em um dos maiores festivais do estado do Rio, o Rock the Mountain, em Itaipava, na região Serrana, e fez uma homenagem à amiga Rita Lee, recém-curada de um câncer de pulmão. "Eu vou cantar uma música da Rita Lee e quero que vocês cantem com força pra ela ficar radicalmente curada”, convidou antes de cantar "Bem-me-quer", música de Rita lançada em 1980.

Em entrevista recente ao GLOBO, a artista falou sobre seu último disco "Nenhuma dor", com participações de Zeca Veloso, Tim Bernardes e Seu Jorge. Na ocasião, ela declarou que era "preciso se posicionar diante da burrice de quem é contra a vacina".

Ícone da MPB

Maria da Graça Costa Penna Burgos nasceu em 26 de setembro de 1945, em Salvador. Ainda menina, nos anos 1960, todos a conheciam como Gracinha, dona de uma voz suave e afinada. Um dia, ela encontrou o mito da bossa nova, João Gilberto, que ao ouvi-la terá dito: “Você é a maior cantora do Brasil.”

Rebatizada de Gal Costa, ela não demoraria a confirmar a profecia de João: do começo na bossa, Gal adentrou o Tropicalismo ao lado de Caetano Veloso e Gilberto Gil, seguiu pelos caminhos da MPB e do pop, e se estabeleceu como uma das maiores vozes femininas em um país de enormes vozes femininas.

Consagrada por sua interpretação cristalina, que pôs a serviço dos maiores compositores da música brasileira (Dorival Caymmi, Ary Barrroso e Tom Jobim mereceram dela álbuns inteiros), Gal Costa também se destacou como um ícone da revolução comportamental.

Em poucos anos, a cantora que estreara em LP em 1967 (com “Domingo”, ao lado de Caetano Veloso), ainda bossanovista e comportada, soltou voz e cabelos, aderiu às guitarras elétricas e adotou o ideário hippie na areias de Ipanema, nas Dunas do Barato, que em 1971 passaram a ser conhecidas como as Dunas da Gal.

Começo em Salvador

Ao lado de Caetano, Gil, Maria Bethânia e Tom Zé, seus colegas de Salvador, Gal estreou em 1964 o espetáculo “Nós, por exemplo...”, que inaugurou o Teatro Vila Velha. Logo, ela estava indo para o Rio, nos passos de Bethânia, que em 1965 assumiu o posto de Nara Leão no musical “Opinião”. A primeira gravação em disco se deu naquele ano, no LP de estreia da irmã de Caetano, no duo “Sol negro”, de Caetano. Em seguida, Gal gravou o primeiro compacto, com “Eu vim da Bahia” (de Gil) e “Sim, foi você” (de Caetano).

Depois de uma participação no I Festival Internacional da Canção, em 1966, com “Minha senhora” (Gil e Torquato Neto), Gal Costa lançou na gravadora Philips o disco com Caetano Veloso — que também estreava em LP, e que nunca deixou de estar perto de Gal, seja fornecendo canções, produzindo discos ou oferecendo o filho Moreno para que ela fosse sua madrinha.

Na revolução tropicalista promovida por Caetano e Gil em 1968, no disco “Tropicália ou Panis et Circencis”, Gal foi a voz de “Mamãe coragem” (Caetano e Torquato), “Parque Industrial” (Tom Zé, de quem ela chegou a ser namorada na época) e “Enquanto seu lobo não vem” (Caetano), além de “Baby”, outra de Caetano, que se tornou seu primeiro grande sucesso.

“Baby” fez parte do primeiro LP solo da cantora, “Gal Costa”, de 1969, um disco elétrico que antecedeu a psicodelia toral de “Gal”, disco do mesmo ano, em que ela gravou “Meu nome é Gal” (homenagem de Roberto e Erasmo Carlos) e “Cinema Olympia” (Caetano).

Com a prisão e o exílio dos líderes tropicalistas, Gal assumiu o legado do movimento em discos radicais, cultutados, como “Legal” (1970) e “Fa-Tal / Gal a todo vapor”, nascido de célebre show, dirigido em 1971 pelo poeta Waly Salomão. Cantada por Gal nesse disco, “Vapor barato” (de Waly e Jards Macalé) viraria uma espécie de hino da contracultura brasileira – revivido em 1995 no filme “Terra estrangeira”, de Walter Salles e Daniela Thomas.

