31 agosto 2016

Palavra de Dilma

Em pronunciamento após a aprovação do impeachment pelo Senado, Dilma Rousseff, legítima presidenta eleita do Brasil, afirmou nesta quarta-feira (31) que os senadores que votaram pelo seu afastamento definitivo rasgaram a Constituição e consumaram um golpe parlamentar. Leia mais http://migre.me/uQUOt

Conjuntura adversa

Onda regressiva
Luciano Siqueira, no Blog de Jamildo/portal ne10

Hoje o Senado deverá confirmar o afastamento definitivo da presidenta Dilma. Carecendo de comprovação a acusação injusta de crime de responsabilidade, terá se consumado a prática do parlamentarismo em plena vigência do presidencialismo.
Na verdade, o exaustivo debate desses dias comprovou o caráter eminentemente político do impeachment – ou seja, a determinação de uma maioria eventual de interromper o mandato constitucionalmente estabelecido pela força de mais de 54 milhões de eleitores.
Pratica-se o “voto de desconfiança” próprio do parlamentarismo, que traduz a vontade de uma maioria parlamentar oposicionista que decide pelo afastamento do primeiro-ministro.
Mais do que isso, se decide a quebra de braço entre dois projetos distintos de nação: o derrotado nas urnas, que agora ressuscita versus o vitorioso nas urnas, que se vê irremediavelmente atropelado.
O que ocorre no Brasil não está dissociado do que predomina mundo afora – a onda regressiva que se afirma nas falsas soluções à crise global e na retomada do figurino neoliberal em toda a linha.
Luís Nassif, no Jornal GGN, resume os componentes dessa onda regressiva:
“1. A desconfiança em relação à política. 2. A tentativa de substituir o Executivo pelo Banco Central e o voto popular pelas corporações do Estado. 3. Os interesses empresariais na política, através do financiamento de campanha. 5. A xenofobia, como reação às políticas de inclusão e às ondas migratórias. 6. A partir de 2008, todos esses processos agravados pela crise mundial com o fim do sonho neoliberal e pelas tentativas de desmontar Estados de bem-estar social.
É um movimento que ressuscita a ultradireita norte-americana, os partidos de direita radical nos principais países da Europa, açula o terrorismo religioso e o terrorismo de Estado, ameaça as liberdades civis e as próprias conquistas da civilização.”
Nesse sentido, na América do Sul, essa onda vem em contraposição a conquistas recentes que, como no Brasil, Argentina, Bolívia, Venezuela, Uruguai e Equador, provaram ser possível, a despeito dos impasses do sistema imperante no mundo, promover o crescimento econômico com inclusão social.
Antes da passagem do século, o dirigente comunista João Amazonas, perguntado sobre como seria o século XXI, arriscou dizer que seria “um século de luzes e sombras”. Nas duas ou três primeiras décadas, predominariam as sombras; e adiante, como resposta inevitável à extrema concentração da produção, da renda e da riqueza e à regressão civilizatória, novo ciclo de tansformações políticas e sociais de envergadura se darão.
No Brasil, o desafio imediato será atualizar a agenda progressista e organizar a resistência. Para uma contraofensiva adiante.

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Instituições esgarçadas

O xadrez da grande noite da humilhação nacional
Luís Nassif, Jornal GGN

O desafio é explicar um golpe que tem, na ponta da fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União) personagens como Aroldo Cedraz e Augusto Nardy, na ponta política, Michel Temer, Romero Jucá, Eduardo Cunha, Aécio Neves e José Serra todos envolvidos em inúmeras denúncias de irregularidades e de uso político indevido do cargo. E, na ponta processual o Procurador Geral da República Rodrigo Janot e o Ministério Público Federal, na ponta jurídica Gilmar Mendes e Dias Toffoli falando em nome da moral e dos bons costumes.
Como se explica que a moral e os bons costumes tenham se aliado ao vício para implantar o reino dos negócios escusos?
Hoje em dia, está claro que a disputa não é entre Dilma e Aécio, PT e PSDB, mas por modelos de país e pelo assalto ao orçamento e ao patrimônio público. A aliança Temer-Janot permitirá ao novo grupo de poder destruir políticas sociais, desmontar o modelo de exploração do pré-sal, vender ativos públicos, ampliar os gastos públicos através das emendas parlamentares. É um pacto de negócios.
A grande questão é como um país, entre as dez maiores democracias do globo, com uma tradição cultural, histórica, permite que se destrua o ponto central da democracia – o voto popular – por uma frente desse nível. Mais do que uma tragédia, é uma humilhação!

Peça 1 - as grandes ondas globais

O primeiro passo é minimizar o papel do caráter humano nas grandes definições políticas. Caráter é matéria rara, pouco disponível, que permite grandes gestos individuais, mas que raramente consegue segurar a onda.
As ondas que se movem no século 21 são conhecidas:
1. A desconfiança em relação à política.
2. A tentativa de substituir o Executivo pelo Banco Central e o voto popular pelas corporações do Estado.
3. Os interesses empresariais na política, através do financiamento de campanha.
5. A xenofobia, como reação às políticas de inclusão e às ondas migratórias.
6. A partir de 2008, todos esses processos agravados pela crise mundial com o fim do sonho neoliberal e pelas tentativas de desmontar Estados de bem-estar social.
É um movimento que ressuscita a ultradireita norte-americana, os partidos de direita radical nos principais países da Europa, açula o terrorismo religioso e o terrorismo de Estado, ameaça as liberdades civis e as próprias conquistas da civilização.
Tanto nos Estados Unidos quanto por aqui, os grupos de mídia não são os agentes deflagradores desse estado de coisas. São apenas grupos oportunistas valendo-se desses movimentos em proveito próprio, comercial ou político, mas amplificando a radicalização.
Para enfrentar o avanço das empresas de telecomunicações e das redes sociais, os grupos de mídia organizaram-se em cartel visando um maior protagonismo político, que lhes dessem condições de administrar sua sobrevivência em tempos bicudos. Historicamente, ondas de intolerância sempre foram a arma principal da mídia, permitindo explorar o fantasma do inimigo externo ou interno, como fator de unificação das ações e dos discursos.
É nesse contexto que se abre espaço para a campanha em torno da AP 470 e, depois, para a campanha do impeachment, que surge alimentado pelo estado de espírito geral revelado pelas manifestações em 2013.

