A noite de Tenorio
Suas
netas, que não o conheceram, choraram e fizeram chorar ao falar dele. Tinha 22
anos quando despontou e 35 ao morrer; como pensar nele como um avô?
Ruy
Castro/Folha de S. Paulo
Um momento para a história, o do dia 1º último, em homenagem ao pianista Tenorio Jr., no Teatro do BNDES. Tenorio desapareceu na noite de 18 de março de 1976, em Buenos Aires, confundido com um ativista local, às vésperas de um golpe militar. Nunca foi encontrado. Há pouco, 49 anos depois do fato, a Polícia Técnica argentina identificou suas impressões digitais como as mesmas de um homem capturado naquele dia, executado com cinco tiros e enterrado numa cova rasa sem identificação. No Brasil, para os filhos e netos de Tenorio, fechou-se um ciclo —se não o terão de volta, pelo menos agora sabem de seu destino.
A jornada teve
excepcionais participações musicais, a começar pelo trio Rafael Vernet, piano,
Breno Aguilar, contrabaixo, e Tutty Moreno, bateria, recriando temas e arranjos
de Tenorio de seu único disco como líder, "Embalo", de 1964, uma das
duas ou três obras-primas do samba-jazz. Os amigos Joyce Moreno, Gilberto Gil e Caetano Veloso dedicaram-lhe
empolgantes highlights de seus repertórios. E a participação de Joyce teve um
toque emocionante —ela estava a trabalho com Tenorio em Montevidéu, duas
semanas antes daquela noite fatal em Buenos Aires.
Mas o evento
quase impossível de superar já acontecera: a subida ao palco, chamados por
Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, do perito portenho Lucas Guanini, que
encontrou as impressões digitais de Tenorio; de Irene Molinari e Sara Mrad,
duas das Mães da Plaza de Mayo, o coletivo que busca os desaparecidos da
ditadura argentina; de Vera Paiva, filha de Eunice e Rubens Paiva; e dos filhos
e netos de Tenorio, duas das quais, as adolescentes Sofia e Marina, choraram e
fizeram a plateia chorar ao falar de seu avô.
Tenorio tinha
35 anos ao morrer. Quando despontou para a música, no Beco das Garrafas, apenas 22.
Era um garoto —muito difícil pensar nele como um avô. Sofia e Marina nunca o
conheceram, claro, e mesmo suas mães eram crianças quando ele desapareceu.
Mas a memória,
quando bem guardada, não desaparece.
[Foto: Pablo Porciúncula AFP]
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Leia um poema de Vinícius de Moraes https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/palavra-de-poeta-vinicius-de-moraes.html
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