29 abril 2024

Urariano Mota opina

Uma escravidão portuguesa, com certeza

É raro, ou melhor, jamais foi visto um país de passado colonial, de exploração secular e assassinatos escravistas contra os povos, vir a público e declarar que cometeu grande vileza contra pessoas e para isso não bastam desculpas
Urariano Mota/Vermelho


 

O subtítulo deste artigo deveria ser o de minisséries: “baseado em história real”. Então vamos à realidade.

Nesta semana, houve uma declaração histórica do presidente de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa. Ele afirmou que o seu país é responsável por crimes realizados durante o período da escravidão transatlântica e da era colonial. E que Portugal deve arcar com os custos desses crimes cometidos no passado. “Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso”.  

É raro, ou melhor, jamais foi visto um país de passado colonial, de exploração secular e assassinatos escravistas contra os povos, vir a público e declarar que cometeu grande vileza contra pessoas e para isso não bastam desculpas. Se o passado não pode mais ser evitado, ele pode ao menos ser reconhecido como um crime que não pode ser perdoado. Quando nada, devemos olhar para trás e ver o quanto ideólogos, escritores e políticos tentaram pôr máscaras sobre a escravidão portuguesa.  Diziam-na mais suave, doméstica e domesticável, ou que a culpa, se houvesse (!), seria dividida com os africanos que ganharam bom dinheiro em vender irmãos de humanidade. É preciso reconhecer que tortuoso foi o caminho até a declaração de Marcelo Rebelo de Sousa nesta semana.

Leia tambémCom quantos trilhões se paga a dívida da escravidão?

E, no entanto, a verdade já havia se tornado clara no livro magistral de Jacob Gorender, O Escravismo Colonial. Nele, podemos ver e aprender:  

“Os escravos seguiam acorrentados até os portos, onde aguardavam embarque para a América. Os pombeiros (mercadores de escravos) eram brancos, mais frequentemente mulatos, negros livres ou até escravos de confiança. Por sua parte, a Coroa portuguesa mantinha relações de tutoria ou de aliança com numerosos sobas (chefes de tribo africana), que se incumbiam de abastecer a rede de agentes do tráfico ou, em certos casos, de pagar tributo sob a forma de cativos. Assim, por exemplo, Salvador de Sá impôs ao rei do Congo uma contribuição de 9 mil escravos após a retomada de Angola. Eventualmente, os próprios portugueses empreendiam assaltos diretos em busca de prisioneiros, auxiliados pelos guerreiros Jaga, à semelhança dos bandeirantes paulistas que comandavam índios na caça a outros índios…

Os portugueses – registrou Joannes de Laet – têm um rifão que diz: ‘Quem quiser tirar proveito dos seus negros, há de mantê-los, fazê-los trabalhar bem e surrá-los melhor; sem isso não se consegue serviço nem vantagem alguma’. Como se vê, na frase acham-se presentes os três termos da velha fórmula (trabalho, castigo e alimento), com ênfase luso-tropical nos castigos”.

De passagem, observo que o escritor moçambicano Mia Couto, com a sua costumeira ambiguidade, declarou em entrevista à Folha de São Paulo há quase dois anos:

“Os africanos não foram sempre só vítimas, e a aceitação dessa margem de culpa nos dignifica. Porque não nos reduz a objetos na ação de outros. Foi uma história de dominação e genocídio, sim, mas os africanos não foram sempre objetos passivos”.

Sobre isso, escrevi certa vez: dizer que africanos vendiam escravos africanos, e nesse ponto se deter como uma confissão de culpa, é ocultar que esse comércio foi estimulado, criado ou produzido pelos colonizadores portugueses, que acorrentaram homens, mulheres e crianças como bestas e mercadorias na maior migração forçada de povos da história. Pois é impossível não ver que o tráfico de escravos era a máquina azeitada da colonização para o Brasil. O certo é que essas coisas se pronunciam e se pronunciavam como se fossem nada, mas na verdade eram um recurso de retórica que eu diria fraudulento. Negros escravizaram negros, certo? Sim. Mas nada se falar que brancos levaram negros a vender outros negros como escravos, é esconder a exploração cruel dos traficantes de Portugal.

