28 outubro 2016

Uma crônica para descontrair

Eu e Belchior
Luciano Siqueira, no portal Vermelho

Ilustração no Portal Vermelho

Não o conheço pessoalmente, ele certamente jamais ouviu falar de mim. Igual acontece entre celebridades e pessoas quase que limitadas ao seu círculo de amizades.
Mas no instante em que se celebram os setenta anos do cearense Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, tenho cá o que registrar das minhas "relações pessoais" com ele.
Belchior, um dos mais marcantes poetas e compositores da música popular brasileira  - um mestre da crônica musicada, arrisco dizer – consta em muitas passagens do meu diário, ao longo dos anos.
Primeiro, pelas canções que se destacam em sua obra. 
Depois, ocorre que, em paralelo ao meu alumbramento com as suas letras quilométricas e sua original narrativa musical, fui tido por muita gente como seu irmão gêmeo.
É que nos anos 80, eu ainda exibia cabelos e bigode pretos e muita gente identificava semelhança física entre mim e ele. E tinha mesmo.
E era frequentemente inquirido sobre isso. A ponto de me permitir a pachorra de anotar num cartão que mantinha no bolso, em pequenos riscos sucessivos e um transversal a cada cinco, uma a uma às pessoas que me abordavam .
Parei quando já chegava a uns cinquenta e tantos!
Na Maternidade Barros Lima, zona norte do Recife, onde fui dar plantão na área de pediatria, funcionários e pacientes logo espalharam a boa notícia de que um irmão do autor de "Como nossos pais" e "Apenas um rapaz latino-americano" trabalhava no hospital.
Pior: eu mesmo contribuí para a disseminação do boato.
Numa das primeiras noites de trabalho, ao jantar no refeitório do hospital, a turma da cozinha se envolveu numa polêmica acesa cujo motivo era justamente a divisão entre os que tinham como verdadeiro meu parentesco com Belchior e os que tinham dúvida.
Até que uma das cozinheiras criou coragem e, como quem não quer nada, me perguntou se eu conhecia um certo cantor do Ceará. De pronto respondi:
- Claro, sou irmão do Belchior!
- Logo vi, o senhor é a cara dele!, gritou uma que lavava os pratos.
Parecia uma comemoração de Copa do Mundo, uma algazarra imensa. E tome perguntas sobre o cantor famoso, se eu também gostava de música, se sabia cantar e por aí em diante.
De nada adiantou eu dizer que se tratava de uma brincadeira, o estrago estava feito.
- Eu entendo, doutor. Ser irmão de gente famosa deve lhe incomodar muito – disse o rapaz da limpeza, um dos mais entusiasmados com a boa nova.
- Mas deve ser muito bom ter uma pessoa importante na família, né? – completou a que me fizera pergunta.
E assim vivi ali uns dois anos às voltas com o assunto.
Atendia uma criança no ambulatório, depois o pai ou a mãe me sapecava a pergunta inevitável:
- O senhor tem visto seu irmão?
De modo que os anos se passaram e creio que, em Casa Amarela e adjacências, ainda deva haver quem se lembre que trabalhou ali o irmão gêmeo do cantor que agora completa seus setenta bem vividos anos.
Irmão gêmeo, não. Admirador, sim. Sempre.

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26 outubro 2016

Instabilidade em todas as esferas

Instituições esgarçadas
Luciano Siqueira, no Blog de Jamildo 
A investida da Polícia Federal sobre o Senado, mediante ordem chancelada por um juiz de Primeira Instância – clara ruptura da autonomia entre os três Poderes da República -, fez-se estopim de querela aberta entre o senador Renan Calheiros e o policialesco ministro da Justiça Alexandre Moraes.
Temer estremece com receio de atropelamento da agenda regressiva no Senado.
Padilha se solidariza com Renan, tentando acalmar os ânimos.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, defende o Judiciário.
Bala pra lá, bala pra cá... e se desnuda, mais uma vez, a instabilidade institucional que o País atravessa, que permeou todo o processo golpista que propiciou o impeachment da presidenta Dilma (sem que tenha cometido crime de responsabilidade) ao arrepio da Constituição.
Em casa onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão – ensina o adágio popular.
Os três Poderes da República protagonizam sua crise particular, em íntima articulação com a crise econômica e o mar de incertezas que envolve a sociedade brasileira.
Enquanto isso, a Câmara aprova, em segundo turno, a PEC 241 como peça essencial do processo de regressão neoliberal encetado por Temer o bando palaciano.
Aqui e alhures, como se dizia antigamente, crise de tamanhas proporções encontra expressões as mais variadas, cuja essência está na dispersão de ideias e nas ameaças à ordem democrática.
Ao contrário do que tenta passar o complexo midiático governista, a atividade econômica do no país continua a cair, agora em ritmo mais acelerado, conforme assinala em entrevista ao portal Vermelho o economista Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC de São Paulo.
Segundo ele, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) teve retração de 0,91% em agosto – a maior queda em 15 meses – e de 5,6% nos últimos doze meses.
Mesmo a maioria governista na Câmara e no Senado, de perfil predominantemente conservador e fisiológico, exibe fraturas que poderão se ampliar na medida em que o governo faz água e em que se aproximam as próximas eleições presidenciais.
Nesse cenário, ganham relevância as manifestações contrárias à aprovação da PEC 241, que vão desde a ocupação temporária de escolas e Universidades ao pronunciamento firme e bem fundamentado da CNBB. Insuficiente para demoveram a Câmara e o Senado, mas significativas enquanto sinais de que uma reação ativa de setores diversos da população poderá crescer na esteira das políticas de regressão social e de restrição de direitos ora em curso.
Tudo parece uma espécie de purgação social e política que tanto pode dar no caos e na emergência de regime ditatorial, como numa renovação republicana.
Da resistência democrática podem surgir os elementos de um tempo novo de retomada do desenvolvimento socialmente inclusivo e de redesenho das instituições agora esgarçadas.

Leia também: As ocupações e o compromisso dos estudantes com o Brasil http://migre.me/vkq4P

25 outubro 2016

Resistência que pode crescer

Plantando agora para colher adiante
Luciano Siqueira, no Blog da Folha

As múltiplas e crescentes manifestações de protesto contra a PEC 241 certamente não serão suficientes para demover a Câmara e o Senado, que a aprovarão, mercê das suas maiorias conservadoras e fisiológicas. Entretanto, têm muita importância neste momento.

Das ocupações temporárias de escolas por estudantes ao pronunciamento da CNBB, tudo corre para o leito de um mesmo rio — o da resistência ao retorno ao neoliberalismo promovido por Temer e seu bando.

