Emir Sader, no portal Brasil 247
Foi
das decisões mais difíceis da já longa carreira política do ex-presidente Lula.
Ele oscilou várias vezes, mas sua preocupação sempre esteve voltada para o
governo da presidente Dilma Rousseff e nunca para as acusações sobre ele. Estas
entravam em sua linha de raciocínio somente no sentido de saber como seria a
circunstância de estar com um pedido de prisão preventiva e ser nomeado
ministro.
Na
própria viagem anterior a Brasília ficou claro que as preocupações de Lula eram
com a situação do governo, tanto no sentido de fortalecer a base de apoio,
evitando uma ruptura do PMDB, quanto no de contornar as possibilidades de
impeachment. A decisão de aceitar a oferta de Dilma junta vários aspectos.
O
primeiro, a necessidade de recompor a capacidade de articulação do governo,
especialmente em relação ao PMDB, pelo próprio caráter pendular e decisivo
desse partido na balança da relação de forças no Congresso, com as
consequências no apoio ou no isolamento do governo. Sem dúvida essa é uma
primeira função que ele se propõe a cumprir.
Além
disso, a intermediação entre o governo e a esquerda e os movimentos sociais tem
sido uma preocupação central de Lula, que chegou a promover a reunião do
ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, com lideranças partidárias e sindicais em
torno das divergências sobre a política econômica. Certamente ele vai tratar de
estabelecer pontes permanentes com esses setores, que até aqui tinham visto
suas críticas à política econômica ficarem sem efeito no governo.
Mas
além disso, sem atropelar, Lula vai tratar de que a política econômica do
governo mude, senão de forma brusca, pelo menos de forma gradual, mas com
sinais seguros de que essa mudança se dará. Seria muito difícil para ele estar
no governo sem que esse tema, central em suas divergências, seja alterado.
Lula
também pode usar suas vias de diálogo com setores do empresariado, que nunca
tiveram boas relações com Dilma, ainda mais se houver acenos concretos de que o
governo retoma o caminho da recuperação da economia. Junto com o diálogo com o
PMDB, foram dois pilares da arquitetura política que Lula tinha montado desde o
começo de seu governo e que foram se desfazendo durante o governo Dilma.
Embora
com a delicadeza que sua situação impõe, Lula também preencherá em parte o
vazio de discurso por parte do governo, seja em relação ao que está fazendo,
seja também em relação às dificuldades que enfrenta, sua natureza e como
pretende enfrentá-las.
A
presença e a ação de Lula permitirão também a limitação das formas de
criminalização da política levadas a cabo pela Lava-Jato e que tinham no
próprio Lula uma vítima privilegiada. Na interpretação do juiz Sérgio Moro, ele
pretenderia praticamente reescrever a história recente do país – numa
caricatura do que aconteceu na Europa, para o que ele se proporia a ser uma
espécie de Jânio Quadros, se conseguisse fazer carreira eleitoral ,
desqualificando as realizações dos governos do PT, que teriam se eleito e se
reeleito com recursos desviados da Petrobras. Essa ação passa a ficar limitada
agora.
Lula
se apoia na convicção da maioria da opinião pública, a partir das
arbitrariedades cometidas duas vezes contra ele em curto espaço de tempo, de
que ele é perseguido e não apenas investigado. Ele reiterará sua disposição de
esclarecer todas as acusações no Supremo Tribunal Federal.
As
iniciativas do impeachment e de alguma forma de parlamentarismo serão também
objeto da ação de articulação política de Lula, porque elas só podem prosperar
num processo de ruptura do PMDB com o governo, que será objeto de preocupação
prioritária e imediata do Lula.
Por
último, a decisão difícil de aceitar participar do governo da parte de Lula vem
também da percepção de que as possibilidades de impeachment ou de
parlamentarismo, com o desfecho do governo Dilma, não o poupariam, porque a
direita tem consciência de sua força popular e se voltaria com todas as suas
forças contra o ex-presidente. O seu destino, portanto, mais do que nunca, está
atrelado ao destino do governo Dilma.
O
resultado de sua incorporação ao governo está ainda por se ver. Mas o ânimo nos
setores que o apoiam e o desconcerto na oposição são indicadores de que pelo
menos o clima político começa a mudar. O fundamental vai depender da capacidade
de articulação política do próprio Lula e, principalmente – e disto ele tem
plena consciência – da mudança da política econômica do governo, que
possibilite a recuperação da base popular de apoio que elegeu e reelegeu quatro
vezes os presidentes do Brasil.
NOTA
– Além do ataque da Rede Globo no noticiário de hoje, baseado sobretudo na
Veja, surgiu um tucano questionando a nomeação de um ministro que não tem curso
superior. Não vale, portanto, a diplomação como presidente e vários títulos de
doutor honoris causa. Nagib Neto.
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