Cláudio Carraly*
O SUS não existe! A omissão dos parlamentares durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, influenciada pelo poderoso lobby da saúde privada, gerou repercussões profundas e marcou indelevelmente a estrutura do próprio país. Esta lacuna não apenas privou milhões de brasileiros de acesso à saúde, mas também moldou dinâmicas sociais, econômicas e políticas por décadas. A ausência do Sistema Único de Saúde exacerbou as desigualdades sociais e de saúde existentes, sem um sistema de saúde universal, os que possuíam recursos financeiros acessavam cuidados médicos de qualidade, enquanto os menos favorecidos enfrentavam negações constantes ou limitações severas ao seu direito inalienável à saúde. Os mais afetados por essa desigualdade eram os grupos vulneráveis, como os pobres, idosos, pessoas com deficiência e portadores de doenças crônicas, todos esse foram relegados à margem do sistema de saúde nacional, e viraram cidadãos de segunda classe.
Sem os cuidados médicos básicos, houve um aumento alarmante de doenças evitáveis e crônicas negligenciadas, tuberculose, hanseníase e HIV/Aids ressurgiram, não apenas como ameaças à saúde individual, mas como crises de saúde pública em larga escala. O colapso dos serviços de saúde pública agravou ainda mais as condições de vida em áreas remotas e carentes, onde o acesso à saúde já era precário, além disso, a inexistência do SUS teve implicações significativas na economia do país, doenças não tratadas reduziram a produtividade da força de trabalho, minando o crescimento econômico e a competitividade internacional do Brasil. O ônus financeiro crescente da saúde empurrou muitos para um ciclo de pobreza e desigualdade, cujos efeitos persistem até hoje, dificultando o progresso social e econômico nacional.
Com a ausência de um sistema de saúde universal, ocorreu uma sobrecarga dos serviços de emergência, transformando-os na principal opção de atendimento para muitos brasileiros sem acesso regular aos serviços de saúde, a ausência de cuidados preventivos contribuiu para um aumento alarmante nas visitas às salas de emergência, especialmente nas Santas Casas, que ainda oferecem algum tipo de atendimento gratuito. Muitas condições poderiam ter sido tratadas de maneira eficaz em estágios iniciais, mas a falta de acesso prévio resultou em longos tempos de espera, exacerbando a condição de saúde dos pacientes e aumentando os custos e a pressão sobre os profissionais de saúde nestes ambientes críticos.
A falta de um sistema unificado que coordenasse tanto as esferas públicas quanto privadas tem sido um obstáculo significativo para a implementação eficaz de políticas de prevenção e promoção de saúde. A falta de coordenação entre esses diversos atores, resultou em abordagens fragmentadas e desarticuladas. Esse cenário comprometeu a eficácia dessas intervenções, levando a uma alocação ineficiente dos poucos recursos alocados além da subutilização dos serviços disponíveis, isso não apenas prejudicou o bem-estar da população, mas também ajudou a minar a sustentabilidade da já precária estrutura de atendimento nos estados e municípios.
A inexistência de um sistema único teve impacto profundo que reverberou não apenas na esfera da saúde pública, mas também afetou significativamente o turismo e o comércio internacional. Surto de doenças infecciosas e uma infraestrutura de saúde precária afugentaram investidores estrangeiros e turistas, corroendo a reputação do país como um destino seguro, grandes eventos, como festivais, competições esportivas e fóruns internacionais, relegaram o Brasil a uma posição menos desejável de escolha. Além disso, a interseção evidente entre saúde e educação revelou um drama considerável: a falta de acesso a cuidados médicos adequados resultou em dificuldades persistentes para que crianças e jovens frequentassem regularmente a escola, comprometendo seu desempenho acadêmico e suas perspectivas futuras, este ciclo vicioso alimentou um aumento nas taxas de evasão escolar e uma queda na qualidade da educação, exacerbando os desafios de desenvolvimento do país.
As comunidades suportaram o peso dessa falha sistêmica, desprovidas de recursos e enfrentando barreiras geográficas e financeiras, viram-se à mercê de condições precárias, exacerbando suas vulnerabilidades. Como resultado direto, os níveis de tensão social escalaram, alimentados pela sensação de injustiça e abandono, tornando-se um catalisador para conflitos e instabilidade política, à medida que as comunidades se sentiam cada vez mais desassistidas e desamparadas, a confiança nas instituições começou a erodir, isso criou um terreno fértil para protestos, e confrontos diretos com as autoridades. Infelizmente, em vez de abordar as raízes desses problemas, o Estado optou por uma resposta repressiva, intensificando a opressão contra a população, a aplicação de medidas de segurança desproporcionais apenas exacerbou a alienação e a desconfiança por parte da sociedade, minando ainda mais a coesão social já frágil.
Em um Brasil onde a ideia do sistema universal de saúde nunca se concretizou, se ergue uma muralha de desespero para milhões de cidadãos, doenças, muitas das quais poderiam ser evitadas, espreitam em cada esquina como sombras nefastas, ceifando vidas e dilacerando sonhos com voracidade insaciável, neste sombrio panorama, a desigualdade social se arrasta como uma ferida aberta, envenenando a alma da nação e a lançando em um abismo, onde a esperança é apenas uma miragem distante. A ausência de um sistema universal não apenas escancara as profundas falhas de um país, mas também desvela um Brasil distópico, onde o direito à vida se torna um privilégio inalcançável para as massas, enquanto uma ínfima elite desfruta dos cuidados médicos necessários.
Mas que bom que essa realidade sombria não se concretizou, graças à luta incansável do povo brasileiro, o SUS se ergueu como um farol de esperança, iluminando o caminho para um futuro mais saudável e justo, hoje, celebramos essa conquista histórica, mas conscientes de que a batalha ainda não terminou. Reconhecer seu valor como uma conquista fundamental do povo brasileiro e trabalhar incansavelmente por sua preservação e fortalecimento é essencial para garantir um futuro mais saudável, justo e equitativo para todos os membros da sociedade. O Sistema Único de Saúde é um organismo vivo, em constante construção e aperfeiçoamento. É preciso nutri-lo com investimentos, fortalecê-lo com políticas públicas eficazes e defendê-lo com unhas e dentes contra os ataques daqueles que insistem em ver a saúde como uma mercadoria.
A preservação e o fortalecimento do SUS transcendem o âmbito das políticas públicas, sendo um compromisso moral inegociável que demanda ação incessante e vigilância constante. É nossa responsabilidade coletiva zelar por esse bastião de justiça social, assegurando que permaneça como o pilar fundamental do bem-estar de toda a sociedade brasileira, devemos trabalhar incansavelmente para garantir o acesso universal a serviços de saúde de qualidade, pois isso não é apenas um direito, mas um imperativo ético. Ao fortalecer o SUS, estamos construindo um futuro onde a vida não seja um privilégio reservado a alguns, mas sim um direito inalienável de todos, e por tudo isso... Viva o SUS!
*Advogado, ex-secretário-executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
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