Economistas de reconhecida competência, como Marcio Pochmann, Tânia Bacelar, João Sicsú e outros, têm dissecado o sentido e as consequências nefastas da PEC para a economia do país e para o financiamento de políticas públicas de alcance social.

Aos poucos, parcelas mais amplas da população vão compreendendo o que se passa pós-golpe parlamentar-judicial-midiático que interrompeu o governo da presidenta Dilma.

A agenda regressiva do atual governo seguramente não passará impune. Haverá reação popular.  É questão de tempo.

Agora, atravessamos um instante profundamente negativo, marcado por uma correlação de forças francamente favorável à direita e aos setores mais conservadores.

Sob comando externo — o capital financeiro internacional —, impõe-se aqui o receituário que tem aprofundado a crise nos países da Zona do Euro.

O sistema bancário, a usura e a especulação nadam de braçadas, enquanto a maioria da população vê conquistas e direitos alcançados em pouco mais de uma década escorrerem pelo ralo.

Concomitantemente, segue a trama para incluir o ex-presidente Lula a todo custo entre os punidos por corrupção — ainda que sem provas e à base da "convicção" dos acusadores.

E o PT, que liderou a coalizão governista dos mandatos de Lula e Dilma, é alvo de intenso e ininterrupto fogo cruzado destinado a desmoralizá-lo aos olhos do povo.

Sem Lula no páreo e com PT defenestrado, o terreno estaria livre para a eleição de um presidente tucano apto a aprofundar o retrocesso neoliberal.

Fácil assim? Nem tanto. Falta combinar com o povo — e a atual resistência à PEC 241 parece ser um bom sinal de que essa combinação será rechaçada.

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24 outubro 2016

Gênios parceiros

O outro gênio por trás das obras de Shakespeare
Estudo afirma que Christopher Marlowe foi coautor de ‘Enrique VI’ com o mestre britânico 
Retrato de Christopher Marlowe. 
Sobre a vida do dramaturgo, poeta e tradutor inglês Christopher Marlowe há muitas especulações e poucas certezas, para além do consenso de que ele foi um colaborador, uma influência e também um forte rival deWilliam Shakespeare nos tempos elisabetanos. Mas uma equipe internacional de pesquisadores chegou à conclusão de que a cooperação entre eles foi bem mais estreita, a ponto de se atribuir, agora, a Marlowe nada mais nada menos do que a coautoria das três partes de Enrique VI, assinada pelo Bardo.
Os dois homens recebem conjuntamente os créditos como autores desse drama histórico na nova edição do New Oxford Shakespeare, cujos quatro volumes que reúnem a produção completa de Shakespeare serão lançados em o final de outubro e dezembro. “Conseguimos confirmar a participação de Marlowe nas três obras de forma bastante clara e consistente”, afirmou ao jornal The Guardian o professor norte-americano Gary Taylor, um dos coordenadores da equipe de 23 especialistas provenientes de cinco países que defende essa tese.
Recorrendo às modernas ferramentas digitais para analisar os textos, o estudo conseguiu estabelecer que a colaboração de Shakespeare com diversos autores foi muito mais ampla do que se acreditava até agora, e que outras mãos participaram de até 17 das 44 obras do Bardo. Esse número mais do que dobra a estimativa registrada n a edição anterior do New Oxford Shakespeare, de trinta anos atrás. Quando a prestigiosa publicação da Oxford University Press determinou, então, a colaboração externa em oito trabalhos shakespearianos, alguns setores do mundo acadêmico “se disseram indignados”, lembrou Taylor ao jornal. Pois bem, afirma o professor agora, jogando mais lenha na fogueira, “em 1986 nós subestimamos o volume dos trabalhos realizados em colaboração”, os quais, segundo as conclusões do mais recente estudo, estariam próximos de 38% de toda a sua obra.
A figura de Christopher Marlowe (cuja data de nascimento é desconhecida, embora se saiba que foi batizado em Canterbury em 26 de fevereiro de 1564) já foi objeto de todo tipo de teorias conspirativas baseadas em vários aspectos obscuros de sua biografia e de sua própria morte, ocorrida quando ele contava com apenas 29 anos de idade (1593). Entre elas, a de que o autor de Dido, Rainha de Cartado ou Doutor Fausto teria simulado o seu falecimento para continuar escrevendo sob o nome de William Shakespeare. Em outras palavras, que Shakespeare não escreveu as obras de Shakespeare, mas sim Marlowe. Essa teoria encontra a resistência de um setor do mundo acadêmico de admitir quer o Bardo tenha produzido várias de suas peças em coautoria, uma prática, na verdade, muito comum nos tempos do teatro elisabetano.
A forma como Shakespeare e esses outros autores dividiam entre si os enredos e personagens, compunham os seus respectivos trabalhos ou unificavam estilos, tudo isso são elementos que os estudiosos ainda não conseguiram detectar. Mas o que parece claro para a equipe de acadêmicos que continua a esquadrinhar o legado do maior dramaturgo de todos os tempos é que as três partes de Enrique VI foram finalizadas a quatro mãos: as de Shakespeare e as da nebulosa personalidade de Christopher Marlowe.

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Entreguismo

Na sanha de privatizar, Temer diz que Petrobras está “ajustada”- Durante a abertura da Rio Oil & Gas, nesta segunda-feira (24), Michel Temer (PMDB) disse em discurso que a recente alta no valor das ações da empresa e a melhora na avaliação de risco promovida pela agência Moody’s é resultado da nomeação de Pedro Parente para dirigir a estatal. A euforia de Temer e do mercado com Parente é porque ele, que é tucano, já avisou que o objetivo é privatizar. Leia mais http://migre.me/vkrTh

Pressão

Os deputados federais embarcaram em seus estados de origem e desembarcaram em Brasília, nesta segunda-feira (24), sob forte pressão dos movimentos sociais. Com faixa, cartazes e palavras de ordem, representantes dos movimentos sindicais e sociais promovem o Dia Nacional de Luta do Serviço Público, para pressionar os parlamentares a votarem contra a PEC 241. Leia mais http://migre.me/vkrRF

O lugar da mulher na política

Manuela d’Ávila* fala sobre o machismo na política
Entrevista a Nathali Macedo, DCM