Com a volta de Gil e Caetano ao Brasil, Gal Costa gravaria discos da maior importância para a música brasileira, como “Índia” (1973), “Cantar” (1974) e “Gal canta Caymmi” (1976), que trouxeram interpretações clássicas de “Barato total” (Gil) e “A rã” (João Donato e Caetano) e “Só louco” (Caymmi).

Gal também marcaria seu nome na MPB ao cantar duas outras de Caymmi: “Modinha para Gabriela”, tema de abertura da novela “Gabriela” (1975) e “Oração de Mãe Menininha” – esta em dueto com Maria Bethânia, ao lado de quem, em 1976, junto com Gil e Caetano, formou o grupo Doces Bárbaros, que lançou disco e correu o Brasil em lendária turnê (o grupo voltou a se reunir, brevemente, em 2002).

A conquista das rádios

O fim dos anos 1970 veria a transformação de Gal de cantora cult e deusa da contracultura em um dos nomes mais populares da MPB. Primeiro disco de ouro de sua carreira, “Água viva” (1978) estourou “Folhetim” (Chico Buarque), “Olhos verdes” (Vicente Paiva) e “Paula e Bebeto” (Milton Nascimento e Caetano). O seguinte, “Gal tropical” (nascido de um show muito bem-sucedido), fez ainda mais sucesso nas rádios, com “Balancê” (João de Barro e Alberto Ribeiro), “Força estranha” e com as regravações de “Índia” e “Meu nome é Gal”.

Os anos 1980 foram de grande êxito para Gal. Em 1981, ela estrelou na TV Globo o musical “Maria da Graça Costa Penna Burgos” e no ano seguinte lançou o LP “Minha voz”, de alta rotação nas rádios com “Azul” (Djavan), “Dom de iludir”, “Luz do sol” (ambas de Caetano) e “Bloco do prazer” (Moraes Moreira e Fausto Nilo).

Mais sucesso, bem como alguns puxões de orelha da crítica (por um suposto excesso de comercialismo, no afã de agradar as rádios), viriam com “Chuva de prata” (Ed Wilson e Ronaldo Bastos), “Sorte” (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, cantada em dueto com Caetano) e “Um dia de domingo” (Michael Sullivan e Paulo Massadas), esta em imortal dueto com Tim Maia. Em 1985, ainda sem ligar para o que se pudesse dizer dela, a cantora posou nua para ensaio fotográfico da revista masculina “Status”.

Admirada por suas gravações de “Vaca profana” (Caetano) e “Brasil” (sucesso de Cazuza que ela gravou para a abertura da novela “Vale tudo”, de 1988), Gal não escapou, no entanto, da polêmica na década seguinte: dirigida por Gerald Thomas no vanguardista show do disco “O sorriso do gato de Alice” (1993), ela escandalizou alguns ao mostrar os seios quando cantava “Brasil”. Em 1997, Gal se rendeu ao “Acústico MTV” (que rendeu o hits “Lanterna dos afogados”, cantado com Herbert Vianna; e “Vapor barato / Flor da pele”, com Zeca Baleiro).

Aproximação com a juventude

Para Gal Costa, os anos 2000 foram de projetos mais esparsos e de maior dedicação à família (em 2007, ela adotou o filho, Gabriel). Aos poucos, porém, ela foi se aproximando de um público mais jovem, que a conhecera em seus discos dos anos 1970 e 80.

O primeiro movimento foi feito em 2011, com o lançamanto de “Recanto”, disco de canções inéditas de Caetano Veloso, gravadas com arranjos de música eletrônica e produção de Caetano e do afilhado Moreno. Elogiado pela crítica, o disco rendeu um show em que Gal surpreendeu pelo humor ao cantar “Um dia de domingo” fazendo as suas vozes e também as de Tim Maia.

Sob a direção do produtor Marcus Preto, Gal gravaria ainda os álbuns “Estratosférica” (2014) e “A pele do futuro” (2018), nos quais gravaou canções e dividiu vocais de novos nomes da música brasileira, como Mallu Magalhães, Marcelo Camelo, Tim Bernardes, Silva e Dani Black. Em 2017, ela se juntou a Gilberto Gil e Nando Reis no projeto de shows Trinca de Ases.

Este ano, no Primavera Sound, era esperado que Gal (presença assídua na escalação dos festivais de música do Brasil nos últimos anos) apresentasse a recriação, 50 anos depois, do show “Fa-tal”. Em 9 de março do ano que vem, estreia “Meu nome é Gal”, filme de Dandara Ferreira e Lô Politi, que recria na ficção (com Sophie Charlotte no papel da cantora), a transformação de Gal nos anos de 1967 e 1971, os quais passou no Rio de Janeiro.

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