Morre a cantora Gal Costa, aos 77 anos
Artista estava se
recuperando de uma cirurgia realizada em setembro
O
Globo
A cantora Gal Costa morreu na manhã desta quarta-feira
(9), aos 77 anos. A assessoria da artista confirmou a informação, mas a causa
da morte ainda não foi divulgada.
Gal Costa estava afastada
dos palcos para se recuperar de uma cirurgia realizada em setembro para retirar
um nódulo na fossa nasal direita. A cantora chegou a cancelar de última hora a
participação que faria no festival Primavera Sound, em São Paulo, no último fim
de semana. Segundo as recomendações médicas, ela deveria dar uma pausa nos
shows até o fim de novembro.
Desde outubro do
ano passado, ela rodava o Brasil com a turnê do show "As várias pontas de
uma estrela", no qual revisitava grandes sucessos dos anos 80 da MPB,
incluindo "Açaí", "Nada mais", "Sorte" e
"Lua de mel". A agenda da cantora previa ainda shows na Europa ainda
neste ano.
Em abril, Gal
Costa chegou a se apresentar em um dos maiores festivais do estado do Rio, o Rock the
Mountain, em Itaipava, na região Serrana, e fez uma
homenagem à amiga Rita Lee, recém-curada de um câncer de pulmão. "Eu vou
cantar uma música da Rita Lee e quero que vocês cantem com força pra ela ficar
radicalmente curada”, convidou antes de cantar "Bem-me-quer", música
de Rita lançada em 1980.
Em entrevista recente ao
GLOBO, a artista falou sobre seu último disco "Nenhuma dor", com
participações de Zeca Veloso, Tim Bernardes e Seu Jorge. Na ocasião, ela
declarou que era "preciso se posicionar diante da burrice de quem é contra
a vacina".
Ícone da MPB
Maria da Graça Costa Penna Burgos nasceu em 26 de setembro de
1945, em Salvador. Ainda menina, nos anos 1960, todos a conheciam como
Gracinha, dona de uma voz suave e afinada. Um dia, ela encontrou o mito da
bossa nova, João Gilberto, que ao ouvi-la terá dito: “Você é a maior cantora do
Brasil.”
Rebatizada de Gal Costa,
ela não demoraria a confirmar a profecia de João: do começo na bossa, Gal
adentrou o Tropicalismo ao lado de Caetano Veloso e Gilberto Gil, seguiu pelos
caminhos da MPB e do pop, e se estabeleceu como uma das maiores vozes femininas
em um país de enormes vozes femininas.
Consagrada por sua
interpretação cristalina, que pôs a serviço dos maiores compositores da música
brasileira (Dorival Caymmi, Ary Barrroso e Tom Jobim mereceram dela álbuns
inteiros), Gal Costa também se destacou como um ícone da revolução
comportamental.
Em poucos anos, a cantora
que estreara em LP em 1967 (com “Domingo”, ao lado de Caetano Veloso), ainda
bossanovista e comportada, soltou voz e cabelos, aderiu às guitarras elétricas
e adotou o ideário hippie na areias de Ipanema, nas Dunas do Barato, que em
1971 passaram a ser conhecidas como as Dunas da Gal.
Começo em Salvador
Ao lado de Caetano, Gil, Maria Bethânia e Tom Zé, seus colegas de
Salvador, Gal estreou em 1964 o espetáculo “Nós, por exemplo...”, que inaugurou
o Teatro Vila Velha. Logo, ela estava indo para o Rio, nos passos de Bethânia,
que em 1965 assumiu o posto de Nara Leão no musical “Opinião”. A primeira
gravação em disco se deu naquele ano, no LP de estreia da irmã de Caetano, no
duo “Sol negro”, de Caetano. Em seguida, Gal gravou o primeiro compacto, com
“Eu vim da Bahia” (de Gil) e “Sim, foi você” (de Caetano).
Depois de uma participação
no I Festival Internacional da Canção, em 1966, com “Minha senhora” (Gil e Torquato Neto), Gal Costa lançou na gravadora
Philips o disco com Caetano Veloso — que também estreava em LP, e que nunca
deixou de estar perto de Gal, seja fornecendo canções, produzindo discos ou
oferecendo o filho Moreno para que ela fosse sua madrinha.
Na revolução tropicalista
promovida por Caetano e Gil em 1968, no disco “Tropicália ou Panis et
Circencis”, Gal foi a voz de “Mamãe coragem” (Caetano e Torquato), “Parque
Industrial” (Tom Zé, de quem ela chegou a ser namorada na época) e “Enquanto
seu lobo não vem” (Caetano), além de “Baby”, outra de Caetano, que se tornou
seu primeiro grande sucesso.
“Baby” fez parte do
primeiro LP solo da cantora, “Gal Costa”, de 1969, um disco elétrico que
antecedeu a psicodelia toral de “Gal”, disco do mesmo ano, em que ela gravou
“Meu nome é Gal” (homenagem de Roberto e Erasmo Carlos) e “Cinema Olympia”
(Caetano).
