14 outubro 2025

Enio Lins opina

Quando o prêmio mais famoso se apequena na politicagem
Enio Lins 

IGNÓBIL O NOBEL DA PAZ DE 2025. Se era para avacalhar, melhor ter premiado Trump, Netanyahu e o Hamas pela trégua anunciada em Gaza. Pelo menos esse trio promete passar uns dias sem massacrar ninguém na área. Um cessar-fogo, mesmo relâmpago, é alívio no brutal sofrimento da população palestina, possibilitando a entrega de alimentos e medicamentos às vítimas do holocausto imposto impunemente por Israel. Seria algo chocante, mas menos medíocre que a premiação à venezuelana defensora da invasão contra seu próprio país. Numa reação de rara sinceridade, a política exclamou ao ser comunicada: “Não mereço!”.

MADURO MERECE CRÍTICAS pelo exercício do poder na Venezuela, sem dúvida. Embora com indubitável apoio popular, seu Partido Socialista Unido tem amargado erros políticos evidentes, inclusive sem conseguir convencer ninguém sobre a lisura na eleição de 2024, relembrando eleições estadunidenses suspeitas, como as do ano 2000, quando Busch II derrotou, com claras evidências de fraude, Al Gore – e o grupo derrotado não levou o Nobel da Paz. E mais, o cenário das campanhas presidenciais venezuelanas não tem sido marcado por assassinatos, como aconteceu com Miguel Uribe, na Colômbia, em 11 de agosto de 2025, ou como no México, em 2024, quando 38 candidatos aos mais diversos níveis foram assassinados. A única ameaça de guerra que pesa sobre a população venezuelana é a representada pelas topas estadunidenses. E quem convoca essa agressão, apelando para a invasão militar contra seu próprio país? A madame que ganhou o Nobel da Paz.

PRÊMIO MAIS BADALADO NO MUNDO, o Nobel se mantém em indiscutível evidência desde 1901. É almejado nos quatro cantos da terra. Várias são as premiações unânimes, como as em reconhecimento às contribuições científicas da família Curie: Marie Curie ganhou dois – Física em 1903 e Química em 1911 –, Pierre Curie venceu o de Física, em 1903; e Irène Joliot-Curie, filha deles, ganhou o de Química, em 1935. Entretanto, boa parte dos “nobéis” não marcam época, sumindo da memória mundial logo depois de concedidos. E alguns possuem demérito indiscutível, como Nobel da Literatura em 1970 para o militante feudalista russo Alexander Solzhenitsyn, cuja produção é sofrível, de acintosa inferioridade literária frente às obras notáveis de seus vizinhos de premiação, como o irlandês Samuel Beckett e o chileno Pablo Neruda, ganhadores em 1969 e 1971, respectivamente. A ignorância pessoal me impede comentar o Nobel de Literatura 2025, pois – com todo respeito – jamais ouvi falar no vitorioso, ao contrário de Adélia Prado e Milton Hatoum, e do australiano Gerald Murnane, três dos nomes especulados como possíveis laureados e que ficaram de fora da escolha deste ano.

NO QUESITO PAZ, o Nobel acumula escolhas deploráveis, sendo a mais tremenda das injustiças a premiação dada ao terrorista polonês Menagem Begin, então primeiro-ministro de Israel, em 1978 (junto com o presidente egípcio Anwar Sadat). Menachem Volfovich Begin – nascido em Brest-Litovsk, império russo, em 1913, e migrante para a Palestina em 1942 – dedicou-se a homicídios políticos no comando da organização terrorista Irgum, tendo sido responsável pela explosão do Hotel Rei Davi, em 1946 (matando 91 pessoas), e pelo massacre contra a vila palestina de Deir Yassin, em 1948 (assassinando cerca de 200 civis), dentre outros atentados. Outra premiação esdrúxula foi a concedida por antecipação para Barack Obama, em 2009, com menos de um ano na Casa Branca, e sem ter feito nada para merecer a distinção – o que esti mulou Donald Trump a reivindicar para si o troféu neste ano, e se chocar com a escolha da venezuelana, mera serviçal sua. Em resumo: uma sucessão de vergonhas públicas para a Kungliga Vetenskapsakademien (Academia Real das Ciências da Suécia, na língua nativa). Respeitando o Nobel, resta criticar e torcer para esses erros deixem de acontecer.

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