11 março 2016

Credibilidade em baixa

A aura trincada do Ministério Público
Luís Nassif, no Jornal GGN

O general Golbery do Couto e Silva tinha uma explicação lógica sobre os motivos para a distensão política: "O problema não são os generais, mas os porteiros do presídio".
No pedido de prisão preventiva de Lula, a alegação dos promotores paulistas exara uma prepotência inédita, uma demonstração tão ostensiva de poder que deixaria inibidos generais e porteiros da ditadura.
Nem se diga do parágrafo em que apresentavam como evidência de crime o fato de Lula “vociferar” elogiando as virtudes do Bancoop. Não bastasse o elogio vociferante, citam Nietzsche, em “Assim Falou Zaratustra” na significativa frase “Nunca houve um Super-Homem”. Depois, uma nota de rodapé esclarecendo que o contexto da obra é mais profundo que a menção ao Super-Homem. Ah, bom.
Ou então mencionam que a conduta de Lula deixaria “Marx e Hegel” envergonhados. Hegel morreu em 1831, quando Marx tinha apenas 13 anos. E nem se pode dizer que houve confusão com algum homônimo porque Engels nem chega a ser uma rima de Hegel. Construíram um clássico quase tão notável quanto a polícia do Rio perseguindo Bakunin, parceiro da Sininho.
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Segundo a denúncia, Lula “atentou contra a ordem pública ao desrespeitar as instituições que compõem o Sistema de Justiça, especialmente a partir do momento em que as investigações do Ministério Público do Estado de São Paulo e da Operação Lava Jato se voltaram contra ele”. Ora, existe manifestação mais explícita do “sabe com quem está falando”? O crime está em criticar medidas com as quais não concorda.
Outra ameaça de Lula foi ter se valido de sua “força político-partidária” para convocar entrevista coletiva, após a detenção que lhe foi imposta pela Lava Jato.
É pouco? “As condutas do denunciado (...) puderam ser facilmente comprovadas pelo acompanhamento periódico da imprensa livre”. Nem o almirante Pena Boto pensaria em desculpa melhor: as manifestações de Lula através da “imprensa livre” são motivo para leva-lo preso.
A prova do crime estaria em matéria do Estadão encimada pela manchete: “Lula se queixa de Dilma e do avanço das investigações”. É mais atrevido do que os prisioneiros políticos que ousavam reclamar das chibatadas dos torturadores.
O pecado maior, segundo a peça divulgada, foi a iniciativa do deputado Paulo Teixeira “contra um dos subscritores desta investigação” junto ao CNMP. E ainda obteve do CNMP medida liminar administrativa de suspensão da investigação criminal. Apelar para um organismo superior sujeita a vítima à agravamento da punição pela instância apelada.
Depois de ter sido levado coercitivamente à Congonhas, segundo a peça Lula deu declarações abusivas, como a que dizia que “Moro não precisaria ter mandado uma coerção da Polícia Federal na minha casa de manhã, na casa de meus filhos. Era só ter convidado”. Segundo a peça, com essas declarações Lula colocou em risco o Estado Democrático de Direito.
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O problema maior não é esse bestialógico, a demonstração de arrogância que compromete a imagem do Ministério Público em geral. É saber como se chegou a essa situação.
Depois do impacto popular da cobertura intensiva do julgamento do “mensalão”, das manifestações de junho de 2013, já se tinha noção do impacto sobre a opinião pública de outra campanha intensiva anticorrupção.
O Procurador Geral da República Rodrigo Janot não percebeu o risco de montar o esquema midiático para a Lava Jato. A batalha já estava ganha, sem necessidade do liberou geral, desse festival diário de factoides, dessa perseguição insana a Lula, do ridículo dos pedalinhos, barquinhos, Cristo Redentor.
Quando liberou geral os vazamentos e as parcerias midiáticas, abriu a caixa de Pandora. Em vez de brechas para a ação responsável do Ministério Público, uma cratera que imediatamente foi ocupada, não pelos procuradores preparados, titulares de causas legítimas, mas pelos aventureiros, loucos-por-um-holofote, cada qual procurando um jornalista para chamar de seu e fazendo qualquer micagem para aparecer.
Não há corporação que resista a essa liberação geral, muito menos uma corporação dotada de poder de Estado.
O que garante a idoneidade e a disciplina da tropa não são apenas bons princípios e formação. A natureza divina ainda não encontrou maneira de, através de concursos, avalizar a idoneidade futura de todos os procuradores.
O que garante é um conjunto de valores impregnados em toda a corporação, como a impessoalidade, o discernimento,  para que os próprios procuradores operem como agentes de contenção dos abusos de colegas, do exibicionismo, das ações atrabiliárias, do personalismo.
Do ativismo político, da demonstração de musculatura, para práticas menos ortodoxas ainda, é um pulo.
Infelizmente, essa rede de autocontenção quebrou-se.

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