04 dezembro 2021

Faces de um desafio

Educação e desenvolvimento: o encontro entre esperança e progresso

Danilo Moreira*

 

“Sabemos, entretanto, que a história, precisamente por ser história, isto é, desenvolvimento e mudança, jamais se repete, não obstante o caráter obviamente cíclico de muitos dos seus processos. Uma coisa, porém, é certa: a de que a nova geração, precisamente como a minha, deve estar preparada para a luta, para rijos combates, que exigem bravura e inteligência.”

Ignacio Rangel

“Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”

Paulo Freire


O intelectual maranhense Ignácio Rangel, que atuou com protagonismo no último Governo Vargas, captou a dinâmica da dependência do Brasil diante das economias centrais, no curso da unificação do mercado mundial. Constituem-se os centros e periferias, sucedendo à relação entre colônias e metrópoles, mas mantendo nas economias centrais o poder de influenciar as demais. No curso das suas crises, o capitalismo aprofunda ainda mais a dependência das economias periféricas. Especialmente quando, em momentos ascendentes, estas economias expandem seu comércio exterior e a aquisição de commodities e máquinas, dinamizando também as economias periféricas para, em seguida, diante de uma crise, reduzir esta demanda, gerando um impacto certeiro nestas economias.

Rangel observou um dinamismo brasileiro de tal ordem que, mesmo em meio às crises, o Brasil tivera momentos econômicos virtuosos, pois a diminuição do comércio exterior e das importações favoreceu-nos crescer e produzir localmente. Em outras palavras, momentos de crise econômica mundial podem abrir brechas para saltos tecnológicos e oportunidades ao nosso desenvolvimento social e econômico, tal como ocorreu após a Revolução de 30 que iniciou a Era Vargas. Para tanto, considero importante que tenhamos aguçada uma consciência nacional e nos preparemos para aproveitar estas oportunidades.

A partir de Paulo Freire e Rangel, citados na epígrafe, percebe-se que nem só de educação se faz o país, mas também de economia, mercado interno, indústria, tecnologia e relações comerciais. E é naquilo que a educação propicia de fortalecimento da economia, que ela muda a realidade, ao promover o grande encontro entre educação e desenvolvimento.

Uma sociedade democrática e voltada ao desenvolvimento carece de indústria, serviços qualificados, mercado interno forte e prosperidade comum. Por isso, valorizamos a relação estudo-trabalho, caminho de oportunidade e futuro, na contramão da visão herdada do Escravismo, que desvaloriza o trabalho e não aposta na qualificação.  Foi a visão típica de economias monocultoras, extrativistas e fundadas em desigualdades, que ficaram para trás no curso da globalização.  As qualificações que impulsionamos apontam qual economia desejamos. Educamos para o progresso social, tecnológico e econômico, ou a educação servirá a perpetuar a miséria, a baixa qualificação e salários, e o trabalho precário.

Ao longo do tempo, observamos na Educação o confronto entre duas visões problemáticas: de um lado a escola livresca, propedêutica e descolada da realidade do estudante e, por outro lado, uma escola acrítica e meramente profissionalizante para os mais pobres. O desafio é enfrentar este falso antagonismo, qualificar a educação em todas as suas dimensões e criar condições para o jovem escolher sua trajetória de vida.

Nesse tempo em que vivemos, tornou-se ainda mais importante assegurarmos oportunidades de acesso e permanência ao ensino médio e superior, mas tal objetivo não pode ser visto de maneira idealizada e descontextualizada. Na vida real, a maioria dos estudantes não chegará à universidade e precisará se incorporar ao mundo do trabalho. Em muitos casos, a própria continuidade dos estudos depende dessa possibilidade de trabalho e renda, e permitirá a própria fruição da condição juvenil – profundamente marcada pelas possibilidades do consumo. É um momento decisivo para as oportunidades educacionais que terão ao longo da vida.

Tais questões se tornam ainda mais relevantes quando observamos as mudanças no mundo do trabalho apontarem para a precarização das relações laborais e à crise profunda do emprego com direitos básicos e carteira assinada. Especialmente após a pandemia, ganhou ainda mais força a chamada economia de plataformas digitais, que pode gerar soluções fantásticas para atividades sustentáveis, mas na prática, tem oferecido condições de trabalho sub-humanas para microempreendedores, jovens entregadores e motoristas, por exemplo.

Vivemos sob um ambiente político e econômico que desfavorece o emprego, amplia a informalidade, a precarização, o extrativismo e a degradação ambiental e coloca milhões de jovens na situação de nem estudar, nem trabalhar. O trabalho precário, intermitente, que se destina à juventude, em grande medida inviabiliza o estudo. Assim, cada matrícula é uma vitória no sentido da escolarização e da qualificação profissional. Dito isto, é inevitável mais uma vez provocarmos a reflexão sobre a importância da articulação entre educação, desenvolvimento e estratégia de país.

É profundo o alerta de Paulo Freire, “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Não basta sermos consumidores, precisamos construir, sonhar, realizar. A Educação reproduz ou nos ajuda a superar as chagas crônicas de nossa formação como sociedade. Se conseguimos ou não, nos enxergar como parte de uma nação e de um projeto nacional que promova desenvolvimento e justiça social. Para tanto, precisamos investir em nossos talentos e apostar em nosso potencial tecnológico como parte do caminho para alcançar tão nobres objetivos.

Estamos imersos em um período muito difícil. Presenciamos uma degradação vivida pelo País em múltiplas dimensões. Tal situação não é obra do acaso. Aliás, em um jantar com lideranças conservadoras dos EUA, ainda em 2019, o Presidente Bolsonaro fez a seguinte afirmação:

“O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito feliz”.

Ainda assim, tivemos durante o último período inúmeras manifestações de resistência e vitórias, seja através da luta social, seja por políticas públicas efetivas, implementadas por governos progressistas e democráticos. O Governo do Maranhão é farto de bons exemplos em áreas como economia, proteção social, saúde e educação. 

Manter nosso povo conformado e com baixa autoestima só interessa aos que lucram com a destruição do Brasil e de nossos sonhos. Não há motivo que impeça   ao povo brasileiro de ser livre, culto e desenvolvido. Mas isso só será possível por um caminho próprio, de valorização da educação e do trabalho, do desenvolvimento produtivo e sustentável, da democracia política e econômica, da nação.

* Professor Licenciado em História, MBA em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas e atual Subsecretário de Educação do Maranhão

 Veja: Respostas a várias perguntas resumidas em 2 pontos https://bit.ly/3ppTPqL

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