A política brasileira, na atual configuração, ainda é machista? Quais são os núcleos de resistência a esse machismo?
Sem dúvida, nossa sociedade é machista e isso se reflete na política. Os espaços de poder ainda são vistos como espaços masculinos, as mulheres ainda precisam enfrentar muitos desafios para se colocar e permanecer nesses cargos de poder. É quase um símbolo de resistência.
Apesar de termos uma lei que reserve vagas nas eleições a candidaturas de mulheres, ainda falta investimento e apoio para que essas mulheres sejam eleitas. Vemos, cada vez mais, os movimentos sociais serem protagonizados pelas mulheres e, também, cada vez mais a organização de coletivos e grupos que priorizam o empoderamento das mulheres. É preciso encorajá-las a participar da política. Para isso, é necessário um real envolvimento dos partidos, de uma maneira geral, com a causa. Termos conseguido acabar com o financiamento privado de campanha já auxilia nessa questão, pois tínhamos campanhas muitos desiguais. Agora é lutar para que não haja retrocesso nesse sentido.
A senhora foi criticada por postar uma foto no seu facebook amamentando a sua filha, e também por amamentá-la no plenário, e desabafou sobre o absurdo que de fato é a sexualização da amamentação. Esse desabafo surtiu algum efeito, ou a hostilização persiste?
Não imaginei que a foto teria tanta repercussão, ela foi tirada por um fotógrafo da Assembleia. A imagem rodou o mundo e fiquei surpresa, pois isso só demonstra que a amamentação ainda é vista como algo que deve ser escondido. A repercussão da imagem gerou muita discussão, o que é muito positivo, pois só debatendo esse tipo de assunto é que vamos avançar. Claro que recebi críticas, mas são a partir delas que vemos o quanto ainda temos que desconstruir e romper com o preconceito que atinge a amamentação, a mulher e a maternidade como um todo.
Por que a amamentação ainda é um tabu em pleno Século XXI?
Ocupar os espaços públicos enfrentando o significado da invisibilidade do espaço privado parece ser um ponto nevrálgico das lutas emancipacionistas. Qualquer que seja nossa bandeira, em algum momento, nos depararemos com essa questão: da cultura que justifica a violência sexual culpabilizando as mulheres ou que sugere resguardar a violência doméstica ao ambiente familiar à formatação do poder político, compreender que estamos saindo do “quadrado” destinado a nós ao sermos mulheres no espaço público é fundamental.
Sou mãe por opção. Opção porque quis ficar grávida e opção porque defendo o direito das mulheres de não serem mães. Não lembro de muitas reflexões minhas sobre o real significado da maternidade como espaço de reprodução do machismo antes de eu mesma ser mãe. Decidi, junto com meu companheiro, manter minha filha sob nossos cuidados exclusivos durante os mil primeiros dias. Decidi, também, seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e amamentar exclusivamente minha filha até os seis meses, prolongando a amamentação até o seu desmame natural. Voltei a trabalhar exatamente no dia em que Laura fez quatro meses. Era 27 de dezembro, o governador havia convocado uma sessão extraordinária e fazia uns 40 graus em Porto Alegre. Bebês maiores amamentados sentem fome com muita frequência e, com o calor, precisam ser hidratados. Foi memorável as idas e vindas de meu companheiro Duca com Laura. Era uma da madrugada quando decidi que ele não a tiraria mais de casa, que não era justo ela ser amamentada no carro ou no banheiro ou na gritaria dos corredores. Foi ali também que percebi que há doze anos eu era submetida a processos de votação noturnos, pois meus colegas, homens, não têm majoritariamente, nenhuma responsabilidade no ambiente privado, familiar, doméstico. A rotina no plenário dos parlamentos não acompanha a rotina de horários de serviços, pois aos homens não cabem responsabilidades corriqueiras como buscar os filhos na escola, por exemplo.
Depois disso, passei a ouvir os conselhos para que não amamentasse na Assembleia, para que a deixasse numa creche. Nem vou escrever sobre a quantidade de opiniões que nós, mães, ouvimos sobre como devemos criar nossas filhas e sobre a culpa sem fim que imputam a nós: se deixamos na creche, somos ruins; se deixamos em casa, não estaremos permitindo que convivam com crianças; se amamentamos, é errado; se damos leite em pó também é. Vou me deter à percepção que toda a política é feita para a inexistência de mulheres e, principalmente, mulheres com filhos.
Toda ida com Laura a uma agenda, a uma sessão, a um compromisso virou, sem que eu percebesse, um gesto de resistência. Um gesto de ousadia. Percebi que, mesmo que eu explicasse que ela era amamentada, que ela estava feliz, agarrada comigo no sling, as pessoas se incomodavam com a presença dela. Na verdade, elas se incomodavam comigo. Comigo sendo mulher e mãe. Pois eu podia estar ali enquanto não dizia que o horário de almoço não era o correto para uma reunião, que depois das 21 horas preferia estar em casa para vê-la, que a agenda de três dias deveria ter pausas para que ela respirasse. À maternidade, tão “endeusada” pela sociedade, é reservado o espaço privado. A casa, a sala de amamentação. Percebi que o espaço público, sobretudo os espaços de poder, não tem espaço para nós. Por isso mesmo decidimos ficar. Para mostrar que lugar de mulher é em todo lugar. E qualquer lugar pode ser de qualquer mulher. Inclusive, das que decidem ser mães.
Quais são as principais dificuldades que uma mulher atuante como a senhora encontra dentro da Assembleia Legislativa?
Nós, mulheres, temos que comprovar a todo momento nossa capacidade de trabalho. Nossos atributos quase sempre são vinculados a nossa aparência e modo de vida. Somos julgadas se nos separamos, se casamos, se engordamos. Na política, isso também acontece.
A nossa sociedade, nosso sistema, não é preparado e nem pensado para as mulheres e mães. Por exemplo, quando voltei de licença, quando tive a Laura, tivemos na Assembleia uma votação que foi até às 3h. Esse horário é feito para homens. Para pessoas que não precisam buscar filho no colégio ou serem responsáveis diretos pela criação dos seus filhos. Naquela ocasião, a Laura foi mamar três vezes antes da meia-noite. Quando deu 1h, eu decidi que não ia mais tirá-la de casa. Acabei levando falta.
Há machismo na esquerda? Quais são as diferenças pontuais entre o machista de direita e o machista de esquerda?
O machismo permeia todos os setores e classes sociais. Na esquerda, não é diferente. Ocorre que, por vezes, é um machismo mascarado. Mas, por termos mulheres feministas atuantes e muitos homens pró-feministas, conseguimos avançar e desconstruir, o que dificilmente ocorre no campo da direita.
*Deputada estadual pelo PCdoB-RS

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Resistência democrática

As ocupações e o compromisso dos estudantes com o Brasil
Editorial do Vermelho

É característica das ditaduras a reação policialesca do ocupante do Ministério da Educação, Mendonça Filho, à mobilização dos estudantes contra a reforma do Ensino Médio e o projeto de lei chamado de “Escola sem Partido” ou “Lei da Mordaça”, e contra a PEC 241 que reduz severamente as verbas públicas para a educação.