Peça 2 – os personagens e as circunstâncias

Na física e na química, estudam-se os fenômenos de uma perspectiva radical: tem-se uma molécula; basta mudar um átomo de sua composição para se transformar em um novo corpo. As ciências sociais, políticas e econômicas não têm por hábito analisar processos de ruptura. Tratam os fenômenos sociais e políticos – e seus personagens – como processos contínuos e progressivos.
À chegada ao poder muda as pessoas, pelo deslumbramento, pela perda dos referenciais anteriores. Muitos não conseguem aceitar que, antes de chegar ao poder, eram cidadãos comuns, sem nenhum traço nobiliárquico. Para os espíritos mais fracos, ocorre quase uma negação do passado anterior à chegada ao poder.
Vale para políticos, empresários, artistas, Ministros do Supremo e procuradores, vale para o sujeito que ganhou na loto.
Analise-se a trajetória de um Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal)/
No momento -1, ele é súplice. Faz romarias aos gabinetes de deputados e senadores, corteja lideranças políticas e jurídicas, busca padrinhos políticos. No momento +1, torna-se senhor absoluto da sua vida, irremovível de seu cargo, blindado contra qualquer força política, mesmo do presidente da República e com poderes inacessíveis a qualquer outro brasileiro, que não seus colegas de Supremo.
O que garante a coerência a esse personagem? O caráter.
Não dividirei as pessoas entre os com e os sem caráter. Para evitar maniqueísmos ou ferir suscetibilidades, melhor dividi-los entre os de caráter inflexível e os de caráter adaptativo.
Por trás de sua educação e lhaneza, Ricardo Lewandowski tem esse caráter Inflexível, assim como Teori Zavaski e sua sisudez, Marco Aurélio de Melo e sua independência e Gilmar Mendes e sua falta de limites. Sim: Gilmar Mendes, absolutamente coerente com seus princípios, atropelando normas de conduta, processos, em nome de suas lealdades e em defesa de sua turma. É o mais deletério personagem jurídico da história recente. Mas tem caráter.
No outro campo, do caráter adaptativo, dos que se transformam com a chegada ao poder, podem ser incluídos tipos folclóricos, como o senador Magno Malta ou Cristovam Buarque, Ministros ou ex-Ministros do STF, como Luiz Fux, Ayres Brito e Carmen Lúcia. Certamente o PGR Rodrigo Janot.
Mencionam-se aqui os destacados, porque a média é adaptativa. E adaptam-se por razões das mais variadas.
Tome-se o ex-Ministro Ayres Brito.
Em tempos não muito distantes, o ex-Ministro Ayres Brito e a atual Ministra Carmen Lúcia eram os prediletos do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, guru maior das esquerdas jurídicas. Ah, e Michel Temer era e continua sendo seu melhor amigo.
Um juiz garantista que fez carreira no Piauí, humilde, modesto, chega ao Supremo e, de repente, escancaram-se para ele os holofotes da mídia. Mefistófeles leva Ayres até a montanha e desafia: “Comigo você terá as glórias que nunca teve antes, o reconhecimento de sua reputação de poeta, o aplauso das pessoas na rua. Sem mim, o escândalo do seu genro”.
Ayres nem vacilou. Imediatamente protagonizou o capítulo do STF que liquidou com o direito de resposta, transformou-se no mais intimorato defensor dos grupos de mídia tradicionais e pode saborear a fama. Até hoje o bravo Celso Antônio tenta entender o que aconteceu com seu pupilo.
Para outros Ministros, mais tímidos, sérios (no plano dos negócios públicos) seu preço é o espaço eventual nas manchetes nos momentos de apoteose em que experimentam o supremo gozo de exprimir o que pensa a maioria.
O episódio Rodrigo Janot é mais didático, e vale aqui uma comparação com os ex-Ministro Katia Abreu e Armando Monteiro para deixar mais nítidas as comparações entre o caráter inflexível e o caráter adaptativo.
Até alguns anos atrás, Rodrigo Janot era num bravo esquerdista, que pavimentou a carreira assessorando algumas referências de direitos humanos no MPF, por votação dos seus pares, por suas relações com o petismo, e pela a disposição com que lançava palavras de ordem retóricas contra o avanço da direita, impressionando e entusiasmando os aliados. Estava, sem dúvida, à esquerda de seus gurus: Cláudio Fonteles e Wagner Gonçalves. Cultivou a amizade de José Genoíno, visitou Dirceu no hotel no qual recebia autoridades políticas.
Por seu lado, Kátia Abreu sempre foi uma direitista convicta; Armando Monteiro um industrialista convicto. Ambos, portanto, líderes de setores eminentemente anti-Dilma. Para eles, defender Dilma não apenas não significaria nenhum ganho ou barganha (posto que uma presidente deposta), como os indisporia perante seu meio.
Mesmo assim, na sessão do Senado, ambos – Kátia e Monteiro – tiveram o belo gesto de reconhecer as virtudes do governo Dilma em relação aos seus setores.
Quando a onda virou, Janot autorizou o vazamento de grampos em Lula e vestiu a capa da indignação quando Lula lembrou sua ingratidão. Disse que devia sua carreira a ele próprio (Janot) e ao concurso público. Em nenhum momento teve o belo gesto de reconhecer que devia a Lula e Dilma a absoluta liberdade de atuação do MPF, Polícia Federal e da PGR e sua indicação à PGR. Dia desses fui almoçar em um restaurante na Bela Cintra e lá me apontaram uma mesa: foi ali que Janot almoçou com Lula, para pedir sua benção para a indicação a PGR.
Dá para entender a diferença?
O jogo é mais hipócrita. Há os vendavais que chacoalham os céus e os caráteres adaptativos vão se reorganizando como as nuvens. Venta-se à esquerda, adapta-se ao vento. O vento muda de direção? As nuvens do céu se reorganizam.
Tome-se o caso de Ela Wiecko, uma subprocuradora notável, uma das referências do MPF na área de direitos humanos. Ficou na lista tríplice dos mais votados. Seu trabalho consistia em levar adiante sua missão, plantando sementes de civilização por onde passou. Mas não batia bumbo nem apregoava sua condição de progressista. Não levou. O cargo ficou com Janot.
Ontem a revista Veja revelou que Ela estava em Portugal em uma manifestação que ocorreu na Universidade contra Temer.
Ela, talvez o mais precioso ativo do MPF, foi tratada como descartável
por Robalinho, presidente da ANPR
Por ser de um caráter inflexível, Ela pediu demissão do cargo de subprocuradora. Por ser de caráter adaptativo, Janot aceitou. E a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) apoiou a saída em carta ao blog O Antagonista, que é a melhor expressão do que se tornou o MPF.
Suponha-se que os ventos ainda estivessem soprando na direção das políticas sociais, das práticas civilizatórias, da tolerância. Qual teria sido o papel de Janot e da ANPR? Certamente, de hipotecar total solidariedade a Ela, tratando-a como merecia: um ativo valiosíssimo do Ministério Público.
Nem se condene Janot, José Cavalcanti Robalinho (da ANPR) e outros: eles são humanos, demasiadamente humanos, aliás. Não vieram para tentar conduzir as ondas, mas para entender seus movimentos e surfar, se adaptando às marés da política. Eles representam a média. São "malacos" e se orgulham de sua esperteza.
No curto prazo, a sociedade não se rege por belos gestos, pelo poder disseminador do bom exemplo. Se a falta de escrúpulos levar à vitória, aos vitoriosos será assegurada a devida revisão biográfica e os maus gestos condenados ao esquecimento.
A médio prazo, o jogo é outro.

Peça 3 – os próximos passos

Com Dilma cassada, haverá uma nova rodada do chamado porre dos vencedores.
O jogo da Lava Jato será contido por duas ações paralelas:
STF – Os processos da Lava Jato estão sendo julgados pela 2a Turma, que estava desfalcada porque já haviam passado sete meses da aposentadoria de Joaquim Barbosa e Dilma ainda não tinha indicado o substituto. Para preencher a turma, Dias Toffoli se ofereceu para sair da 1a para a 2a Turma. Como nenhum outro Ministro se ofereceu, transferiu-se e assumiu a presidência.  Quem planejou toda a operação? Gilmar, claro (https://is.gd/DDliEo).
No dia 31 de maio passado terminou o mandato de Toffoli e Gilmar assumiu a presidência da 2aTurma. Atualmente, compõem a 2a Turma Gilmar, Toffoli, Carmen Lúcia, Celso de Mello e Teori Zavascki. Ontem, Gilmar Mendes defendeu que caberá ao STF balizar as delações. É questão de tempo para tirar do MPF o poder de que dispõe hoje em dia.
O último lance se dará nos próximos dias. Antes do fim da gestão Ricardo Lewandowski, a próxima presidente Carmen Lúcia trocará de turma com Luiz Fux, que passará a compor a maioria com Gilmar e Toffoli.
Aí se entenderá melhor o significado da expressão “matar no peito”.
MPF – o jogo de cena em torno da capa de Veja com o factoide sobre Dias Toffoli permitiu ao PGR realinhar a tropa. Na segunda-feira todos os membros da força-tarefa assinaram um comunicado endossando a atitude de Janot de suspender a delação de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS. No material divulgado na última edição de Veja, havia um pré-acordo de delação pelo qual Pinheiro se comprometia a revelar os esquemas de pagamentos (em dinheiro vivo ou em contas no exterior) de Aécio Neves e José Serra. Provavelmente os inquéritos andarão em marcha lenta. Mais à frente, com os poderes devidamente podados pela ofensiva Temer-Gilmar, os bravos procuradores terão bastante tempo para analisar a aventura imprudente em que meteram o MPF.

