Novas tecnologias e economia
digital
A Agenda
2030 é um documento importante que antagoniza o neoliberalismo cada vez mais
recrudescente em todo o mundo. É uma proposta clara que busca fortalecer as
pessoas e dar dignidade a todos
Herbert
Salles/Le Monde Diplomatique
Um plano de
ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade, é assim que a Agenda 2030 se
apresenta ao seu público de interesse. Ao todo, são 17
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas voltadas para a
promoção da paz, da liberdade e da erradicação da pobreza, pactuadas por todos
os países membros da ONU em 2015. Após
10 anos, o mundo passou por significativas transformações econômicas, sociais e
políticas, além de ter enfrentado uma epidemia que resultou em milhões de
mortes, aumento do desemprego e recessão.
Em
seu lançamento, a Agenda 2030 se mostrava corajosa e inovadora ao abarcar os 17
ODS de forma integrada, abordando temáticas como gênero, meio ambiente,
economia, inovação e justiça. Ainda que a Agenda enfatize a promoção do
crescimento econômico em todas as regiões, era evidente que os países menos
desenvolvidos seriam os principais beneficiados pelas propostas. Assim, ao
atingir as metas, em 15 anos o mundo se tornaria mais justo, próspero e
pacífico.Apesar dos obstáculos, o plano global seguiu com ganhos, como
pode ser visto nos Relatórios Luz (Spotlight Report), mas também ocorreram perdas significativas, como
presente no relatório de 2023,
em que enfatiza:“a perda de renda e do emprego em milhões de domicílios são
anteriores à 2020, determinadas pela erosão de políticas públicas estruturantes
e por reformas como a Trabalhista e a da Previdência”, e complementa: “os
volumosos recursos públicos para políticas sociais, com o nítido interesse
eleitoral, liberados em 2022, não contribuíram para que o país avançasse para a
erradicação da pobreza”.
No
mesmo relatório, ao tratar do ODS sobre Trabalho Decente e Crescimento Econômico, destaca-se a precarização como marca da política
governamental de extrema-direita da gestão anterior, que resultou em um recorde
histórico de trabalhadores sem carteira assinada. O documento relata,
inclusive, que houve quatro anos de retrocessos, com uma latente
desindustrialização, enfraquecendo a perspectiva de desenvolvimento sustentável
no país. O relatório de 2024 apresentou um cenário diferente, com destaque para os
reflexos do primeiro ano de governo Lula III. No ODS
1, sobre Erradicação da Pobreza,
é destacada a recomposição do Ministério do Desenvolvimento e Assistência
Social, Família e Combate à Fome e como o Programa Bolsa Família foi expandido e redistribuindo quase
R$ 170 bilhões o que contribuiu para uma redução na extrema pobreza (saindo de 5,9% em 2022 para 4,4% em 2023).
Nesse mesmo
relatório, o ODS sobre Trabalho Decente e Crescimento Econômico mostra que o rendimento médio habitual do trabalho atingiu o maior valor
da série histórica da PNAD Contínua,
bem como, a produtividade econômica cresceu 1.9%. Por outro lado, houve
destaque para um problema latente, o dito “trabalho por aplicativo” que arregimenta
mais de 2 milhões de pessoas. Algo que, inclusive, pode ser subnotificado, pois
os trabalhadores ‘algoritmizados’ vão além dos aplicativos de transporte e
entrega, passando a exercer atividades de serviços diversos em ambiente
digital.
A
Agenda apresenta recomendações em cada ODS, no caso do Trabalho Decente e
Crescimento Econômico, há ênfase no investimento em educação, ciência,
tecnologia e inovação, além de diversificar a matriz econômica do país com a
possibilidade de crescer em áreas de tecnologia e inovação. Entretanto, não há
nenhuma diretriz para frear a precarização presente no trabalho
‘algoritmizado’, que pode ser feita a partir de legislação e regulamentação
dessas atividades.
Algo
que chama a atenção, é que a Inteligência Artificial foi ignorada no relatório,
seja para destacar avanços e possibilidades, seja para alertar sobre possíveis
impactos no emprego e desenvolvimento econômico, que poderia estar presente,
principalmente, no ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico). A temática
vem sendo pautada em diversas discussões em diferentes fóruns pelo mundo e não
foi citada no relatório mais recente. Assim, houve a perda de oportunidade para
destacar a necessidade de regulação das IAs e como governos podem utilizar a
tecnologia em favor do trabalhador, sem que seus empregos estejam sob risco.
Algo
que chama a atenção é o fato de a Inteligência Artificial ter sido ignorada no
relatório — seja para destacar avanços e possibilidades, seja para alertar
sobre os possíveis impactos no emprego e no desenvolvimento econômico,
especialmente no âmbito do ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico). A
temática vem sendo debatida em diversos fóruns ao redor do mundo, mas não foi
mencionada no relatório mais recente. Com isso, perdeu-se a oportunidade de
destacar a necessidade de regulação das IAs e de mostrar como os governos podem
utilizar a tecnologia em favor dos trabalhadores, sem colocar seus empregos em
risco.Em matéria publicada pela Folha
de São Paulo, a IA é apontada como alternativa para impulsionar o
crescimento de países menos desenvolvidos
sob
a justificativa de que a guerra comercial piora o nível de endividamento e
avanço da industrialização sem geração de emprego. Entretanto, a alternativa
pode ser, inclusive, uma causa para esse cenário. Ora, se países menos
desenvolvidos e com baixa empregabilidade apontam para a IA como alternativa
para desenvolvimento, há uma possibilidade de criar centros de trabalho sem
trabalhador. Ou seja, IAs ocupando o labor de um humano ofertando alguma
operação complexa de baixo custo. Fica perceptível que a adoção, nesse cenário,
de Inteligência Artificial será benéfica ao dono do capital, enquanto traz
insegurança aos trabalhadores, que estarão submetidos à precarização.
