Renato Rabelo, no Blog do Renato
O Brasil neste
momento chega ao paroxismo da desordem jurídica, aprofundando a polarização
política e social, colocando em xeque a democracia duramente conquistada. O
povo e a nação se encontram diante de uma encruzilhada de sentido histórico,
que importará no destino do país para seu avanço ou retrocesso civilizacional.
O movimento
pelo impeachment iniciado logo após a tomada de posse pela presidenta Dilma
Rousseff, demonstrando ineditismo na nossa história política, ressaltou desde
então que as classes dominantes e as forças políticas a seu serviço, derrotadas
nas urnas, não iriam se conformar em ter mais quatro anos fora de seu domínio
no centro do poder, mais ainda nas condições de grande crise global do
capitalismo.
Sentindo-se
ameaçadas impulsionam crescente escalada para impedir o governo da presidenta
Dilma, perseguindo incessantemente sua deposição. A situação atingiu seu clímax
com a perspectiva de Lula tornar-se candidato presidencial em 2018. As forças
de direita intensificaram a desestabilização do curso político criando sérios
obstáculos ao governo federal.
O Brasil
atingiu a dramática situação cujo epicentro político passou a ser o golpe
político-judicial-midiático em marcha que, para defini-lo, ganhou uma variedade
de denominações: “Golpe Frio”, “Golpe Institucional”, “Golpe tipo novo”, “Golpe
de Estado do Século 21”. As forças conservadoras sem as condições de
décadas passadas, quando desencadeavam o golpe de Estado a manu-militari, hoje
passaram a usar outros meios: o conteúdo e objetivo são os mesmos, ou seja,
derrubar governos de forças democráticas e progressistas, valendo-se do biombo
da luta contra a corrupção, apoiados na classe média tradicional, semelhante às
situações passadas; hoje o golpe de Estado adquire um formato moderno,
tornando-se uma conjuração político-judicial-midiatica, com fachada legal. Por
sua brilhante trajetória judicial e política, Flavio Dino, governador do
Maranhão, com base em sua valiosa experiência, exprimiu de forma marcante e
afirmativa a situação, indo ao âmago da questão – “a toga não pode ser usada
para fazer política”.
No caso
brasileiro as forças conservadoras e reacionárias agiram propositadamente para
desvirtuar a Operação Lava Jato, em si mesma destinada à luta contra a corrupção,
para desviá-la da sua finalidade judicial, transformando-a em ostensivo
instrumento de ação política. A sua lógica deixou de ser judicial para ser
política.
Agora atinge
seu ápice: é manifesta a sua convergência maior em suscitar o extermínio
político da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, e golpear as correntes populares, o PT e a esquerda. Se esse golpe de
novo tipo prevalecer, as mesmas forças que instrumentalizaram essa operação,
cumprida sua missão de seletividade investigativa e condenatória,
necessariamente passarão a empurrá-la ao limbo e fenecê-la.
O complô
conservador abriu caminho para erguer a ultradireita – na sua insurgência
vale-tudo, até de destruir a economia nacional – conquanto limpe o terreno para
apressar sua tomada do poder executivo. O governo é ameaçado e desestabilizado
sistematicamente por um estado de exceção paralelo, condutor do golpe
político-judicial-midiatico, buscando sua consumação através de um processo de
impeachment sem crime. Esta é a singularidade do jogo de forças na hora
presente. E as figuras que têm um papel político decisivo para derrubar a
presidenta – ela não possui nenhuma culpa ou crimes de responsabilidade
preceituados na Constituição — estão comprometidas e indiciadas em processos, e
no escandaloso caso do presidente da Câmara dos Deputados considerado réu em
processo acusatório pelo STF. Tal situação descaracteriza mais ainda a
legitimidade do curso impetrado para o impedimento da presidenta da República e
denuncia o que está por trás dessa grande conspiração das elites conservadoras
dominantes.
O cenário
político em presença afigura uma nova fase em que as forças de direita crescem
e se tornam mais agressivas, arrastando neste momento de aguda polarização
parcelas significativas de forças vacilantes e menos consequentes, aquelas que
estão no centro do espectro político brasileiro. Nesta fase em desdobramento, o
povo e a nação são levados a estar diante de uma encruzilhada, cuja escolha
determinará o seu futuro: assim, corremos o risco do judiciário ter seu papel
equivalente a de uma republiqueta qualquer, prevalecendo o autoritarismo e o
arbítrio; voltará nosso país a ser destinado somente para 1/3 da população,
enquanto os outros 2/3 retornarão à condição de exclusão; prevalecerá mais
ainda o rentismo em detrimento da produção; o Brasil retornará a se alinhar
automaticamente às grandes potências capitalistas; a grande mídia, como a Rede
Globo e a revista Veja, voltará a encontrar o caminho livre aos cofres
públicos; as eleições voltarão a ser financiadas pelas empresas.
Ou, em
contraste com estes paradigmas programáticos, consolidará o Estado Democrático
de Direito, com as instituições que sejam crescentemente expressão da soberania
do povo, baseadas na Constituição; aprofundará a redução das desigualdades
sociais e regionais; avançará a soberania e a independência nacional no
contexto internacional; o livre direito de expressão poderá se tornar
realidade; as eleições serão cada vez mais livres do poder econômico.
Portanto, o
que está em jogo neste momento é o futuro da nossa grande Nação, dias que
acumulam mais de uma década, implicando na perspectiva a seguir.
Mas a luta
antigolpe vem ganhando grande dimensão. O montante de arbitrariedades, cujo
cume foi a prisão coercitiva de Lula e as operações persecutórias da Lava Jato
despertaram a consciência jurídica e sua resposta contra o golpe. Inspiraram
grandes manifestações de rua e sucessivos pronunciamentos e manifestos de
juristas, ministros do STF, artistas, prelados da Igreja Católica, reitores,
professores e estudantes. E destacando-se as decisões do ministro Teori
Zavasaki e a manifestação do Procurador da República, Rodrigo Janot,
direcionando os próceres da Lava Jato à razão e ao âmbito da legalidade.
A resistência
democrática atingirá ainda mais altos patamares. Nesta hora de imensa gravidade
a presidenta da República tem dado demonstrações eloquentes de elevada
dignidade e coragem. Os golpistas na sua desesperada desenvoltura não têm
encontrado e não encontrarão o caminho livre para seus intentos. A tendência é
que encontrarão — em qualquer circunstância — crescente nível da luta de
resistência. A derrota golpista engrandecerá a Nação e abrirá caminho para
seguir avante na celebração de novo pacto pela emancipação nacional e popular.
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