Peça 4 – os desdobramentos no médio prazo

Nos próximos meses, no plano jurídico-policial se terá a ampliação da ofensiva contra os críticos do novo regime – ofensiva que já está a pleno vapor. O governo Temer está se valendo de todas as armas que dispõe, como utilizar a Anatel para inviabilizar emissoras alternativas e a Secom para comprar o apoio dos grupos de mídia. Na Lava Jato, nas conversas prévias com os delatores, não gravadas, alguns deles são instados a incluir nomes de advogados, jornalistas e críticos em geral da operação.
Não se tenha ilusões sobre a escalada fascista.
Ao mesmo tempo, a cabeça fervilhante de Gilmar Mendes certamente já está a mil por hora definindo estratégias para o governo Temer aproveitar o lapso democrático e enquadrar definitivamente o MPF, os tribunais superiores e o Supremo, planejando as próximas nomeações.
Durante algum tempo será possível impor uma narrativa salvacionista para o golpe, ainda mais contando com a aliança fechada com a Globo.
Em que pese a predominância do oportunismo no curto prazo, a moral ainda é o grande fator unificador das sociedades civilizadas. Não é possível conviver eternamente com a mentira, a hipocrisia.
A não ser que se desacredite totalmente do Brasil, como nação civilizada, que se ignore o que foi plantado nesses séculos, Machado de Assis, Villa-Lobos, Sérgio Buarque, Gilberto Freyre, Antônio Cândido, que se ignore os compositores populares, os homens que cantaram a alma do país, Ary, Tom, Cartola, Chico, Caetano, Paulinho, a não ser que se esqueça Campos e Furtado, Merchior e Wanderley, os homens que à esquerda e à direita ajudaram na construção da Nação, será impossível acreditar na perenização desse golpe.
Um país que deu Paulo Brossard não pode terminar em Magno Malta, que deu João Mangabeira não pode resultar em Janaina Paschoal, que deu Miguel Reali, pai, não pode se contentar com Reali filho, que deu Faoro, Pertence, Fonteles, não pode incensar Janot, que deu Juscelino, não pode aceitar Temer.
A cada dia que se afastar a imagem do inimigo externo, as tolices sobre chavismo e outras bobagens se diluirão e cairão da face da nação como as maquiagens dos palhaços após a função. No início, timidamente, depois mais fortemente a consciência cívica começará a despertar novamente e a se manifestar. Até a velha mídia, nos seus estertores, se dará conta de que não há difusor de notícia que resista à falsificação, à mentira. E aí se começará a reconstrução democrática, as reações contra o arbítrio, a montagem de um novo modelo sem os vícios do presidencialismo de coalizão, sem os financiamentos de campanha, sem a hipocrisia do jogo político convencional.
O grande desafio será a resistência ao arbítrio até que essa noite turbulenta passe.

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No fio da História

Assim enfrentamos os tempos que vivemos
Bosco Rolemberg, em seu blog

Em 1954, eu criança, vi a massa humana descendo a Rua de Maruim, numa explosão de revolta, na morte de Getúlio.
Em 1964, aos 17 anos, acordei com soldados do exército invadindo minha casa, nosso quarto e levando o irmão mais velho, os livros, os projetos.
A casa da Rua Santa Luzia, 150.
Tropas e caminhões patrulhavam as ruas de Aracaju.
No meu caderno de anotações, militante da juventude estudantil católica, sonhos e projetos de um país soberano, democrático.
Depois, seis anos de clandestinidade na AP/PC do B, cinco anos de prisão, na resistência e luta contra a ditadura, coroados com a redemocratização do país em 1985.
O valor da liberdade e da democracia poderiam resumir as lições de toda uma geração.
Garantir o direito do povo de tomar o destino em suas mãos e fazer um país e uma cidade do nosso jeito.
Cada um construir livre e conscientemente sua vida e seus projetos.
Resolvendo os conflitos, disputas, contradições e choque de interesses pelo diálogo e negociação.
Hoje, a caminho dos 70 anos, acompanho com emoção e indignação, o depoimento da Presidenta Dilma.
O Senado Federal, cheio de aparências e adereços, transformado em tribunal de exceção.
A disputa de projetos na tortura e no Senado.
Não disfarçam o mesmo ódio e rancor que os torturadores davam vazão nos porões da tortura, afirmando sim, que queriam um outro país, subordinado as grandes potências, com o povo calado, submisso e sem direitos sociais.
O programa de governo derrotado nas eleições de 2014 começa a ser aplicado rapidamente.
Dilma, engrandecida.
Corajosa, altiva, enfrenta com bravura este momento de traição e injustiça.
Não nega a dor do golpe contra a democracia.
Resiste.
No momento mais difícil, ela se agiganta.
Os representantes de Sergipe no Senado mantiveram suas posições golpistas e enveredam pelos porões do governo ilegítimo.
Não souberam honrar os votos que garantiram a vitória de Dilma no Estado.
Saem deste episódio, envergonhando a consciência democrática dos sergipanos.
Haveremos de encontrar o melhor caminho hoje, que unifique a Nação, respeite os mandatos legítimos e devolva ao povo a soberania das suas decisões.
Assim enfrentamos os tempos que vivemos: dedicamos o melhor de nossas vidas para ver o país democrático, desenvolvido, soberano e socialmente justo.
Termino cantando Renato Russo:
“E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar
E até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos
O mundo começa agora
Apenas começamos”

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30 agosto 2016

Altivez

No Senado - com precisão, clareza, coragem e dignidade - Dilma revela ao mundo a ilegitimidade do impeachment.

Momento crucial

A dignidade contra a desfaçatez
Luciano Siqueira, no Blog da Folha

Durou mais de 13 horas o pronunciamento da presidenta Dilma, seguido de interrogatório, ontem no Senado.
Nos dias precedentes, senadores integrantes da maioria pró-impeachment alardearam que colocariam a presidenta contra a parede, arguindo-a de modo a levá-la a reconhecer, enfim, que praticara crime de responsabilidade através das denominadas pedaladas fiscais.
Porém o que se viu foi a conduta digna e altiva da presidenta contra a posição agressiva da maioria empenhada em derrotá-la.
Dilma não foi derrotada.
Afirmou suas convicções, reconheceu erros e acertos na condução do governo, sem contudo abaixar a cabeça um só instante — mesmo quando provocada.
Derrotada poderá ser, e provavelmente será, na votação final no Senado a democracia.
Anêmicos em argumentos consistentes sobre acusação de crime de responsabilidade, a maioria dos senadores oponentes se ateve a considerações sobre a crise econômica que o Brasil atravessa, atribuindo à presidenta a responsabilidade única e total.
Houve até quem assinalasse que a crise mundial não influencia (sic) a crise brasileira!
Nada mais rasteiro e inconsequente.
E se o Senado não reproduziu o mesmo espetáculo deplorável vivenciado pela Câmara dos Deputados, não ficou muito distante em desfaçatez. 
Na verdade, ocorreu e está ocorrendo o exercício do parlamentarismo em plena vigência do sistema presidencialista.
Não podendo provar crime de responsabilidade, pré-requisito constitucional, se exercita o "voto de desconfiança", expediente próprio do parlamentarismo quando uma maioria contrária ao governo vigente resolve afastar o primeiro-ministro. 
Demais, uns tantos inquisidores pretenderam conferir legitimidade ao impeachment com o argumento de que tendo a presidenta da República comparecido à sessão para defender-se estaria validando judicialmente todo processo.
Ora, quando e em que lugar do mundo um acusado indevidamente ao comparecer a um tribunal de exceção está reconhecendo a legitimidade de tal tribunal!?
O Congresso Nacional — Câmara e Senado —, na prática, se converteram em algo semelhante aos tribunais típicos dos regimes ditatoriais.
É dado que a evolução da sociedade humana não se dá em linha reta, conquistas civilizatórias são sujeitas a idas e vindas, avanços e retrocessos.
Complexa, sinuosa e não raro traumatizante tem sido a evolução da República brasileira.
Vivemos agora um dos seus piores momentos, decorrente do golpe institucional em vias de se consumar.
O que vivemos ontem, na sua expressão mais concentrada, será reconhecido adiante como marco em nossa história institucional. E a presidenta Dilma, pela sua correção e bravura, mais do vítima terá seu lugar na História pelo seu exemplo de seriedade, resistência e coragem cívica.
Quanto aos seus algozes, dificilmente disso não passarão. 