É
importante destacar que o entendimento a respeito da Inteligência Artificial
requer maturidade, principalmente, para tirar a neblina etérea presente em
muitos discursos. Por exemplo, recentemente, o prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes,
anunciou uma série de viagens para os Estados Unidos e dentre os motivos estava “vender o Rio como uma
Cidade da IA”. Mas qual IA? Além disso, qual a finalidade dessa IA? Atualmente,
o Rio de Janeiro nem de perto pode ser considerado um centro de desenvolvimento
de inteligência artificial, assim, esse entusiasmo pode soar como uma venda de
soluções abstratas.
A
maturidade necessária, ainda, deve seguir passos que não direcionem para a
armadilha da vilanização do uso e produção de inteligência artificial. Há muito
potencial de expansão das capacidades humanas e a construção de ferramentas que
entreguem mais qualidade de vida, segurança e sejam auxiliadoras de
trabalhadores de diferentes atividades. Porém, para que isso seja efetivo,
regulação e regulamentação são importantes para delimitação de atividades, bem
como a proteção e garantia para os trabalhadores.
Ao
trazer o uso da IA para o cenário da Agenda 2030, percebe-se que há
aplicabilidade em todos os ODS mas, a depender do uso e, principalmente, sem o
olhar crítico e cauteloso quanto a sua regulação, poderá haver impacto negativo
nos ODS 1 (Erradicar a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares), 4
(Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos), 8 (Promover o
crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e
produtivo e trabalho decente para todos) e 10 (Reduzir as desigualdades dentro
dos países e entre eles). Ao observar que mulheres negras são as mais atingidas
na taxa de trabalhadores informais, de acordo com o Relatório Luz 2023, a IA,
se for utilizada como instrumento de precarização, algoritmização e
substituição de trabalho humano, poderá refletir em perdas no ODS 5 (Alcançar a
igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas).
A
proposta contrária à vilanização da IA pode ser vista no fortalecimento da
Economia Digital, em um processo de industrialização que agrega aspectos
tecnológicos e abarca a inovação como propulsor desse desenvolvimento,
enxergando, principalmente, que a Economia Digital não está limitada à IA e ao
trabalho algoritmizado. O foco deve estar em construir novas tecnologias para
uso em diferentes contextos e aplicações.
O
Estado tem um papel fundamental na construção desse cenário, no fortalecimento
da educação voltada para inovação, sem estar limitado à operação, de forma
instrumental como se o aluno fosse se tornar um mero operador ou um tecelão
digital, e sim, ver esse indivíduo como alguém capaz de criar novas
ferramentas, como um empreendedor-inventor, alguém capaz de criar algo novo.
Isso significa que o Estado deve investir em escolas e universidades, desde a
criação de novas unidades até na modernização das já ativas.
Outro
ponto fundamental é ofertar crédito para que empresas possam desenvolver novas
tecnologias, possibilitando, ainda, que novas pesquisas sejam feitas. Tudo isso
poderá gerar mais emprego, maiores salários aos trabalhadores, aumento do nível
de escolaridade e, claro, crescimento e desenvolvimento econômico.
Restando
apenas 5 anos para o prazo da Agenda 2030, há caminhos para que diversas metas
sejam alcançadas e novas tecnologias podem ser apresentadas e desenvolvidas
para cada um dos ODS. Assim, é possível criar uma indústria capaz de avançar
para além de 2030 e pode, de fato, contribuir para um cenário de prosperidade.
A
Agenda 2030 é um documento importante que antagoniza o neoliberalismo cada vez
mais recrudescente em todo o mundo. É uma proposta clara que busca fortalecer
as pessoas e dar dignidade a todos, garantindo emprego, retirada da pobreza,
igualdade de gênero e justiça, sendo assim, um marco para que haja um importante
avanço social.
Não
há como pensar o futuro sem compreender que a economia digital esteja presente,
sendo um principal vetor industrial e responsável por significativa fatia do
PIB mundial nos próximos anos. Por outro lado, é necessário que ela não seja
uma geradora de emprego informal e que entregue ao trabalhador um ambiente
precarizado.
Portanto,
a Economia Digital pode ser protagonista de uma industrialização em que esteja
alinhada com as expectativas da Agenda 2030. É preciso avançar para os próximos
anos em um modelo mais justo e próspero para aqueles que são peça fundamental
no desenvolvimento: os trabalhadores.
Herbert Salles é Doutor em Economia pela UFF.
[Se comentar,
assine]
Leia: Como criar alternativas criativas às big techs? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/alternativa-as-big-techs.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário