Leonardo
Accioly*, no Diário de Pernambuco
Atualmente os debates mais acalorados se ressumem à situação política do país e sobre a legalidade/constitucionalidade de eventual processo de impeachment. O Brasil, a despeito de toda esta turbulência, ainda tem instituições fortes e passará, não sem traumas, por este momento de instabilidade institucional, seja qual for o desfecho.
O positivo aumento de casos de punição de agentes públicos envolvidos em malfeitos, já escancarados no julgamento pelo STF do mensalão, traz como efeito colateral movimentos muito perigosos que ocorrem no bojo do Judiciário brasileiro.
O país, a duras penas, conseguiu o fortalecimento de alguns dos institutos mais caros à democracia. Presunção da inocência; devido processo legal; contraditório; criminalização da tortura; respeito à coisa julgada; proteção da intimidade da pessoa humana; proteção ao silêncio do investigado como corolário ao princípio da não incriminação.
Em contraponto a isso tudo temos o “domínio do fato”, teoria adotada pelo Supremo que permite a condenação com base em indícios; prisões cautelares que se eternizam e que são usadas para forçar o acusado a firmar o controverso instituto da colaboração premiada; conduções coercitivas fora dos parâmetros legalmente estabelecidos; exposição dos acusados ou investigados pela mídia; autoridades que extrapolam sua condição de responsáveis pelo resguardo do interesse público ao buscarem a imprensa para legitimar sua conduta. Igualmente tais autoridades autorizam hoje interceptações ilegais, inclusive de advogados, que têm a proteção da inviolabilidade de sua atividade.
Quanto
às prisões cautelares, observa-se que estas, na prática, tornaram-se uma
espécie de condenação antecipada, usadas sem critério. No entanto, o mais grave
é a possibilidade de prisão antes do trânsito em julgado, hoje admitida pelo
STF. Decerto a presunção de inocência em outros sistemas jurídicos é princípio
possível de ser relativizado, que deve ser harmonizado com outros princípios
constitucionais. No caso brasileiro, no entanto, a presunção de inocência é
cláusula constitucional pétrea - art 5º, LVII -, e também positivada na
legislação processual penal vigente, no Art. 283, do CPP. Não cabem, dentro de
tal quadro normativo, atalhos exegéticos que permitam suplantar prescrições
legais tão evidentes e macroscópicas. Neste quadrante histórico, instituições
como a OAB têm combatido com energia o “Estado policial”, mas fica evidente
que, ainda assim, a busca pela justiça e contra a impunidade, anseio legítimo
do cidadão e das instituições, está a justificar a ilegalidade e a derrocada
das conquistas de nossa democracia. Não se faz justiça sem respeito à
Constituição. Não se combate a impunidade com arbítrio. Em algum momento a
pouca percepção de tudo isso se voltará contra a sociedade. Espero que não seja
tarde para reagirmos.
* Vice-presidente da OAB-PE
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