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Inquisição

Senador Agripino Maia (DEM) trocou "inquirição" por "Inquisição". Ato falho? Nada. Consciência do arbítrio.

29 agosto 2016

A defesa da presidenta

Dilma: "Hoje só temo a morte da democracia, pela qual lutamos"
A presidenta eleita Dilma Rousseff fala neste momento fazendo sua defesa no julgamento final no processo de impeachment, nesta segunda-feira (29). A presidenta afirmou que o seu mandato é marcado pela defesa da Constituição. “Sempre acreditei na democracia e no Estado de Direito. Jamais atentarei contra o que acredito ou praticaria atos contra os interesses daqueles que me elegeram”, afirmou a presidenta afastada na parte inicial de sua fala. Leia aqui o discurso da presidenta Dilma http://migre.me/uOilX

Parcialidade

A cobertura de mídia da ida de Dilma ao Senado não é jornalística. É torcida. Contra.

Dilma diante do Senado e da Nação

Encontro com a História
Luciano Siqueira
Qualquer que seja o resultado final do julgamento do impeachment pelo Senado, a presença da presidenta Dilma Rousseff hoje, em plenário, tem sentido histórico.
Acusada de crime não cometido, e sem provas, Dilma enfrentará um tribunal político, que não tem pejo de dar as costas à Constituição.
O que está em causa não é a hipocritamente propalada defesa da moralidade administrativa.
O que está em causa é a interrupção do ciclo de mudanças iniciado desde o primeiro governo Lula, de alcance político e social de grande envergadura. E o retorno às políticas neoliberais, que já se dá a toque de caixa pelo espúrio presidente interino Michel Temer e seu grupo.
Agora, ao “mercado”, tudo!
Ao povo, piora das condições de existência.
É fato que o PT e aliados cometeram muitos erros, inclusive pelo uso nada republicano das relações entre o poder público e interesses privados.
Também é fato que a presidenta jamais exibiu paciência e habilidade para lidar com os atores políticos. Permitiu-se isolar.
Na condução da economia, sob o cerco cerrado das implicações da crise global sobre o Brasil, Dilma também cometeu erros cruciais.
Nem Dilma nem Lula jamais foram capazes de reunir forças, incluindo a mobilização ampla da sociedade, para arrostar o capital financeiro, que determina, em última instância, o funcionamento de nossa economia e tem o apoio unânime do complexo midiático.
Porém Dilma não cometeu crime de responsabilidade!
E se não cometeu crime, é vítima de um golpe institucional. À semelhança dos que ocorreram no Paraguai e em Honduras.
A democracia brasileira é rebaixada perante a comunidade internacional.
A República é submetida a uma das suas piores fases.
No Senado, como na Câmara, a desfaçatez impera. Muitos dos que até ontem participavam do governo e o defendiam com ardor mudaram de lado e, com semelhante retórica, agora defendem o impeachment.
A grande maioria dos brasileiros e brasileiras a tudo assiste perplexa. Não parece ter compreendido plenamente o que se passa, ou se queda enfraquecida pelos laços tênues que guarda com os que a deviam liderá-la.
O próprio partido da presidenta Dilma, acuado, titubeou muito durante o processo do impeachment. Aguçou o exclusivismo e abusou de erros táticos que se acumulavam desde antes.
Agora que a presidenta anuncia a convocação de um plebiscito caso não se consuma o impeachment, como saída para o impasse institucional, o PT lhe nega apoio. Insiste numa suicida tática do “tudo ou nada”, muito mais retórica do que concreta.
Assim, a História do Brasil haverá de registrar o dia de hoje como o confronto entre democratas e pusilânimes, sob a omissão ou a conivência de alguns a que caberia um ato de resistência; entre os interesses da nação e do povo versus o conluio entre rentistas e setores mais retrógrados da elite dominante.
Que sirva de referência para a luta que seguirá sempre – por um Brasil democrático, socialmente justo e soberano.

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Dilma altiva

Dilma Rousseff vai enfrentar seus algozes nesta segunda-feira (29), na sessão do Senado que a julga por crime de responsabilidade. Condenada, terá confirmado seu afastamento, hoje provisório, a despeito de seus 54,5 milhões de votos. Desde que deixou o comando do país, há 109 dias, a presidenta mantém-se firme no enfrentamento do golpe, denunciando no Brasil e nos exterior o processo ilegítimo de impeachment a qual foi submetida. Veja o vídeo da fala da presidenta em Brasília http://migre.me/uNMPX

Indiciamento arbitrário

A lição do procurador aos delegados que indiciam
Luís Nassif, Jornal GGN
Vladimir Aras é uma das referências da área criminal do Ministério Público Federal. Ao contrário de tantos jovens procuradores, obcecados pelo sucesso fácil dos factoides, tem uma ampla folha de serviços prestados e de estudos aprofundados sobre direito penal e os avanços da luta contra as organizações criminosas.
Como peça central da Lava Jato – na cooperação internacional – muitas vezes me surpreendo com suas colocações sobre a importância dos direitos individuais sobre a sanha persecutória das investigações. Tem tido papel relevante em defesa dos direitos fundamentais, em tempos de cólera em que até o STF se encolhe.
Em abril deste ano publicou em seu blog o artigo “Um etiquetamento dispensável” acerca do exibicionismo de policiais federais com os tais indiciamentos em inquéritos. O artigo é oportuno por permitir entender melhor o exibicionismo irresponsável do delegado Márcio Adriano Anselmo, típico policial que coloca a vaidade pessoal acima do que deveriam ser qualidades do PF: discrição, profissionalismo.
Dizia Aras:
“O indiciamento não tem qualquer função relevante no processo penal. Tal ato policial é uma excrescência no devido processo legal e não se justifica no modelo acusatório, no qual a Polícia é um órgão auxiliar do Ministério Público, e não parte. Contudo, como a imprensa adora rótulos, as manchetes espocam: ’Fulano foi indiciado’”.
Segundo Aras, o indiciamento não significa rigorosamente nada. “Ou melhor, significa uma etiqueta desnecessária, um estigma inútil aplicado a supostos criminosos por uma instância formal de controle social”.
Continua Aras, lembrando que “um dos maiores tesouros do Estado de Direito é a presunção de inocência. O indiciamento, como medida unilateral da Polícia, baixada ao final da investigação policial (inquisitorial) serve a interesses corporativos, e não à boa administração da Justiça”.
Indiciar, segundo Aras, “corresponde à ação de reunir indícios precários sobre certa pessoa suspeita de um crime”. É um ato que é baixado pelo delegado de Polícia antes da formação da culpa e fora do processo. “O indiciamento só se tem prestado à espetacularização midiática em detrimento do estado de inocência do investigado, “que poderá ser acusado pelo Ministério Público, ou não.
Escrito em abril, o artigo não se refere ao indiciamento de ontem, de Lula e Mariza. É um alerta contra o exibicionismo irresponsável de delegados de polícia que não honram a corporação.
“Tal dispositivo, fruto de uma campanha corporativa que não foi percebida a tempo pelo Congresso Nacional, agora cobra seu preço. Manchetes garantidas. No caso Lava Jato, perante o STF, uma senadora indiciada pela Polícia; no caso Acrônimo (Inquérito 1168), perante o STJ, um governador de Estado também foi indiciado, isso tudo antes de o processo penal ser iniciado…”.
Aparentemente, a Polícia Federal continua sem comando.

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Conluio midiático

Lembrem-se de 64
Nagib Jorge Neto*, no Diário de Pernambuco
           
A imprensa não inventa, não cria notícia, mas há jornalistas, órgãos de comunicação, que acolhem boatos ou versões sem fundamento, violando a missão de informar o que na verdade aconteceu ou acontece, de forma que prevalece a invenção contra pessoas e instituições. É uma conduta que se atribui a erros ou falhas do ofício, mas tem motivações na busca do fato novo, do “furo” ou de tendência política.
Tal conduta não é incomum entre nós, pois com frequência há especulações que prejudicam o compromisso com a verdade, ferem os princípios éticos e as normas de redação. Daí as versões que transformam boatos em fatos, prejudicando instituições e pessoas vítimas do barulho e poder da mídia.  Nesse aspecto, nos anos 60, a mídia explorou a crise política e militar e gerou a perspectiva de caos, ameaça às instituições, com notícias  sobre uma suposta República Sindicalista ou Revolução Comunista. A campanha assustou a classe média, as Forças Armadas, e gerou o ambiente ideal para o golpe de Estado de 64, seguindo um modelo denunciado no filme Sete Dias de Maio, segundo o qual um governo, ou o regime, pode ser abalado e derrubado pela mídia.
A receita vingou aqui e na América Latina com documentos falsos, denúncias sobre um “mar de lama”, criação de Carlos Lacerda na década de 50 contra Vargas e Juscelino. Daí avançou com a campanha contra as reformas, a “subversão” no governo Jango e as alusões difamatórias sobre sua vida familiar. Assim distorceu ideias e ações em defesa da América Latina, medidas contrárias ao modelo liberal, as posições sobre Cuba, Venezuela e Colômbia (as Farcs) e defendeu as exigências norte-americanas na área de comércio. Nessa linha reativa agora a campanha contra a presidenta Dilma Roussef, com denúncias e ilações sobre “pedaladas” – ajuste fiscal – opções de conduta, ousadia e honradez.  
Então cabe alertar que a nossa mídia apoiou o golpe de 64, a censura e a repressão, e nos anos 90 manteve silêncio diante das privatizações, ajudando o desmonte do Estado e das organizações de defesa das estatais e dos trabalhadores. Pior: alegando combate as corporações, a ineficiência e a corrupção, defendeu os interesses das multinacionais para comprar empresas, aparentemente competir, sanear, mas que resultou no avanço de um Estado marginal, paralelo.
Evidente que a imprensa não criou as versões, mas a forma de enfocar as distorções, criticar os serviços, geraram reações da sociedade, defesa das teses da mídia, baseada na crença de que a imprensa só divulga a verdade. No processo não houve ampliação do debate público, vital ao exercício democrático e afirmação da cidadania, pois a opinião pública foi  mera receptora da informação. Então faltou - como agora - o debate amplo, a liberdade de crítica, de denúncia ou defesa, que ajudam na conscientização, posicionamento das forças sociais, que não devem ser consumidoras passivas e obedientes da receita do espetáculo e da busca de audiência, com disfarce de cruzada moralista e ação saneadora.
* Jornalista              

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Ataque à Constituição

A ruptura em curso
André Singer, na Folha de S. Paulo
O julgamento de Dilma Rousseff, cujo início efetivo teve lugar nesta quinta (25), no Senado, é mais importante pelo que oculta do que pelo que revela. A observância meticulosa dos dispositivos legais do processo faz parecer que tudo funciona de modo normal. Mas, por baixo da capa de legalidade, está em curso um atentado, que pode ser mortal, ao espírito da Constituição de 1988.
Os que têm paciência de acompanhar os debates entre a defesa e a acusação percebem que o tema de fundo é a política econômica desenvolvida pela presidente afastada no seu primeiro mandato. Os questionados decretos de suplementação orçamentária e pagamento do Plano Safra pelo Banco do Brasil, ambos de 2015, são meros pretextos para trazer à tona aquilo que realmente incomoda: os gastos de 2014.
Ocorre que tal conduta foi referendada nas urnas. Dilma acabou reeleita porque, apesar dos pesares, manteve o emprego e a renda dos trabalhadores, e isso não teria acontecido caso houvesse feitos os cortes que a ortodoxia econômica propunha. O fato de ter depois realizado o ajuste recessivo exigido, quando prometera não fazê-lo, é grave, mas não justifica o impeachment.
Se justificasse, Sarney precisaria ter sido afastado em 1987 e FHC em 1999. Respeitada a soberania popular, caberia ao eleitorado julgar, em 2018, o destino das forças políticas envolvidas no processo, tal como aconteceu em 1989 e 2002. Convém lembrar que, nos dois casos, a situação perdeu.
Mas, em decorrência da crise econômica, da Lava Jato e da presença de Eduardo Cunha à frente da Câmara, abriu-se uma tripla janela de oportunidade. Michel Temer enxergou a chance de chegar ao poder. Os partidos conservadores vislumbraram a possibilidade de arruinar o PT, talvez para sempre. Os capitais viram a oportunidade de fazer um acerto de contas com os avanços sociais previstos desde 1988 e postos em prática, no ritmo homeopático conhecido, pelo lulismo.
Por isso, a provável condenação de Dilma representa muito mais do que a perda de dois anos de estadia no Alvorada pela atual mandatária. Significa um golpe profundo contra a alma cidadã da Carta constitucional vigente. A maior demonstração está na PEC 241, que cria o teto para os gastos do Estado. Nas palavras do seu mentor, o ministro Henrique Meirelles, a 241 é nada mais nada menos que "a primeira mudança estrutural na questão da despesa pública desde a Constituição de 1988".
Até que ponto o conservador espírito de 2016 conseguirá desfazer o que foi acumulado em torno de 1988 só a luta real dirá. Mas convém a sociedade brasileira tomar consciência de que, por baixo dos formalismos senatoriais, há uma violenta ruptura em curso nestes dias. 
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No Facebook

Compartilho com vocês a satisfação de reencontrar muita gente amiga em meu novo perfil no Facebook https://www.facebook.com/luciano.siqueira.35912 e na nova página. Para o bom é prazeroso diálogo, como nas cartas de antigamente. 

Eleição atípica

A eleição nos municípios brasileiros teve início no dia 16 de agosto, mas o ambiente político, em meio a processo de impeachment da presidenta da República, intolerância política e o país sediar um evento da magnitude dos Jogos Olímpicos no Rio, culminou num ambiente desfavorável para se debater eleições. Entretanto, para o vice-presidente nacional do PCdoB, Walter Sorrentino, este clima deve mudar “nas fases mais tardias da campanha”. Leia mais http://migre.me/uMLwL

Bom dia, Mário Quintana


28 agosto 2016

Diferença

Afirmar conquistas e avanços na gestão Geraldo Julio não significa negar êxitos de gestões passadas, mas apenas salientar um importante diferencial. Por uma questão de justiça.

