14 setembro 2025

Enio Lins opina

Fux, the fox: uma raposice velha e com muitas lições
Enio Lins  

É IMPORTANTE O VOTO de Fux, sim. Patético e pomposo. Peroração estendida por cerca de 14 horas, com 429 páginas lidas, numa maratona de grandiloquentes odes à impunibilidade para determinado tipo de gente. Absolvição seletiva, apenas para a elite do sistema delinquente, destaque-se. Mas é justo reconhecer um ponto positivo na cantilena da citada excelência: desmonta a tese de que o julgamento dos golpistas no STF é um jogo de cartas marcadas, desmoraliza a falácia da “justiça de um homem só”. Isto é o principal, embora outras lições estejam presentes, com muita força, naquela declaração de amor mais profundo ao golpismo brasileiro.

CONTRADIÇÃO, OPORTUNISMO, EXIBICIONISMO formam o tripé de um voto capaz de: 1) ser incongruente em questões como a propriedade da corte para apreciar a demanda, e o histórico de punibilidade do magistrado; 2) demonstrar a meta de tornar-se ídolo (um mito?) para milhões de corações golpistas até então ao desabrigo; 3) amostrar-se para o mundo como a toga distinta das demais, capaz de dar uma tunga na Constituição. Indicado por Dilma Rousseff, Fux - num movimento aparentemente digno de raposas velhas da política - parece que tentou pular à frente dos herdeiros naturais do capitão de milícias – superando, em passionalidade, os próprios advogados de defesa constituídos pelos réus para o processo em tela.

RICARDO CORRÊA, no Estadão (coluna Traduzindo a Política), enfiou o dedo numa das feridas do voto divergente: “Há um ano, ao condenar Aécio Lúcio Costa Pereira, Thiago de Assis Mathar e Matheus Lima de Carvalho Lázaro a penas que variavam de 14 a 17 anos de prisão, Fux contestou o choro de uma defensora na tribuna. ‘Se esse golpe desse certo, chorariam de novo as mães de há muito que sequer soub eram do destino de seus filhos que foram mortos e perseguidos por delitos de união’, disse ele ao acompanhar Moraes”. Didático, explica aquele colunista: “Os três foram os primeiros condenados pelo STF pelos atos de 8 de Janeiro. Na época, os cinco crimes imputados eram os mesmos agora apontados para o núcleo crucial. Inclusive o de golpe de Estado. Fux, com voto curto e sem discutir o mérito, acompanhou integralmente o relator. Também não acolheu qualquer preliminar, mesmo que ali não houvesse ninguém com foro privilegiado”. É exatamente isso: a constitucionalidade fuxiana é seletiva. Para aquele ministro, o mesmo fundamento serve para punir pilombeta e para perdoar piranha. Antes de passar a mão na cabeça de Jair B e dos principais acusados pelo planejamento e comando da tentativa de golpe, Fux validou a competência do STF e condenou réus (rezes bol sonaristas não-célebres) em pelo menos 672 julgamentos dos envolvidos na intentona de 8 de janeiro.

DENTRE OS PARADOXOS do posicionamento fuxiano, se destaca a condenação de quem tentou colaborar com a Justiça (Mauro Cid) e se arriscou a fornecer provas contra a quadrilha golpista, combinada com a proposta de absolvição dos chefes do bando (Jair B e um magote de potentados). No mesmo voto! Uma impactante indicação de que não vale a pena colaborar com a Justiça quando o chefe da quadrilha é poderoso. Além do coronel Mauro Cid, Fux não perdeu um fio da cabeleira ao condenar também o general Braga Netto pelo mesmo crime que ele (Fux) jura não ser de competência da Corte. No mesmo voto! E pediu também a anulação do julgamento! No mesmo voto...

EM RESUMO, a trairagem do encabelado ministro desnuda uma das mais antigas tradições brasileiras: a da cumplicidade entre as elites para perdoar golpes fracassados até que, mais cedo ou mais tarde, o crime – tentado novamente – se concretize. A diferença, neste processo em curso, é a teimosia e a coragem de magistrados dispostos a quebrar essa regra de ouro da impunidade nacional. Ah, sim, este texto está sendo escrito antes do voto da ministra Cármen Lúcia e do ministro Zanin. Voltaremos ao tema, não tenham dúvida.

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Traição como princípio, meio e fim https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/traicao-como-principio-meio-e-fim.html

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