Amplitude na transição: correta,
mas arriscosa
Luciano Siqueira,
Vermelho www.vermelho.org.br
Ainda
sob o impacto da morte inesperada de Gal Costa — que marcou a minha geração
desde antes até agora —, reflito sobre os riscos inevitáveis da existência.
"Viver é arriscoso", proclama o personagem de Guimarães
Rosa.
O risco é inerente à vida, sim. Está em toda parte, camuflado ou visível.
Como agora na transição para o novo governo Lula.
Da parte do presidente eleito, tudo parece acontecer conforme o melhor figurino,
sobretudo pela visível reafirmação da frente ampla que logrou derrotar o
fascismo.
Corretíssimo. Qualquer laivo de estreiteza ou hegemonismo (que poderia se
expressar no principal partido da coalizão, o PT) seria extremamente danoso.
Então, o competente maestro Lula compõe a orquestra da transição contemplando
todas as correntes políticas e segmentos sociais diversos, representando
interesses tanto convergentes quanto contraditórios.
São muitos núcleos temáticos e um conselho político constituído por
representantes dos 11 partidos da frente ampla vencedora, agora acrescidos do
MDB e do PSD.
Cada núcleo temático, concomitantemente com a análise dos dados a receber do
governo findo, promoverá a ausculta dos mais diversos setores interessados.
Porém há que distinguir, nesse processo de construção coletiva, o
"glacê" e o "bolo".
Em pouco mais de 40 dias, seja por alternativa técnica e jurídica, seja pela
construção de maioria parlamentar imediata, ainda que temporária, há que se
resolverem questões urgentes não apenas relevantes porque configuram promessas
do presidente eleito, mas por que têm a ver com enorme passivo econômico e
social herdado.
Aí reside o bolo. E o perigo.
Pois destravar o Orçamento existente implica, provavelmente, numa PEC assim
chamada "da transição".
Além da gravidade desse instrumento, porque mexe com a
Constituição, num ambiente parlamentar ainda adverso o novo governo poderá
amargar, no texto da emenda constitucional, a inclusão de jabutis (artigos que
não dizem respeito à essência da PEC, mas podem contemplar certos interesses
escusos).
Por aí se vê que no âmbito da grande equipe de transição se distinguem uma
turma debruçada exatamente sobre questões cruciais do início do governo — de
ordem fiscal e monetária, grandes contratos, etc. (o bolo) e uma turma dedicada
ao debate acerca de políticas públicas e diversas outras questões (o glacê).
A acolhida de proposições advindas dos mais diversos segmentos sociais que
dialoguem com os grupos temáticos será importante, mas seu conteúdo, uma vez
sistematizado, apenas servirá de subsídio aos futuros ministros.
Entrementes, a grande mídia monopolizada pressiona pela escolha antecipada do
ministro da Fazenda. São os interesses do rentismo postos à mostra.
Vale
a pena conferir: A frente ampla diante da nação dividida https://bit.ly/3EWSIbq
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