E sobre isso, melhor é voltar a ver a resposta genial de Jacob Gorender em O Escravismo Colonial:

“O tráfico mercantilista iniciado pelos portugueses introduziu um fator externo destrutivo que paralisou ou perverteu a evolução endógena dos povos negros. A princípio, os próprios portugueses assaltavam aldeias inermes e realizavam capturas…. Os prisioneiros eram trocados por panos, ferragens, trigo, sal, cavalos e, sobretudo, por armas de fogo e munições. A estes produtos de origem europeia juntaram-se, com grande aceitação, os procedentes da América: tabaco, aguardente, açúcar, doces e búzios, estes últimos utilizados como moeda pelos africanos. A difusão das armas de fogo tornou sua posse questão de sobrevivência e obrigou uma tribo após outra a tentar obtê-las por meio da captura de homens e mulheres de outras tribos”.

Essa história perversa, que alguns sociólogos e escritores queriam ver sepultada, desta vez foi descoberta por um eminente político, o presidente de Portugal em declaração pública. Diria quase que a história ressurgiu, mas ela jamais esteve morta. “Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos?” Sim, este é um momento histórico. A grita na direita portuguesa já começou. Vergonha, traição à pátria, berram e urram. Mas a ciência se moveu afinal. Saudemos a coragem de Marcelo Rebelo de Sousa.

Nem sempre é o que parece https://bit.ly/3Ye45TD 

Minha opinião

O ideal impossível 

Luciano Siqueira 

 

Gosto de ler. Tudo. De preferência o que me vem escrito em papel, na forma de livro ou revista.

Também diariamente leio em meio digital os principais jornais do país, sites noticiosos e opinativos, publicações estrangeiras em versão traduzida.

Mas ando sem paciência com a profusão de anúncios que se superpoem aos textos nos sites.

Tem de tudo: de cosméticos, que nunca usei nem pretendo usar, ofertas imobiliárias, cursos rápidos para influencers, medicamentos, roteiros de viagem a eletrodomésticos.

Vídeos surgem como que por um passo de mágica e, ao menor descuido, já incorporamos ao laptop ou smartphone um aplicativo ou mesmo uma involuntária compra. 

Bem sei que o ideal — a ausência completa de anúncios — é impossível. Rola muito dinheiro com propaganda, que ajuda a rolar fortunas com o consumo e as vendas.

Por isso, pacientemente, aguardo um aplicativo que automaticamente limpe a tela de intrusos e inconvenientes apelos comerciais.

Afinal, desejo apenas seguir leitor aplicado e desinteressado consumidor.

O mundo cabe numa organização de base https://bit.ly/3U5xlMe

No Banco Central pelo rentismo

Roberto Campos Neto e o terrorismo monetário

É papel do Banco Central administrar as expectativas de mercado, mas o que o presidente da instituição faz é o oposto
Luis Nassif/Jornal GGN



É papel do Banco Central administrar as expectativas do mercado. Administrar expectativas significa atuar para acalmar mercados, reduzir volatilidades, trazer a calma. O que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, faz é o oposto. Diariamente ele procura minimizar as boas notícias, manter o mercado em permanente estados de nervos em relação a dragões de uma inflação que ninguém vê.

Pode ser ignorância. Campos Neto nunca foi reconhecido pelo brilho intelectual. Mais provável é que faça parte da ofensiva bolsonarista para desestabilizar o governo Lula ou, no mínimo, diminuir a possibilidade de vitória em 2026.

Não é normal e o próprio mercado está se dando conta desse terrorismo. Até o jornal Valor Econômico, em geral mais sóbrio, embarcou nessa neurose criada por Campos Neto e deu uma manchete terrorista, atribuindo mudanças do mercado a falas de Gabriel Galípolo – provável sucessor de Campos Neto – em um momento em que as curvas de juros do Brasil espelhavam fielmente as dos Estados Unidos.

Campos Neto vai se desmoralizar por si só. Já há setores bolsonaristas do mercado entendendo que esse terrorismo prejudica a todos. Mas ainda vai fazer muito estrago.

Sem eira nem beira. Será? https://bit.ly/3Ye45TD

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

— Antigamente, quando um fato repercutia na opinião pública se dizia "deu na imprensa". — Verdade. Agora se diz "está nas redes sociais". — Novos tempos, amigo.

A vida em espiral https://bit.ly/3Ye45TD

China: indústria automotiva

Por que não há 'excesso de capacidade' no Salão do Automóvel de Pequim?
Global Times


Após um hiato de quase quatro anos, a 2024 (18ª) Exposição Automotiva Internacional de Pequim (Salão do Automóvel de Pequim) começou na quinta-feira. O evento conta com mais de 1.500 empresas expositoras, 278 modelos de novas energias, 117 modelos de estreia mundial e 163 conferências de imprensa, demonstrando as novas tendências de desenvolv imento da indústria automotiva nacional e global da China. Também mostrou ao mundo, da maneira mais vívida, por que a indústria chinesa de veículos movidos a novas energias é líder e o que isso significa para o mundo.

Os visitantes tiveram que esperar mais de 40 minutos na fila antes de seguirem para a entrada principal do salão de exposições. Muitas pessoas fizeram fila para comprar comida no restaurante da exposição. As salas de exposição de algumas montadoras estavam lotadas demais para entrar. Os chefes das "celebridades da Internet" das principais emp resas automobilísticas foram pessoalmente à exposição para competir por popularidade e marketing... Todas essas são manifestações concretas da popularidade do Salão do Automóvel de Pequim deste ano. Neste salão do automóvel em particular, as marcas nacionais da China tornaram-se o esteio e os veículos de novas energias ocuparam o centro das atenções. As pessoas estão cheias de expectativas sobre os novos modelos e tecnologias que as montadoras chinesas irão lançar.

Muitas pessoas notaram que obviamente havia mais estrangeiros neste salão do automóvel, e a atitude dos fabricantes de automóveis estrangeiros também mudou significativamente. BMW, Mercedes-Benz e Audi trouxeram linhas e modelos de expositores de luxo. Executivos de empresas automobilísticas multinacionais não só vieram promover os seus próprios produtos, mas também estudaram cuidadosamente a tecnologia e o design dos veículos chineses de nova energia. Um número considerável de revendedores, fornecedores, meios de comunicação e até proprietários de automóveis estrangeiros compareceram à exposição. Um vídeo de sul-coreanos observando veículos chineses de nova energia se tornou viral na internet. A sociedade chinesa tem uma atitude muito aberta em relação a isto. A abertura sempre foi o lema do Salão do Automóvel de Pequim.

Na era dos veículos a combustível tradicionais, a indústria automobilística da China geralmente desempenhou o papel de apanhadora, mas nunca abandonou os seus esforços para desenvolver marcas e inovações independentes. Baseando-se na acumulação tecnológica obtida ao longo de anos de exploração e nas enormes vantagens da capacidade de produção moderna da China, nos dividendos dos engenheiros e no mercado interno, as empresas automóveis chinesas ganharam uma vantagem na histórica oportunidade de transformação automóvel de combustível para nova energia. Em 2023, as exportações de automóveis da China ultrapassaram o Japão pela primeira vez e ficaram em primeiro lugar no mundo. No primeiro trimestre de 2024, a China exportou 1,3 milhões de veículos, um aumento anual de 33,2%, dando continuidade a esta dinâmica.

O padrão da indústria automobilística global não sofreu grandes mudanças durante muitos anos, e a força motriz fundamental para esta mudança é a revolução tecnológica. Isto é uma coisa normal, mas pôs à prova os nervos excessivamente sensíveis de algumas pessoas no Ocidente. No entanto, não houve nada do "excesso de capacidade", da "demanda enfraquecida" e da "saída da China" que eles esperavam para o Salão do Automóvel de Pequim, nem de "empresas automobilísticas chinesas espremendo empresas automobilísticas estrangeiras". O que as pessoas podem ver é que estão aprendendo com os pontos fortes uns dos outros para alcançar uma cooperação vantajosa para todos. Estão a exaltar a “excesso de capacidade” dos veículos movidos a novas energias na China e a criar uma narrativa ligada a valores e hegemonismo, numa tentativa de conter e estabelecer limites ao desenvolvimento industrial da China. O seu objectivo fundamental é utilizar políticas de protecção comercial e ofensivas da opinião pública para perturbar a dinâmica da indústria chinesa de veículos movidos a novas energias.