Em ofício enviado na quarta-feira (19) o MEC queria transformar os dirigentes dos institutos federais de educação em informantes. A resposta foi um claro “não” daqueles dirigentes, ao mesmo tempo em que a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) denunciou aquela tentativa policialesca e garantiu que as ocupações continuam.
 

As ocupações já abrangem mais de 1000 escolas, principalmente do ensino médio mas também em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) e universidades. Embora seja mais forte no estado do Paraná, o movimento já chegou a vinte unidades da federação, revelando o alcance nacional da luta.

A juventude assume hoje a mesma posição de vanguarda que sempre teve nas lutas sociais. Por exemplo, em1966 esteve à frente da luta de massas que resistiu à ditadura militar ao se insurgir contra o Acordo Mec/Usaid que impunha uma reforma do ensino ao Brasil que, não por acaso, era semelhante à que o governo ilegítimo de Michel Temer quer impor meio século depois.

A juventude foi vanguarda também em 1977, no reinício das grandes manifestações de massa que marcaram o colapso da ditadura militar. E teve participação decisiva no Fora Collor, em 1992, contra igual ameaça neoliberal ao desenvolvimento democrático do Brasil e sua condição de nação soberana.

Hoje, a luta é semelhante, contra as mesmas forças conservadoras e de direita que pretendem manietar o ensino e transformá-lo em mero treinamento com escassa formação humanista, histórica e filosófica, a juventude insurge-se e diz, com voz poderosa: não!

As ocupações reapareceram em setembro, como resposta imediata ao anúncio pelo ocupante do MEC da intenção de impor, por Medida Provisória, aquilo que os estudantes chamam de “deformação do ensino médio”.
 

A resposta dos estudantes contra aquela “deformação” e a iniciativa policialesca e ditatorial do MEC foi a luta que se espraia pelo Brasil.
 

A Ubes rejeita as declarações do MEC que “no lugar do diálogo, prefere ameaçar e perseguir estudantes nas ocupações”. E garante: “permanecerão resistentes até que a MP da ‘Deforma’ do Ensino Médio seja revogada”.

A criminalização deste movimento, apelidado por seus líderes de “Primavera Secundarista”, é acompanhada pela mídia golpista, como se viu num editorial do jornalão paulistano
 O Estado de S. Paulo, que tentou desqualificar as ocupações como “atos que são criminosos, por afrontar a ordem jurídica”, e pede o uso da polícia contra os estudantes.

Os estudantes respondem com o compromisso histórico que têm não apenas com a juventude e a educação, mas também, com o Brasil e os brasileiros. Em nota divulgada na quinta-feira (20) a Ubes afirma: “somos lutadores do hoje para garantir um futuro melhor e mais justo para todo o povo brasileiro”. Os estudantes merecem a inteira solidariedade das forças democráticas e progressistas em sua luta em defesa da educação de qualidade e defesa da democracia seriamente golpeada pelo governo ilegítimo de Michel Temer.
 

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Humor de resistência

Jean Galvão vê a propaganda fascistóide do governo Temer.

Desmontando os fundamentos da PEC 241

João Sicsú denuncia "quatro mentiras da PEC 241"
Portal Vermelho

O economista João Sicsú usou sua conta oficinal no Facebook para desconstruir a PEC 241. De acordo com ele, argumentos de que a Proposta é “indispensável” para “salvar a economia nacional são completamente infundados.

A primeira “mentira” da PEC, como Sicsú qualifica, é de que poderá “reverter o quadro de agudo desequilíbrio fiscal” do país. Segundo o economista, o déficit público orçamentário está em um “patamar aceitável” desde 2003. 

Leia na íntegra as “4 mentiras da PEC 241” por João Sicsú:
 

Mentira 1
 - "Reverter, no horizonte de médio e longo prazo, o quadro de agudo desequilíbrio fiscal em que nos últimos anos foi colocado o Governo Federal” (do texto da PEC).

O déficit público orçamentário (ou nominal), desde 2003, sempre esteve em patamar aceitável (média do período 2003-2013 = 3%). O que houve foi um aumento preocupante desse déficit no ano de 2014 (para 6,07% do PIB). Contudo, suas causas são conhecidas: o pagamento exorbitante de juros da dívida pública devido às elevadas taxas Selic (R$ 311 bilhões), as exageradas desonerações tributárias das atividades empresariais (perda de mais de R$ 100 bilhões) e a fraca arrecadação em decorrência do baixo crescimento (aumento do PIB de apenas 0,1%).

O quadro fiscal de desequilíbrio agudo ocorreu somente no ano de 2015 quando foram adotadas medidas severas de cortes de gastos públicos (que provocaram uma grave recessão de 3,8% do PIB, com queda da receita de 3% em termos reais). Em 2015, sob uma política de austeridade fiscal conjugada com gastos descontrolados de juros referentes à dívida pública (aumento dessas despesas foi de 62% em relação à 2014 enquanto a inflação do ano foi de 10,67%), o déficit orçamentário saltou, então, para um patamar inaceitável de 10,34% do PIB.

Nossas dificuldades fiscais advêm dos exagerados pagamentos de juros da dívida pública que decorrem das elevadas taxas Selic que são praticadas pelo Banco Central. E para conter esse desperdício de recursos públicos, a PEC nada propõe. Muito pelo contrário, esse é único gasto do governo que não está limitado pelas regras da PEC 241.

Mentira 2 - “Recolocar a economia em trajetória de crescimento, com geração de renda e empregos” ou “numa perspectiva social, a implementação dessa medida [a PEC 241] alavancará a capacidade da economia de gerar empregos e renda...” (do texto da PEC 241) .

Não é explicado como a economia pode crescer a partir de um freio nos gastos públicos do governo federal. O crescimento de uma economia tem que ocorrer necessariamente pelo crescimento do consumo ou do investimento privado ou das exportações (menos as importações)
 ou dos gastos do governo (inclusive seus investimentos).

Qualquer desses canais pode influenciar os demais. As exportações estão se enfraquecendo porque o Banco Central está deixando o câmbio se valorizar. E a contenção de gastos públicos indicado na PEC terá efeito negativo sobre o consumo e o investimento privado. Portanto, não há nexo com a teoria econômica nem com a realidade entre a contenção de gastos públicos (proposta na PEC) e uma possível trajetória de crescimento da economia (prometida na PEC).

Mentira 3 - A PEC 241 objetiva eliminar a suposta raiz do problema fiscal: “a raiz do problema fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária” (do texto da PEC 241).

Gastos públicos devem crescer (ou decrescer) em função da arrecadação do governo, de sua capacidade de endividamento saudável e das necessidades da sociedade.