Com a prisão e o exílio
dos líderes tropicalistas, Gal assumiu o legado do movimento em discos
radicais, cultutados, como “Legal” (1970) e “Fa-Tal / Gal a todo vapor”,
nascido de célebre show, dirigido em 1971 pelo poeta Waly Salomão. Cantada por
Gal nesse disco, “Vapor barato” (de Waly e Jards Macalé) viraria uma espécie de
hino da contracultura brasileira – revivido em 1995 no filme “Terra
estrangeira”, de Walter Salles e Daniela Thomas.
Com a volta de Gil e
Caetano ao Brasil, Gal Costa gravaria discos da maior importância para a música
brasileira, como “Índia” (1973), “Cantar” (1974) e “Gal canta Caymmi” (1976),
que trouxeram interpretações clássicas de “Barato total” (Gil) e “A rã” (João
Donato e Caetano) e “Só louco” (Caymmi).
Gal também marcaria seu nome
na MPB ao cantar duas outras de Caymmi: “Modinha para Gabriela”, tema de
abertura da novela “Gabriela” (1975) e “Oração de Mãe Menininha” – esta em
dueto com Maria Bethânia, ao lado de quem, em 1976, junto com Gil e Caetano,
formou o grupo Doces Bárbaros, que lançou disco e correu o Brasil em lendária
turnê (o grupo voltou a se reunir, brevemente, em 2002).
A
conquista das rádios
O fim dos anos 1970 veria a transformação de Gal de cantora cult e
deusa da contracultura em um dos nomes mais populares da MPB. Primeiro disco de
ouro de sua carreira, “Água viva” (1978) estourou “Folhetim” (Chico Buarque),
“Olhos verdes” (Vicente Paiva) e “Paula e Bebeto” (Milton Nascimento e
Caetano). O seguinte, “Gal tropical” (nascido de um show muito bem-sucedido),
fez ainda mais sucesso nas rádios, com “Balancê” (João de Barro e Alberto
Ribeiro), “Força estranha” e com as regravações de “Índia” e “Meu nome é Gal”.
Os anos 1980 foram de
grande êxito para Gal. Em 1981, ela estrelou na TV Globo o musical “Maria da
Graça Costa Penna Burgos” e no ano seguinte lançou o LP “Minha voz”, de alta
rotação nas rádios com “Azul” (Djavan), “Dom de iludir”, “Luz do sol” (ambas de
Caetano) e “Bloco do prazer” (Moraes Moreira e Fausto Nilo).
Mais sucesso, bem como
alguns puxões de orelha da crítica (por um suposto excesso de comercialismo, no
afã de agradar as rádios), viriam com “Chuva de prata” (Ed Wilson e Ronaldo
Bastos), “Sorte” (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, cantada em dueto com Caetano)
e “Um dia de domingo” (Michael Sullivan e Paulo Massadas), esta em imortal
dueto com Tim Maia. Em 1985, ainda sem ligar para o que se pudesse dizer dela,
a cantora posou nua para ensaio fotográfico da revista masculina “Status”.
Admirada por suas
gravações de “Vaca profana” (Caetano) e “Brasil” (sucesso de Cazuza que ela
gravou para a abertura da novela “Vale tudo”, de 1988), Gal não escapou, no
entanto, da polêmica na década seguinte: dirigida por Gerald Thomas no
vanguardista show do disco “O sorriso do gato de Alice” (1993), ela
escandalizou alguns ao mostrar os seios quando cantava “Brasil”. Em 1997, Gal
se rendeu ao “Acústico MTV” (que rendeu o hits “Lanterna dos afogados”, cantado
com Herbert Vianna; e “Vapor barato / Flor da pele”, com Zeca Baleiro).
Aproximação
com a juventude
Para Gal Costa, os anos 2000 foram de projetos mais esparsos e de
maior dedicação à família (em 2007, ela adotou o filho, Gabriel). Aos poucos,
porém, ela foi se aproximando de um público mais jovem, que a conhecera em seus
discos dos anos 1970 e 80.
O primeiro movimento foi
feito em 2011, com o lançamanto de “Recanto”, disco de canções inéditas de
Caetano Veloso, gravadas com arranjos de música eletrônica e produção de
Caetano e do afilhado Moreno. Elogiado pela crítica, o disco rendeu um show em
que Gal surpreendeu pelo humor ao cantar “Um dia de domingo” fazendo as suas
vozes e também as de Tim Maia.
Sob a direção do produtor
Marcus Preto, Gal gravaria ainda os álbuns “Estratosférica” (2014) e “A pele do
futuro” (2018), nos quais gravaou canções e dividiu vocais de novos nomes da
música brasileira, como Mallu Magalhães, Marcelo Camelo, Tim Bernardes, Silva e
Dani Black. Em 2017, ela se juntou a Gilberto Gil e Nando Reis no projeto de
shows Trinca de Ases.
Este ano, no Primavera
Sound, era esperado que Gal (presença assídua na escalação dos festivais de
música do Brasil nos últimos anos) apresentasse a recriação, 50 anos depois, do
show “Fa-tal”. Em 9 de março do ano que vem, estreia “Meu nome é Gal”, filme de
Dandara Ferreira e Lô Politi, que recria na ficção (com Sophie Charlotte no
papel da cantora), a transformação de Gal nos anos de 1967 e 1971, os quais
passou no Rio de Janeiro.
As múltiplas cores da vida https://bit.ly/3fQkBY8
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