Retalhiação

Aquarius: o retorno da censura?
Os que já assistiram ao filme de Kleber Mendonça garantem que a classificação não procede. A situação seria cômica se não fosse trágica
Chico D’Angelo, na Carta Capital
O Ministério da Justiça classificou como não recomendado para menores de 18 anos de idade o filme Aquarius, do cineasta Kleber Mendonça Filho, sob a alegação de que este contém “uma situação sexual complexa”.
Os que já assistiram ao filme garantem que a classificação não procede. Além de conter cenas moderadas de violência, o filme tem apenas algumas cenas sensuais que passam longe de configurar essa vaga situação sexual complexa que o ministério estranhamente aponta. Seria cômico se não fosse trágico.
O Brasil já viveu momentos de implacável censura à produção artística. Para ficarmos apenas no período republicano, basta lembrar o papel do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) no Estado Novo varguista e da atuação da Censura Federal durante a vigência da Ditadura de 1964. Em ambos os casos, vivíamos tempos de exceção, marcados por governos autoritários, nos quais músicos, atores, dramaturgos, escritores, cineastas, etc. sentiram o peso da mão firme dos carrascos da intolerância.
O caso de Aquarius é ainda mais estranho porque o elenco do filme, durante o Festival de Cannes, protestou contra o afastamento da presidenta Dilma Roussef e a política para a área da cultura do governo interino de Michel Temer. O protesto, registre-se, teve repercussão mundial.
Tal fato reforça a impressão de que a não recomendação de Aquarius para menores de 18 anos é simples retaliação à manifestação. Poderia ser encarada apenas como birra do governo interino em virtude do protesto dos atores, mas deve ser vista como algo mais preocupante: a ação do ministério tem o cheiro inequívoco daqueles que, inimigos do contraditório, colocam a própria democracia em risco em nome de seus projetos.
Neste momento em que o Brasil assiste à tentativa de desmonte das políticas sociais e trabalhistas arduamente conquistadas, atenção especial deve ser voltada para o campo da cultura. Cerceá-lo é sempre uma estratégia dos inimigos do estado de Direito.
Não custa lembrar que o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão”. O campo da arte é, por excelência, espaço de manifestação deste direito. Foi isso, o exercício da liberdade de expressão, que o elenco de Aquarius fez em Cannes.
Ao retaliar o filme com argumentações insustentáveis, o governo de Temer flerta com a intolerância, a bravata, o revanchismo rasteiro e o moralismo mais tacanho. Mais do que isso, porém, mostra as garras e revela um traço inquisitorial que deve preocupar a todas as pessoas comprometidas com a pluralidade como marca da cultura.
Os que querem impedir jovens de 16 anos de ir ao cinema assistir a um filme de méritos propagados, são os mesmos capazes de defender a redução da maioridade penal para 16 anos.
Parece que o Ministério da Justiça, a julgar pela ação contra Aquarius, acha mesmo que lugar de menor é na cadeia, enquanto nós, do campo progressista, achamos que lugar de menor é fazendo e vivenciando a cultura nas ruas e equipamentos culturais em que ela acontece; inclusive nos cinemas.
* Chico D’Angelo é deputado federal pelo PT-RJ e presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados

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Forçando a barra...

A narração elaborada pela PF para sítio de Atibaia e triplex no Guarujá
Jornal GGN
Para dois depoimentos de igual peso no âmbito da Operação Lava Jato - o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o do ex-diretor da OAS Paulo Gordilho - a Polícia Federal além de conceder veracidade apenas ao último, o usou para afirmar que Lula mentiu. 
A Polícia Federal da força-tarefa de Sérgio Moro não acreditou que Lula desconheça o tal executivo, então diretor de Empreendimento da empreiteira investigada. Durante a condução coercitiva, no dia 4 de março, em que o ex-presidente foi obrigado a prestar depoimento no Aeroporto de Congonhas, os investigadores questionaram:
- O senhor conhece o senhor Paulo Gordilho, ex-diretor da OAS Empreendimento?
- Por nome não, mas...
- Não? O Paulo Gordilho, não?
E Lula fez sinal negativo com a cabeça.
Esse trecho em que o ex-presidente não afirma que desconhece o investigado, mas que não se lembra "por nome" foi suficiente para os investigadores sustentarem que Lula mentiu, o que seria uma "contradição" e que para a Polícia é "possível notar que havia alguma relação de proximidade entre Paulo Gordilho e o ex-presidente Lula".
O mencionado executivo seria um dos interlocutores da OAS para as reformas no sítio de Atibaia, segundo a tese da Lava Jato. Ele teria se reunido com Lula e dona Marisa, além do próprio ex-presidente da empreiteira, Léo Pinheiro, "para tratarem de assuntos de arquitetura relacionados a casa e na lagoa que está vazando".
As aspas são de mensagens apreendidas pelos investigadores no telefone de Gordilho, com sua filha Isnaia. Nelas, o empresário informava que iria à Atibaia em um churrasco que seria "na fazenda de Lula" e que estariam presentes Léo Pinheiro e o ex-presidente.
Também faz referência a um encontro futuro com dona Marisa "para tratarem dos mesmos assuntos". E foi um suposto desentendimento entre o ex-presidente e a ex-primeira dama que faz a PF chegar a uma conclusão:
"Dessa forma, as mensagens demonstram a atuação de Paulo Gordilho, e consequentemente da Construtora OAS, em obras realizadas no sítio em Atibaia/SP, indicando ainda a ciência por parte do ex-presidente Lula acerca do assunto, pois em certo trecho da conversa Paulo Gordilho escreve 'Ele quer uma coisa e Marisa quer outra e lá vai eu e o Léo dar opinião', além de citar o encontro entre os mesmos", disse a PF.
Os trechos não comprovam que o ex-presidente seja dono do imóvel em Atibaia, mas as ilações e sustentações são garantidas em todas as 22 páginas da PF em relatório de análise, dentro dos autos que tramitam contra Lula a respeito do sítio e também do apartamento triplex no Guarujá.
A narrativa desenhada pelos investigadores nesse documento se justifica porque Paulo Gordilho seria uma das únicas pontes que poderiam conectar as obras realizadas no sítio e o apartamento da OAS no Guarujá com o ex-presidente, na tentativa de criminalizá-lo.
Após todo o emaranhado de teses com poucas provas materiais, a PF conclui que as mensagens capturadas apontam "a participação de Paulo Gordilho, Léo Pinheiro – e consequentemente da Construtora OAS – em projetos de cozinha instalados em imóveis localizados nas cidades do Guarujá e de Atibaia, ambos no estado de São Paulo, fazendo referência, possivelmente, ao sítio em Atibaia e ao apartamento 164-A localizado no Condomínio Solaris no Guarujá".
Para a defesa do ex-presidente, a tentativa da Lava Jato de criminalizar Lula se tornou uma "obsessão".
Leia a íntegra da nota enviada pelo advogado Cristiano Zanin Martins: 
"O ex-Presidente Lula e seus familiares não são proprietários de qualquer imóvel no Edifício Solaris, no Guarujá, ou em Atibaia. Os imóveis pertencentes a Lula estão devidamente declarados à Receita Federal.
A obsessão da Lava Jato em tentar incriminar o ex-presidente e atacar sua reputação e de seus familiares faz com que os investigadores se valham de procedimentos ocultos e de seguidos vazamentos de questões absolutamente irrelevantes, gastando tempo e recursos públicos do Estado.
No dia 4 de março de 2016 Lula foi conduzido coercitivamente sem ter sido intimado, medida sem previsão na legislação brasileira, para depor no aeroporto de Congonhas. Perguntado sobre o nome de Paulo Gordilho, entre muitos outros nomes, respondeu “por nome, não”. O ex-presidente não é obrigado a recordar o nome de todas as pessoas que já tiraram foto com ele.
Depois de concluir uma investigação pública sobre o Edifício Solaris sem identificar um apartamento pertencente a Lula naquele empreendimento, a Lava Jato se vale de procedimentos ocultos e vazamentos em série para continuar o ataque à reputação do ex-Presidente e seus familiares. Os advogados de Lula aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal para combater mais essa arbitrariedade da Operação".
Leia a íntegra do relatório da PF sobre as mensagens do ex-executivo:

Arquivo

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Golpe ou farsa

O jornal francês Le Monde, um dos mais influentes da Europa, publicou editorial neste fim de semana, em que afirma que o processo impeachment de Dilma Rousseff é “golpe ou farsa”, que vitima o povo brasileiro. O jornal avalia que, mesmo cometendo erros políticos e econômicos, não há argumentos legais para o seu afastamento da presidência. “Esse episódio não será glorioso para a posteridade da jovem democracia brasileira.” Leia mais http://migre.me/uMLgp

A gente se fala


O sentido do golpe

O julgamento de Dilma Rousseff esconde o objetivo verdadeiro do golpe posto em marcha pelos conservadores e a direita: colocar um ponto final no projeto democrático, nacional e desenvolvimentista inaugurado com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República em 2003, mantido depois de 2010 por Dilma Rousseff. Leia editorial do Vermelho http://migre.me/uML9p

26 agosto 2016

Mundo em crise: para onde?

Crônica em meio à grande crise global
Saídas para evitar colapso civilizatório são evidentes, mas nunca estiveram tão bloqueadas. A questão crucial: teremos tempo para chegar a um plano B?
Ladislau Dowbor, na Carta Capital
Nick Ferrante, 77 anos, em Windber, cidade norte-americana na qual 11% da população vive abaixo da linha da pobreza.
O dinheiro flui para o lugar errado
Difícil deixar de pensar que estamos vivendo num circo gigante. Quando sentamos no sofá depois de um dia bizarro de trabalho e horas de transporte, as novelas surreais na TV nos dão uma visão geral do jogo global: tantas bombas sobre a Síria, mais refugiados nas fronteiras, os problemas das grandes finanças, os últimos gols de Neymar. Ah sim, e quem, depois de Hungria, Grécia, Polônia e Reino Unido, está ameaçando deixar a União Europeia em nome de ideais nacionais superiores.
É um jogo e tanto. Relatórios do Crédit Suisse e da Oxfam mostram a grande divisão entre os donos do jogo e os espectadores: 62 bilionários têm mais riqueza do que os 50% mais pobres da população mundial. Eles produziram tudo isso?
Evidentemente, tudo depende de que papel você desempenha no jogo. Em São Paulo, os muito ricos que habitam o condomínio de Alphaville estão murados em segurança, enquanto os pobres que vivem na vizinhança se autodenominam Alphavella. Alguém precisa cortar a grama e entregar as compras.
De acordo com o relatório global da WWF sobre a destruição da vida selvagem, 52% das populações de animais não-domesticados desapareceram, durante os 40 anos que vão de 1970 a 2010. Muitas fontes de água estão contaminadas ou secando. Os oceanos estão gritando por socorro, o ar condicionado prospera. As florestas estão sendo derrubadas na Indonésia, que substituiu a Amazônia como a região número um do mundo em desmatamento. A Europa precisa ter energia renovável, de carne barata e da beleza do mogno.
A Rede de Justiça Fiscal revelou que cerca de 30 trilhões de dólares – comparados a um PIB mundial de US$ 73 trilhões – eram mantidos em paraísos fiscais em 2012. O Banco de Compensações Internacionais da Basileia mostra que o mercado de derivativos, o sistema especulativo das principais commodities, alcançou 630 trilhões de dólares, gerando o efeito iôiô nos preços das matérias-primas econômicas básicas.
O maior jogo do planeta envolve grãos, minerais ferrosos e não ferrosos, energia. Essas commodities estão nas mãos de 16 corporações basicamente, a maior parte delas sediadas em Genebra, como revelou Jean Ziegler no livro A Suíça lava mais branco. Não há árbitro neste jogo, estamos num ambiente vigiado. Os franceses têm uma excelente descrição para os nossos tempos: vivemos une époque formidable!
Fizemos um trabalho perfeito em 2015: a avaliação global sobre como financiar o desenvolvimento em Adis Abeba, as metas do desenvolvimento sustentável para 2030 em Nova York e a cúpula sobre mudanças climáticas em Paris. Os desafios, soluções e custos foram claramente expostos. Nossa equação global é suficientemente simples para ser executada: os trilhões em especulação financeira precisam ser redirecionados para financiar inclusão social e para promover a mudança de paradigma tecnológico que nos permitirá salvar o planeta. E a nós mesmos, claro.
Mas são os lobos de Wall Street que traçaram o código moral para este esporte: Ganância é ótima!
Afogando em números - Estamos nos afogando em estatísticas. O Banco Mundial sugere que deveríamos fazer algo a respeito dos news four biliion – referindo-se aos quatro bilhões de seres humanos “que não têm acesso aos benefícios da globalização” – uma hábil referência aos pobres. Temos também os bilhões que vivem com menos de 1,25 dólar por dia.
A FAO nos mostra em detalhes onde estão localizadas as 800 milhões de pessoas famintas do
mundo. A Unicef conta aproximadamente 5 milhões de crianças que morrem anualmente em razão do acesso insuficiente a comida e água limpa. Isso significa quatro World Trade Centers por dia, mas elas morrem silenciosamente em lugares pobres, e seus pais são desvalidos.
As coisas estão melhorando, com certeza, mas o problema é que temos 80 milhões de pessoas a mais todo ano – a população do Egito, aproximadamente – e este número está crescendo. Um lembrete ajuda, pois ninguém entende de fato o que significa um bilhão: quando meu pai nasceu, em 1900, éramos 1,5 bilhão; agora somos 7,2 bilhões. Não falo da história antiga, falo do meu pai.
E já que não é da nossa experiência diária entender o que é um bilionário, vai aqui uma nova imagem: se você investe um bilhão de dólares em algum fundo que paga miseráveis 5% de juros ao ano, ganha 137.000 dólares por dia. Não há como gastar isso, então você alimenta mais circuitos financeiros, tornando-se ainda mais fabulosamente rico e alimentando mais operadores financeiros.
Investir em produtos financeiros paga mais do que investir na produção de bens e serviços – como fizeram os bons, velhos e úteis capitalistas – de modo que não tem como o acesso ao dinheiro ficar estável, muito menos gotejar para baixo. O dinheiro é naturalmente atraído para onde ele mais se multiplica, é parte da sua natureza, e da natureza dos bancos.
Dinheiro nas mãos da base da pirâmide gera consumo, investimento produtivo, produtos e empregos. Dinheiro no topo gera fabulosos ricos degenerados que comprarão clubes de futebol, antes de finalmente pensar na velhice e fundar uma ONG – por via das dúvidas.
Um suborno global - Muita gente percebe que as regras do jogo são manipuladas. Os tempos são de fraude global, quando pessoas fabulosamente ricas doam a políticos e promovem a aprovação de leis para acomodar suas crescentes necessidades, fazendo da especulação, da evasão fiscal e da instabilidade geral um processo estrutural e legal.
Lester Brown fez suas somatórias ambientais e escreveu Plano B [“Plan B”], mostrando claramente que o atual Plano A está morto. Gus Speth, Gar Alperovitz, Jeffrey Sachs e muitos outros estão trabalhando no Próximo Sistema [“Next System”], mostrando, implicitamente, que nosso sistema foi além de seus próprios limites.
Joseph Stiglitz e um punhado de economistas lançaram Uma Agenda para a Prosperidade Compartilhada, rejeitando “os velhos modelos econômicos”. De acordo com sua visão, “igualdade e desempenho econômico constituem na realidade forças complementares, e não opostas”.
A França criou seu movimento de Alternativas Econômicas; temos a Fundação da Nova Economia no Reino Unido; e estudantes da economia tradicional estão boicotando seus estudos em Harvard e outras universidades de elite. Mehr licht! [Mais luz!]