O crescimento de gastos públicos acima ou abaixo da inflação não significa absolutamente nada. O aumento real dos gastos públicos não implica necessariamente piora dos resultados das contas públicas ou melhoria na qualidade de vida da população. Bem-estar social e organização fiscal dependem de outros fatores, por exemplo, aumento da arrecadação, crescimento populacional, despesas com o pagamento de juros da dívida pública e demandas sociais.

A raiz do déficit público brasileiro, ou seja, a sua principal causa é o pagamento de juros da dívida pública devido às altas taxas Selic praticadas pelo Banco Central. E não o excesso de gastos primários(saúde, educação etc). Nos últimos cinco anos (2011-2015), a despesa com o pagamento de juros cresceu 111,8%, enquanto a inflação do período foi de 39,4%.

Mentira 4 - A PEC 241 pretende criar as condições para a redução das taxas de juros: “certamente a contenção do crescimento do gasto primário, em uma perspectiva de médio prazo, abrirá espaço para a redução das taxas de juros, seja porque a política monetária não precisará ser tão restritiva, seja porque cairá o risco de insolvência do setor público” (do texto da PEC).

Diferentemente do que é argumentado no texto da PEC, o Banco Central não alega que não reduz a taxa de juros Selic devido à política de gastos do governo federal. O argumento do BC é a necessidade do controle da inflação. É o que é dito nos documentos oficiais. Também são mentiras.
 

A verdade é que os juros são altos para que haja uma brutal transferência de renda de toda a sociedade (via setor público) para banqueiros e rentistas.

O outro argumento mentiroso é que a taxa de juros Selic poderá cair porque haverá redução do risco de insolvência do setor público. Entretanto, não há nenhuma relação entre taxa de juros Selic e grau de insolvência do setor público (considerando os atuais patamares da Selic).

Os credores do governo federal sabem que o risco de insolvência do setor público é desprezível, que o governo sempre honra com os seus compromissos - em detrimento inclusive de áreas sensíveis como saúde e educação.

Os credores aceitam os atuais 14% ao ano de juros como remuneração para a aquisição de mais títulos, mas aceitariam 13%, 12%, 11% etc. Nós não sabemos qual é o piso de taxa de juros capaz de rolar (ou não) a dívida pública porque nunca arriscamos conhece-lo.

Se tivéssemos realizado uma redução significativa da taxa de juros Selic, poderíamos conhecer a relação entre piso de juros e risco de carregamento de títulos públicos. Mesmo quando a presidente Dilma decidiu reduzir a taxa Selic no ano de 2012, os “gritos” não eram que títulos não seriam comprados àquela taxa devido ao risco de insolvência do setor público, mas sim que a inflação era alta e descontrolada (associado ao argumento de que “taxa de juros não se reduz por decreto”).
 

Leia também: A atividade econômica no país continua a cair, agora em ritmo ainda mais acelerado http://migre.me/viGVZ

23 outubro 2016

Embuste

O Globo
Gasolina não ia salvar a Pátria?
Paulo Henrique Amorim, Conversa Afiada

Lembra, amigo navegante, quando o Pedro Malan Parente reduziu o preço da gasolina em R$0,03 e o PiG avisou que a Pátria estava salva!
A inflação ia para o centro da meta da seleção da Alemanha, os juros iam cair a 0,01% por década!
E o Golpe seria consagrado nas ruas!
Temer é o Rei!
(Do Japão)
Quá, quá, quá!
Chama o Cerra, que também administra a taxa de juros e avisou que o preço da gasolina ia provocar uma reviravolta no Banco Central do Itaúúúú!
Quá, quá, quá!
E, obedientemente, o Banco Central do Itaúúúú reduziu os juros por causa do Cerra e da gasolina!
São uns impostores!
Leia também: A atividade econômica no país continua a cair, agora em ritmo ainda mais acelerado http://migre.me/viGVZ

22 outubro 2016

Poesia sempre


Efeito zero

Copom, uma decisão para inglês ver?
Lecio Moraes, no Blog do Renato

A última reunião do Copom ao reduzir a meta da taxa Selic de 14,25% para 14% foi uma decisão política. Ela não foi feita para gerar resultado prático, mas para engrossar as expectativas criadas pelos mercados financeiros de que o pior da crise econômica já passou e que a taxa de inflação consolidou uma virada para baixo.
O efeito concreto da redução de 0,25% na atividade econômica é zero. Nenhuma taxa de juro da
economia irá se reduzir, nem no crédito ao consumidor, nem no crédito ao comércio e muito menos o do investimento. A única consequência real será uma redução do custo de captação dos bancos, ficando mais barato, por exemplo, emitir CDB, uma aplicação financeira de curto prazo bastante popular.
Além da redução ser pequena, ela apenas deterá o aumento da taxa real que vem acontecendo desde fevereiro deste ano e se acelerou mais a partir de maio. Uma taxa de juro real é aquela obtida descontando a taxa da inflação futura da taxa nominal do momento.
Embora a taxa Selic nominal esteja congelada em 14,25% desde 2013, o seu valor real veio caindo desde então à medida que a expectativa sobre a inflação dos 12 meses seguintes aumentava. Essa tendência só se inverteu em fevereiro passado.
Por conta desse efeito, a taxa Selic real em janeiro estava em 6,95%. Agora em outubro, antes da redução, ela já era de 8,75%! 
Com a redução desta semana, a taxa real cai para 8,52%, detendo a sua elevação. Isso faz com que continuemos a deter a maior taxa básica real de todo do mundo. Embora haja taxas nominais maiores, como a da Argentina e da Venezuela, que ultrapassam os 20%, como esses países as taxas inflacionárias são maiores, suas taxas reais estão abaixo dos 5%.
Mas, sem dúvida, a decisão do Copom pode servir para auxiliar as tentativas do mercado financeiro em melhorar seu desempenho. O esforço dos mercados de títulos e de ações é melhorar as expectativas de uma retomada dos negócios já em 2017. Daí que essa redução já era anunciada há duas reuniões do Copom. Uma melhora de expectativas proporciona bons lucros. 
O problema é que o mercado apostava em 0,5% de redução, mas foi menos. Muitos ganharam na aposta do corte, porém muitos outros perderam no seu tamanho. O clima no dia seguinte foi de certa decepção. 
Agora vamos ver se a redução homeopática da taxa Selic pode auxiliar as expectativas ou se não passou de uma decisão para inglês ver.
Lecio Morais é economista e assessor da Liderança do PCdoB na Câmara

Leia também Emir Sader: O que está em jogo é o desmonte do Brasil http://migre.me/vgoAb

Lula pede respeito!


