Bolsonaro sem mandato estará na mira de STF, TSE e 1ª instância
Qualquer apuração sobre crime de responsabilidade, porém,
será encerrada quando o atual presidente deixar o cargo
Géssica Brandino e Flávio Ferreira, Folha de S. Paulo
As investigações sobre crimes comuns supostamente cometidos pelo
presidente da República, Jair Bolsonaro (PL),
poderão ir para a Justiça de primeira instância ou continuar no STF (Supremo Tribunal Federal) após ele deixar o
cargo, a partir de 1º de janeiro.
Sem mandato, as possibilidades de responsabilização de Bolsonaro
aumentam, assim como as chances de defesa. Como todas as investigações que
atingem o presidente estão em fase inicial de investigação, não há ações
criminais que possam levar Bolsonaro a ser condenado ou preso logo ao deixar o
cargo.
O presidente responderá ainda a processos na Justiça Eleitoral
que podem deixá-lo inelegível. Os pedidos de impeachment, por sua vez, perderão
a validade.
Entenda o futuro jurídico de Bolsonaro:
O QUE ACONTECE COM OS INQUÉRITOS CONTRA BOLSONARO NO
STF?
A regra geral é a de que os inquéritos contra políticos com foro especial por
prerrogativa de função, como é o caso do presidente da República, seguem para a
primeira instância quando eles deixam o cargo.
Porém há situações em que a investigação envolve também outras pessoas que mantêm o
foro especial. Nesse caso, para preservar a unidade das apurações e
evitar eventuais punições contraditórias, por diferentes tribunais, um
político, mesmo sem mandato, pode continuar sendo investigado pelo STF.
Até o momento, há cinco procedimentos em andamento contra
Bolsonaro na corte, todos sob relatoria do ministro Alexandre de
Moraes. Caberá ao magistrado definir o destino dessas investigações.
Bolsonaro e o senador eleito Sergio Moro são investigados por interferência na
Polícia Federal. O presidente também responde junto com o deputado
reeleito Filipe Barros (PL-PR) por vazamento de dados de
investigação sigilosa.
O presidente é investigado ainda por
notícias falsas sobre as urnas e o processo eleitoral e pela
suspeita de crimes durante a pandemia de
Covid-19, com base no relatório final da CPI da
Covid.
O professor de
direito processual penal da PUC-SP Cláudio Langroiva diz que ex-ocupantes de
cargos podem continuar sendo investigados em instâncias superiores caso as
apurações envolvam outras autoridades com mandatos, casos de Moro e Filipe
Barros.
"A lógica é
evitar que haja decisões conflitantes. O risco de você desmembrar é o de que
numa corte a decisão seja em um sentido e em outra corte seja em outro sentido.
Em casos de decisões conflitantes há um problema jurídico gigantesco: qual
decisão vai prevalecer?".
A advogada Marina
Coelho, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), diz
que nesses casos o desmembramento também prejudica o funcionamento do sistema
judicial.
"Nos casos de
desmembramento é preciso dobrar os procedimentos, ouvir as testemunhas duas
vezes. Se for possível manter a unicidade nos processos, ganha a Justiça, ganha
o Estado, que gasta menos, e ganha o cidadão, já que a resposta da Justiça será
mais certeira e única", afirma.
Helena Regina Lobo,
professora de direito penal da Faculdade de Direito da USP, afirma que o
Supremo separa os processos apenas em casos em que não há conexão entre as
provas. Ela considera mais provável que as ações sejam mantidas na corte, por
conta da complexidade.
Por outro lado,
Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da mesma faculdade, diz
que decisões anteriores do Supremo indicam que a tendência é dividir o
processo.
"A regra é
permanecer no STF só quem tem foro por prerrogativa de função, sendo o processo
cindido e remetido ao primeiro grau os acusados sem foro."
O QUE OCORRE COM AS REPRESENTAÇÕES FEITAS À PGR?
Depende. Gustavo Badaró (USP) diz que será preciso separar os
casos em que o STF acolheu o pedido de arquivamento da PGR (Procuradoria-Geral da República) –que só
poderão ser reabertos se aparecerem novas provas–, daqueles que nem chegaram a
ser abertos.
"Nos casos em que o PGR não instaurou investigação,
chegando em primeiro grau o procurador da República poderá instaurar uma
investigação para apurar se houve ou não crime".
Questionada pela reportagem, a PGR afirmou que, "com
exceção daquelas inautênticas, inidôneas ou destituídas de fundamento
mínimo", todas as investigações contra autoridades tramitam no STF, mas
não respondeu quantas representações foram feitas
contra Bolsonaro durante o mandato.
Enquanto Bolsonaro estiver no posto, apenas o PGR
(Procurador-Geral da República), Augusto Aras, pode apresentar denúncia contra
ele. Para que o processo tivesse andamento no Supremo, seria
necessário ainda o aval da Câmara dos Deputados.
No final de 2021, senadores da CPI da Covid apresentaram ao
procurador-geral o relatório final do colegiado, pedindo o indiciamento de Bolsonaro
sob suspeita dos crimes de charlatanismo, prevaricação, emprego
irregular de verbas públicas, epidemia com resultado de morte e infração de
medida sanitária preventiva.