E os pobres estão claramente fartos desse jogo. Sobram muito poucos camponeses isolados e ignorantes prontos a se satisfazer com sua parte, seja ela qual for. As pessoas pobres de todo o mundo estão crescentemente conscientes de que poderiam ter uma boa escola para seus filhos e um hospital decente onde pudessem nascer. E além disso veem na TV como tudo pode funcionar: 97% das donas de casa brasileiras têm aparelho de TV, mesmo quando não têm saneamento básico decente.
Como podemos esperar ter paz em torno do lago que alguns chamam de Mediterrâneo, se 70% dos empregos são informais e o desemprego da juventude está acima de 40%? E eles estão assistindo na TV o lazer e a prosperidade existentes logo ali, cruzando o mar, em Nice?
A Europa bombardeia-os com estilos de vida que estão fora do seu alcance econômico. Nada disso faz sentido e, num planeta que encolhe, é explosivo. Estamos condenados a viver juntos, o mundo é plano, os desafios estão colocados para todos nós, e a iniciativa deve vir dos mais prósperos. E, felizmente, os pobres não são mais quem eram.
Cultura e convivialidade - Sempre tive uma visão muito mais ampla de cultura do que o tradicional “Ach! disse Bach”. Penso que ela inclui desfrutar de alegria com os outros, enquanto se constrói ou se escreve alguma coisa, ou simplesmente se brinca por aí. Convivialidade. Recentemente passei algum tempo em Varsóvia. Nos fins de semana de verão, os parques e praças ficavam cheios de gente e havia atividades culturais para todo lado.
Ao ar livre, com um monte de gente sentada no chão ou em simples cadeiras de plástico, uma trupe de teatro fazia uma paródia do modo como tratamos os idosos. Pouco dinheiro, muita diversão. Logo adiante, em outras partes do parque Lazienki, vários grupos tocavam jazz ou música clássica, e as pessoas estavam sentadas na grama ou assentos improvisados, as crianças brincando por perto.
No Brasil, com Gilberto Gil no Ministério da Cultura, foi criada uma nova política, os Pontos de Cultura. Isso significou que qualquer grupo de jovens que desejasse formar uma banda poderia solicitar apoio, receber instrumentos musicais ou o que fosse necessário, e organizar shows ou produzir online. Milhares de grupos surgiram – estimular a criatividade requer não mais que um pequeno empurrão, parece que os jovens trazem isso na própria pele.
A política foi fortemente atacada pela indústria da música, sob o argumento de que estávamos tirando o pão da boca de artistas profissionais. Eles não querem cultura, querem indústria de entretenimento, e negócios. Por sorte, isso está vindo abaixo. Ou pelo menos a vida cultural está florescendo novamente. Os negócios têm uma capacidade impressionante para ser estraga-prazeres.
O carnaval de 2016 em São Paulo foi incrível. Fechando o círculo, o carnaval de rua e a criatividade improvisada estão de volta às ruas, depois de ter sido domados e disciplinados, encarecidos pela comunicação magnata da Rede Globo.
As pessoas saíram improvisando centenas de eventos pela cidade, era de novo um caos popular, como nunca deixou de ser em Salvador, Recife e outras regiões mais pobres do País. O entretenimento do carnaval está lá, é claro, e os turistas pagam para sentar e assistir ao show rico e deslumbrante, mas a verdadeira brincadeira está em outro lugar, onde o direito de todo mundo dançar e cantar foi novamente conquistado.
Um caso de consumo - Eu costumava jogar futebol bastante bem, e ia com meu pai ver o Corinthians jogar no tradicional estádio do Pacaembu, em São Paulo. Momentos mágicos, memórias para a vida inteira. Mas principalmente brincávamos entre nós, onde e quando podíamos, com bolas improvisadas ou reais.
Isso não é nostalgia dos velhos e bons tempos, mas um sentimento confuso de que quando o esporte foi reduzido a ver grandes caras fazendo grandes coisas na TV, enquanto a gente mastiga alguma coisa e bebe uma cerveja, não é o esporte – mas a cultura no seu sentido mais amplo – que se transformou numa questão de produção e consumo, não em alguma coisa que nós próprios criamos.
Em Toronto, fiquei pasmo ao ver tanta gente brincando em tantos lugares, crianças e gente idosa, porque espaços públicos ao ar livre podem ser encontrados em todo canto. Aparentemente, por certo nos esportes, eles sobrevivem divertindo-se juntos. Mas isso não é o mainstream, obviamente.
A indústria de entretenimento penetrou em cada moradia do mundo, em todo computador, todo telefone celular, sala de espera, ônibus. Somos um terminal, um nó na extensão de uma espécie de estranho e gigante bate-papo global.
Esse bate-papo global, com evidentes exceções, é financiado pela publicidade. A enorme indústria de publicidade é por sua vez financiada por uma meia dúzia de corporações gigantes cuja estratégia de sobrevivência e expansão é baseada na transformação das pessoas em consumidores.
O sistema funciona porque adotamos, docilmente, comportamentos consumistas obsessivos, ao invés de fazer música, pintar uma paisagem, cantar com um grupo de amigos, jogar futebol ou nadar numa piscina com nossas crianças.
Um punhado de otários consumistas - Que monte de idiotas consumistas nós somos, com nossos apartamentos de dois ou três quartos, sofá, TV, computador e telefone celular, assistindo o que outras pessoas fazem.
Quem precisa de uma família? No Brasil o casamento dura 14 anos e está diminuindo, nossa média é de 3,1 pessoas por moradia. A Europa está na frente de nós, 2,4 por casa. Nos EUA apenas 25% das moradias têm um casal com crianças. O mesmo na Suécia. A obesidade está prosperando, graças ao sofá, à geladeira, ao aparelho de TV e às guloseimas.
Prosperam também as cirurgias infantis de obesidade, um tributo ao consumismo. E você pode
comprar um relógio de pulso que pode dizer quão rápido seu coração está batendo depois de andar dois quarteirões. E uma mensagem já foi enviada ao seu médico.
O que tudo isso significa? Entendo cultura como a maneira pela qual organizamos nossas vidas. Família, trabalho, esportes, música, dança, tudo o que torna minha vida digna de ser vivida. Leio livros, e tiro um cochilo depois do almoço, como todo ser humano deveria fazer. Todos os mamíferos dormem depois de comer, somos os únicos ridículos bípedes que correm para o trabalho.
Claro, há esse terrível negócio do PIB. Todas as coisas prazerosas que mencionei não aumentam o PIB – muito menos minha sesta na rede. Elas apenas melhoram nossa qualidade de vida. E o PIB é tão importante que o Reino Unido incluiu estimativas sobre prostituição e venda de drogas para aumentar as taxas de crescimento. Considerando o tipo de vida que estamos construindo, eles talvez estejam certos.
Necessitamos de um choque de realidade. A desventura da terra não vai desaparecer, levantar paredes e cercas não vai resolver nada, o desastre climático não vai ser interrompido (a não ser se alterarmos nosso mix de tecnologia e energia), o dinheiro não vai fluir aonde deveria (a não ser que o regulemos), as pessoas não criarão uma força política forte o suficiente para apoiar as mudanças necessárias (a não ser que estejam efetivamente informadas sobre nossos desafios estruturais).
Enquanto isso, as Olimpíadas e MSN (Messi, Suarez, Neymar para os analfabetos) nos mantêm ocupados em nossos sofás. Como ficará, com toda a franqueza, o autor destas linhas. Sursum corda.

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