Onda de protestos

As ocupações de escolas e de Institutos Federais de educação, promovidas pelos próprios estudantes, já alcançou 19 estados em todo o país. Ao todo, são cerca de mil escolas ocupadas, segundo os levantamento da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) e da Mídia Ninja, e esse número deve aumentar nos próximos dias, numa espécie de efeito cascata.  Leia mais http://migre.me/vjelV

Trama para prender Lula?


21 outubro 2016

Geopolítica & Brasil

Falsa democracia é produto de exportação americano
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, Moniz Bandeira fala sobre a geopolítica internacional e suas influências na política interna brasileira.
Léa Maria Aarão Reis, Carta Maior
Há cerca de duas semanas chegou às livrarias o novo livro do professor Luiz Alberto Moniz Bandeira, A Desordem Mundial (Ed. Civilização Brasileira/ 642 páginas), historiador e cientista social e  segundo o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães “o mais importante especialista brasileiro e latino-americano em política internacional.” Este trabalho fecha a sua trilogia constituída de Formação do Império Americano e A Segunda Guerra Fria, frutos de exaustiva pesquisa e formidável e incontestável documentação onde o professor aposentado da Universidade de Brasília e
universidades da Alemanha, Suécia, Portugal e Argentina aprofunda o “fio condutor que atravessa a sua obra de ponta a ponta: o antiimperialismo ocidental e, em particular, americano,” como a ela se refere o pesquisador Michael Löwy na apresentação do trabalho.
Em A Desordem Mundial, livro de referência onde é narrada a saga dramática da geopolítica atual – e da humanidade -, é aprofundada a descrição dos métodos da exportação de fake democracie pelos Estados Unidos (democracia militar governada pelo poder aninhado em Wall Street, como registra o historiador); o seu objetivo de total dominação num mundo unipolar com as guerras por procuração (as proxy wars); o ressurgimento notável da Rússia como potência militar e diplomática, e os processos de desestabilização de governos mais vulneráveis ou que contrariam frontalmente seus interesses econômicos (o regime change) como é analisado,  na Ucrânia e na Síria. 
Algumas observações de Moniz Bandeira tais  como “a corrupção é inerente à república presidencialista inspirada no modelo americano” ou ‘’quem fala de teoria de conspiração é ignorante” estão na entrevista que ele concedeu a Carta Maior por email, do escritório de sua residência, em Heidelberg, na Alemanha, onde vive há 20 anos com a mulher, Margot, e o filho, Egas.
Nela, ele faz observações também sobre o golpe no Brasil, programado de fora do país: ”Ele ainda está se consumando.”
Carta Maior – Em quanto tempo escreveu A desordem mundial que fecha uma trilogia com Formação do Império Americano e A Segunda Guerra Fria? 
Há muitas décadas, desde os meus 20 anos, acompanho e estudo os Estados Unidos, sua formação, política internacional e relações com o Brasil e demais países da América Latina, tais como os da Bacia do Prata, Chile, Cuba etc. Formação do Império Americano,  essencialmente uma trilogia com A Segunda Guerra Fria e A Desordem Mundial, comecei a escrever em 2008, quando os embaixadores Jerônimo Moscardo, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, e Carlos Henrique Cardim, diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) me convidaram para escrever um ensaio sobre a geopolítica e a dimensão estratégica dos Estados Unidos a fim de apresentá-lo na III Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional, no Rio de Janeiro em 29 de setembro de 2008. Depois de 2010, com a evolução dos acontecimentos internacionais, econômicos e políticos, conversei com meu querido editor, Sérgio Machado, proprietário da Record/Civilização, e com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, meu particular amigo, e ambos me estimularam a desenvolver o ensaio e transformá-lo em uma obra com o título A Segunda Guerra Fria. A história é movimento, é um contínuo devenir, a cada instante, como as nuvens no céu, ela toma formato diverso e a partir daí me vi na contingência de escrever outro livro, A Desordem Mundial,  lançado agora.
CM – Entre os 24 capítulos de A Desordem Mundial dez deles são dedicados ao golpe na Ucrânia. Terá sido este o primeiro grande evento geopolítico recente a ser identificado, do ponto de vista histórico, como marco de uma ruptura que sinaliza um perigoso mundo do futuro?
A Ucrânia e a Síria são dois teatros de guerra em que os Estados Unidos estão atolados e, virtualmente, derrotados. Apesar do aguçamento das tensões, um cenário que muitos analistas consideram talvez mais grave do que a crise dos mísseis instalado em Cuba em 1962, não creio que
elas esquentem ao ponto de levar os Estados Unidos e a Rússia a um confronto armado direto. Não creio que os falcões de Washington se arrisquem a tanto. Seria  a destruição mútua de ambas as potências. A guerra fria, no entanto, deve prosseguir de uma forma ou de outra porque constitui uma necessidade econômica dos Estados Unidos. Os lucros e as comissões que a indústria bélica e sua cadeia produtiva proporcionam,  os empregos e a receita de que vários Estados do  sun-belt(Califórnia e outros) dependem, bem como os orçamentos do Pentágono, da CIA e demais órgãos de segurança, todos necessitam da criação de ameaças tais como a Rússia etc.
 CM - Embora imperialistas por um lado, e colonizados, por outro, digam que o ''avesso'' da falsa realidade que o senhor apresenta,  é “teoria de conspiração'', começa o acesso massivo a fatos reais -  como o célebre ''Fuck EU'' da embaixadora americana Victoria Nuland, que vazou, dois anos atrás, no início do golpe na Ucrânia, quando ela falava ao telefone. Acha que Snowden e Assange, Greenwald, Jeremy Scahill e outros jornalistas independentes como Robert Fisk estão abrindo caminho para contrapor os fatos à propaganda das agências?
Como historiador e cientista político, a fim de reconstituir os acontecimentos, sempre tratei de ouvir a todos, cruzar e confrontar todas as informações de modo a confirmar e ajustar os fatos ao que foi e é plausível, e assim acrescentar e/ou corrigir algumas informações e, outras, aprofundá-las. Decerto temos que conhecer a história em todas as múltiplas dimensões nas quais ela se desenvolve e evolui, e aprender os seus ensinamentos. Falar simplesmente em ‘’teoria da conspiração’’ é manifestação de desconhecimento e ignorância. Nada ocorre, nem um acidente de automóvel, sem causas; seja por falha mecânica, descuido do motorista ou outras. E assim é na história. Quem pode dizer, diante de tantos documentos revelados sobre a Operação Brother Sam, que o golpe contra o governo do presidente João Goulart não foi articulado a partir dos Estados Unidos (CIA, DIA etc.), embora uma parte do exército brasileiro  o executasse? Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, em 1964, quando me deu uma entrevista em Washington, alguns anos depois, disse-me, com o maior cinismo, que “nenhum americano participou do golpe contra Goulart”. Eu  respondi, prontamente: “Claro, não estavam à frente. Com o senhor, os americanos estavam por trás, manejando os cordéis”. A diretriz dos Estados Unidos sempre foi produzir acontecimentos de tal modo que  pudessem negar sua responsabilidade: “plausible deniability”.