Em julho, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, pediu o arquivamento de 7
das 10 apurações preliminares abertas com base nos trabalhos da
CPI, o que foi negado pela ministra
Rosa Weber em setembro, pouco antes de ser empossada como presidente
do STF.
Badaró diz que a prescrição de investigações é improvável, pois
o mandato dura quatro anos e o prazo mínimo para prescrição é de três anos.
Sem foro, Bolsonaro também poderá responder por supostos delitos cometidos
no período em que era deputado federal.
Como presidente, ele não podia responder criminalmente por fatos
não relacionados ao cargo. Badaró explica que nesses casos, o prazo de
prescrição permaneceu suspenso e volta a ser contado em janeiro.
COMO
A PERDA DE FORO IMPACTA A ATUAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL?
Sem o foro, a Polícia Federal poderá abrir outras investigações
contra Bolsonaro sem depender da autorização do STF, diz Badaró.
Porém na primeira instância várias medidas investigatórias ainda
dependerão de autorização dos juízes de primeiro grau, como quebra de sigilo e
busca e apreensão.
BOLSONARO
PODE SER PRESO AO DEIXAR A PRESIDÊNCIA?
Como todas as investigações que atingem o presidente estão em
fase inicial de investigação, não há ações criminais que possam levar Bolsonaro
a ser logo condenado ou preso ao
deixar o cargo.
No final de 2019, o Supremo mudou a regra sobre prisão
após condenação em segunda instância. A nova interpretação da corte
é que só após esgotados todos os recursos na esfera judicial é possível iniciar
o cumprimento da pena.
Badaró (USP) diz que a outra possibilidade, também remota, é de
o presidente ser alvo de um pedido de
prisão preventiva no curso de alguma investigação.
"Como qualquer pessoa, pode ser decretada uma prisão
preventiva, mas ela normalmente é reservada para processos em que se investiga
crimes mais graves e em que haja um risco bastante grande ou de comprometimento
da investigação ou de fuga da pessoa que está sendo investigada", diz.
BOLSONARO TERÁ MAIS CHANCE DE DEFESA?
Sim. Se por um lado as possibilidades de
responsabilização de Bolsonaro aumentam na primeira instância, as de
defesa também, afirma Helena Lobo (USP).
"No STF, em geral, não há muitos recursos para o
julgamento. Sendo julgado por um juiz de primeira instância, depois da produção
de provas e da sentença, ele pode apresentar um recurso de apelação, que
permite ao tribunal apreciar novamente o processo inteiro", diz.
Além desse recurso, ainda é possível apresentar questionamentos
ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF, além de pedir habeas corpus
diante de ilegalidades.
O QUE ACONTECE COM OS CASOS NA JUSTIÇA ELEITORAL?
Também continuarão após o fim do
mandato. As apurações ocorrem por meio de um procedimento
tecnicamente chamado de Aije (Ação de Investigação Judicial Eleitoral).
Por meio dele são investigados atos de abuso de poder econômico,
político, de autoridade, além do uso indevido de meios de comunicação. As Aijes
podem levar à inelegibilidade e à
cassação de mandato.
Atualmente tramitam no TSE apurações sobre supostos uso da
máquina pública na campanha de Bolsonaro e pela rede de fake news
ligada a seus aliados.
O QUE ACONTECE COM OS PEDIDOS DE IMPEACHMENT CONTRA
BOLSONARO?
Qualquer apuração sobre crimes vinculados ao
exercício do mandato, que na linguagem técnica recebem o nome de
crimes de responsabilidade, e poderia levar a processos de impeachment, será
encerrada quando Bolsonaro deixar a Presidência.
Segundo a advogada e doutora em direito do estado pela USP
Mariana Chiesa, os chamados crimes de responsabilidade previstos pela lei 1.079
de 1950 devem ser processados até o final do mandato d.
As apurações sobre esse tipo de crime tramitam no Congresso e
seu início depende de uma decisão do presidente da Câmara dos Deputados pela
abertura do processo.
Apesar de dezenas de requerimentos contra Bolsonaro terem sido
apresentados ao presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), ele não deu prosseguimento
a nenhum deles até agora.
"As denúncias contra Bolsonaro que não foram aceitas pelo
presidente da Câmara dos Deputados serão extintas. Não houve o recebimento
formal de nenhuma delas até o momento", diz Chiesa.
Ou seja, com o encerramento do mandato do presidente Bolsonaro,
não caberia mais o processo via essa legislação.
Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da USP e autor
do livro "Como Remover um Presidente", discorda do atual entendimento
no meio jurídico. Ele afirma que não há obstáculo na legislação para que o
presidente da República responda por improbidade administrativa,
assim como outros agentes públicos.
Para Mafei, isso acabaria com a impunidade, especialmente para
eventuais atos cometidos na reta final do mandato.
"Nunca houve até hoje um caso de um ex-presidente que tenha
sido punido por uma conduta a título de crime de responsabilidade depois de
deixar o cargo. Se houvesse, seria inédito", diz.
Leia
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