CM - Com a ameaça cada vez mais agressiva dos EUA de romperem a aliança com a Rússia na guerra da Síria haverá certamente o perigo de uma guerra ''total'' no Oriente, como advertiu a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russa há pouco? Ou se trata de mais uma bravata neste complexo jogo de xadrez? 
Como já disse, não creio (embora tudo seja possível) que as duas grandes potências – Rússia e Estados Unidos – cheguem a um confronto armado direto. Os Estados Unidos estão chafurdados na Ucrânia e na Síria. Mas não me parece viável que o presidente Obama, os falcões do Pentágono e da CIA, Hillary Clinton et caterva arrisquem uma guerra nuclear para dominar esses dois países e manter a hegemonia dos Estados Unidos. Sabem perfeitamente que, ao fim do conflito, nada dominarão. A Rússia, ainda que devastada, tem igualmente condições de tornar os Estados Unidos a pó de urânio.
CM – Na sua visão, caminhamos na direção de um mundo ainda mais inseguro e caótico?
Não sou pessimista a esse ponto. A evolução recente dos acontecimentos internacionais indica que os Estados Unidos, conquanto ainda possam prevalecer durante várias décadas, durante o século XXI, não conseguirão manter um mundo unipolar. A Rússia interveio na guerra da Ossetia contra a Geórgia, em 2008, e Washington nada pôde fazer senão protestos e ameaças que não podiam nem puderam concretizar. A Rússia, ao intervir na Síria e impedir a derrubada do regime de Bashar al-Assad, mudou o curso da guerra e mais uma vez se impôs como ator global, mostrando que os Estados Unidos não podem impor unilateralmente sua vontade, seus caprichos. A China, por outro lado, fundou o Banco Asiático de Investimento e Infra - estrutura e outras entidades financeiras, confrontando o Banco Mundial, o FMI e o predomínio do dólar como principal moeda de reserva mundial. E os interesses econômicos e geopolíticos da Rússia e da China confluem, convergem e obstaculizam a hegemonia dos Estados Unidos, criando as condições para um mundo multipolar. Como escreveu o grande poeta francês Louis Aragon “Qui vivra verra”.
CM - O Brasil, pela sua posição estratégica, reservas de óleo e dimensão continental, é um key country como a Turquia?
Não se pode afirmar que a tentativa de golpe contra o governo da Turquia foi organizada pelo governo do presidente Obama. Havia condições internas para um levante militar devido a graves contradições políticas e religiosas. Grande parte da população da Turquia, inclusive das Forças Armadas, não aceita uma espécie de califado, um regime islâmico conforme se supõe e se acusa o presidente Recep Tayyip Erdogan de pretender restaurar. De qualquer forma, a história deu uma volta. A Turquia, membro da OTAN, pendeu para uma aliança com Moscou com o qual havia entrado em grave atrito, ao derrubar, dentro da fronteira da Síria, o avião-bombardeiro Suchoi Su-24. Mas o Brasil não é um país chave, um pivot country, por causa do petróleo pré-sal. O Brasil, depois dos Estados Unidos, é a maior massa demográfica, a maior massa geográfica com fronteira com todos os países da América do Sul, exceto Chile e Equador, a maior massa econômica do hemisfério. Não sem razão o presidente Richard Nixon declarou,  durante a visita do general Emílio Garrastazu Médici a Washington, que “para onde for o Brasil irá toda a América Latina”. O grande jurista brasileiro Rui Barbosa, ao defender o princípio da igualdade entre os Estados, na Assembléia de Haia, em 1907, combateu firmemente o projeto dos Estados Unidos para a criação de uma Corte Permanente de Arbitragem, que privilegiava as grandes potências em detrimento dos países mais fracos. E ao defender a igualdade dos Estados soberanos, proclamou que “la souveraineté est la grande muraille de la patrie’’. Citei-o no discurso que pronunciei, ao receber em 2009, o título de Dr. h.c. da UFBA, em Salvador. Conforme o próprio Rui Barbosa, observou, reproduzindo Eduardo Prado, não se toma a sério a lei das nações, senão entre as potências cujas forças se equilibram. Esta lição devia pautar a estratégia de segurança e defesa do Brasil, sobretudo quando os Estados Unidos ampliavam e instalavam outras bases militares na Colômbia, penetrando a Amazônia, e a IV Frota navegava no Atlântico Sul, à margem das enormes jazidas de petróleo descobertas nas camadas pré-sal, em águas profundas, entre a costa do Espírito Santo e Santa Catarina. Tais descobertas, ao longo da costa, inseriram o Brasil no mapa geopolítico do petróleo, eu disse na época, acrescentando que as ameaças existiam conquanto pudessem parecer remotas. E adverti que o perigo representado por uma grande potência, tecnologicamente superior, mas com enormes carências, sobretudo de energia, pode ser muito maior quando ela está perdendo a preeminência, e quer mantê-la, do que quando expande o seu império. 
CM – Quais as providências que o Brasil deveria ter tomado?
O Brasil devia estar preparado para enfrentar,  no mar e em terra, os imensos desafios que se configuram, no século XXI, a “era dos gigantes”, como o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães a denominou, na qual os grandes espaços econômicos e geopolíticos serão os principais atores da política internacional. Si vis pacem, para bellum. Ou seja: Se queres a paz, prepara-te para a guerra.
CM - No livro, o senhor diz que a mídia corporativa "nem sempre é confiável". Quando ela é confiável?
Os jornais, rádios e televisões são confiáveis quando noticiam fatos que podemos comprovar e não informações plantadas por agentes dos serviços de inteligência. Daí é necessário – como faço – verificar todas as fontes, cruzá-las e analisar a sua plausibilidade. Quando jovem, eu trabalhei na imprensa; e como cientista político fui professor de comunicação política na PUC/RJ. Conheço
relativamente bem – dado que estudo o tema há muitas décadas - como ocorre o processo de infiltração dos jornais e agências de notícias pela CIA e outros serviços de inteligência, e promovem as psy-ops, a guerra da desinformação e contra-informação, agora também desenvolvida através das mídias sociais.  
CM  Sua observação: a "democracia imposta pela força nunca seria democracia, mas uma fake democracie,”se referindo à suposta democracia americana tendo em vista o domínio do capital financeiro e das grandes corporações industriais. Hoje, no Brasil,  temos uma falsa democracia com o mesmo objetivo (alcançado). Trata-se do novo modelo exportado pelos EUA?
Sim, esse é o modelo de democracia que os Estados Unidos tratam de exportar, juntamente com o livre mercado, liberdade cambial e comércio multilateral, condições necessárias para o predomínio do grande capital financeiro, mais e mais internacionalizado. Mas os Estados Unidos são um país muito contraditório, devido às suas origens revolucionárias. Segundo as palavras de Karl Marx, “die größerenKapitaleschlagendaher die kleineren” (os grandes capitais esmagam os pequenos), uma vez que a concorrência se acirra em relação direta com o número e em relação inversa à grandeza dos capitais, que rivaliza e termina sempre com a derrota dos pequenos capitalistas cujas empresas ou afundam, quebram ou passam para as mãos dos vencedores, gerando o monopólio. É o bellum omnium contra omnes, de Thomas Hobbes - a lei da selva, o darwinismo econômico, social e político. O mercado, no qual os capitalistas fazem a conversão monetária do excedente econômico, sempre foi o campo de batalha onde somente os mais aptos, os mais fortes, podem sobreviver. 
CM- A partir do golpe parlamentar/jurídico/midiático  no Brasil, nós vivemos o processo de passar de um regime democrático para outro, oligárquico e sob a ‘’ditadura do capital financeiro’’, segundo o professor Bresser Pereira. O que o senhor diz a respeito?
Em cada país o processo de mutazione dello stato é diferente. O golpe, desfechado via Congresso-judiciário-mídia ainda não se completou. A situação ainda é muito instável e volúvel. Além de fatores internos muito depende como a política internacional vai evoluir com a eleição nos Estados Unidos. De um modo ou de outro, a corrupção é inerente à república presidencialista, inspirada no modelo americano; o governo instituído com a derrubada da presidente Dilma Rousseff está essencialmente apodrecido e a perspectiva econômica, caso sejam implementadas as medidas neoliberais que
pretende implantar, é de profunda recessão. Os capitais estrangeiros jamais afluíriam para um país onde não podem obter lucros. 
CM - No passado, sempre se tentou baixar medidas ultra recessivas aqui.
O marechal Humberto Castelo Branco, ao assumir o governo após o golpe de 1964, pretendeu também empreender iniciativas neoliberais almejando inclusive a privatização das empresas do Estado, mas teve de recuar e fazer massivos investimentos públicos a fim de recuperar a economia da recessão em que lançara o Brasil. Daí a ascensão ao governo do general Artur da Costa e Silva com uma política de desenvolvimento. A predominância dos interesses do capital financeiro, de um modo ou de outro, nunca deixou de existir, no Brasil. 
CM - Mas em décadas recentes esta situação tendeu a mudar.
Sob o presidente Lula, o Brasil deu uma inflexão em sua política exterior no sentido de maior estreitamento das relações com a China e a Rússia e conquista dos mercados da América do Sul e África. Além do mais, reativou a indústria bélica com a construção do submarino atômico e outros convencionais, em conexão com a França, a compra dos helicópteros da Rússia e dos jatos da Suécia, países que aceitaram transferir a tecnologia, o que os Estados Unidos não fazem. Esses e outros fatores, como a exploração do petróleo pré-sal sob o controle da Petrobrás, dentro de um contexto em que os Estados Unidos deflagraram outra guerra fria contra a Rússia, concorrem para que interesses estrangeiros  aliados a expressivo setor empresariado brasileiro promovessem, sorrateiramente, um golpe, conjugando a mídia, o judiciário e o Congresso, no estilo das “revoluções coloridas”. 
CM – Seguindo a receita do manual de autoria do americano Gene Sharp?
Sim; conforme recomendado pelo professor Gene Sharp. Para ele, a luta não violenta é mais complexa e travada por vários meios, como a guerra psicológica, social, econômica e política, aplicados pela população e pelas instituições da sociedade. Esse processo ocorreu, de uma forma ou de outra, nos países da antiga União Soviética, como a Ucrânia. Nos países do Oriente Médio, não teve maior êxito, dado que a chamada “primavera árabe” resultou em guerras, terror, caos e catástrofes humanitárias. Esse, o panorama internacional que tratei de explicar em A Segunda Guerra Fria, publicado também em alemão (Der ZweiteWeltKrieg) pela editora Springer e, brevemente, em inglês, assim como em A desordem Mundial.
CM- E o suporte do governo americano e das ONGs conexas – de Soros, por exemplo -, proporcionados  ao Instituto Millenium, ao grupo MBL etc. no golpe daqui?
Sim, o ataque ao Brasil não veio de fora. Partiu de dentro do seu próprio ventre. Repetiu-se o que o grande presidente Getúlio Vargas denunciou em 1954: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho”. Daí o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff. A campanha começou com as demonstrações de protesto, em 2013, na modalidade desenhada pelo professor Gene Sharp, no seu manual Da Ditadura à  Democracia traduzido para 24 idiomas e distribuído pela CIA e pelas ONGs financiadas ocultamente pelas fundações de George Soros, USAID e National Endowment for Democracy, dos Estados Unidos.
CM -"A mudança de poder no Brasil não podia ser realizada sem uma intervenção externa", disse há pouco, o senador Konstantin Kosachev,  presidente do Conselho Internacional da Federação Russa. Para ele, uma das causas do regime change no Brasil foi a política soberana e independente que o país vinha desenvolvendo nos últimos anos e a disputa por recursos energéticos. Palavras ignoradas por Washington e pela velha mídia daqui.
Essa declaração, Washington ignorou. O governo instituído no Brasil, também. A mídia, idem. Porém, ninguém duvida que sem dinheiro de fora e de dentro - de parte do empresariado nacional - escorrendo, sub-repticiamente, por debaixo do pano e da mesa, para contas nos paraísos fiscais, o golpe via parlamentar, impulsionado pela mídia e pelo judiciário, não se efetivaria, não obstante as condições e circunstâncias geradas dentro da república presidencialista, cuja essência, no Brasil como nos demais países da América Latina, bem como nos Estados Unidos, é a corrupção. 
CM - Na sua visão, o século XXI será (ou já é) o século chinês?
É possível. Mas não será unipolar. Os Estados Unidos ainda serão por muitas décadas o principal ator. E a Rússia, como Phœnix, ressurgiu dos escombros da União Soviética e demonstrou que continua uma superpotência e pode deter e conter a ditadura global, isto é, a ditadura do capital financeiro que os Estados Unidos intentam implantar com o rótulo de exportação da democracia. 

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