Por que o Salão do Automóvel de Pequim é tão popular? Devido à procura do mercado global, especialmente ao elevado interesse e entusiasmo pelos avanços tecnológicos em veículos de novas energias. De acordo com cálculos da Agência Internacional de Energia, para atingir o objetivo da neutralidade carbónica, as vendas globais de veículos de novas energias precisam de atingir aproximadamente 45 milhões de unidades até 2030, 4,5 vezes mais do que em 2022. Isto mostra que a procura global é real e não existe “excesso de capacidade”. A revolução da energia verde pode estimular uma série de remodelações industriais e a concorrência no mercado é cruel, mas não é de forma alguma o tipo de competição de vida ou morte que algumas pessoas no Ocidente têm em mente.  

As empresas chinesas não têm medo da concorrência, mas a concorrência deve ser justa e justa. As empresas chinesas de veículos de novas energias desempenham o papel de colaboradores industriais e concorrentes saudáveis, o que não só beneficia os consumidores, mas também beneficia o grande número de países em desenvolvimento, co mpensando assim o desenvolvimento global insuficiente e desequilibrado da capacidade de produção verde de alta qualidade, e, ao mesmo tempo, encorajar as empresas automóveis mais tradicionais a investir mais energia e recursos na transformação verde. Neste sentido, a abordagem certa para o mundo é trabalhar em conjunto para aproveitar as oportunidades trazidas pelo desenvolvimento das indústrias verdes.

Um mundo em transe https://bit.ly/3Ye45TD

Cida Pedrosa destaca 60 anos da posse de Dom Helder


O ‘Vatican News’, órgão da Santa Sé, com uma média de dez milhões de visitantes por dia, destaca iniciativa da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB-Recife), que assinalou em sessão solene na Câmara Municipal os 60 anos da posse de Dom Helder Câmara como arcebispo de Olinda e Recife.

Leia a matéria:

Dom Helder é homenageado em sessão solene da Câmara Municipal do Recife

Dom Helder, então bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro, foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife no dia 12 de março de 1964, sendo empossado um mês depois. O religioso permaneceu no cargo até 1985 e seu pastoreio foi marcado pela vivência do Evangelho na defesa dos mais pobres e no combate aos crimes da ditadura militar. O ato, que também celebrou os 40 anos do Instituto Dom Helder Camara, contou com a presença do atual arcebispo e segundo vice-presidente da CNBB, dom Paulo Jackson

Os 60 anos do início do pastoreio do Servo de Deus dom Helder Camara (1909-1999) na Arquidiocese de Olinda e Recife foram lembrados, na segunda-feira (22), com uma sessão solene na Câmara Municipal da capital pernambucana. O ato, que também celebrou os 40 anos do Instituto Dom Helder Camara (IDHeC), contou com a presença do atual arcebispo e segundo vice-presidente da CNBB, dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa.

Dom Helder, então bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro, foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife no dia 12 de março de 1964, sendo empossado um mês depois. O religioso permaneceu no cargo até 1985 e seu pastoreio foi marcado pela vivência do Evangelho na defesa dos mais pobres e no combate aos crimes da ditadura militar.

“Que novas gerações estejam presentes e sintam um pouco daquilo que acontece, nesta noite. Porque passados 60 anos nós precisamos propor e repropor dom Helder Camara para as novas gerações. Talvez seja o grande desafio nosso como fazer com que as novas gerações se encantem com a figura, a proposta e a mensagem de dom Helder Camara”, afirmou dom Paulo Jackson.

A solenidade foi uma proposição da vereadora Cida Pedrosa, que vê no “Dom da Paz” um exemplo de cristão. “Tem pessoas que vêm ao mundo e transformam tudo o que está ao seu redor. E Dom Helder foi isso para todas e todos nós. Minha luta nasce com a palavra de dom Helder, nasce com a palavra de uma Igreja que confia no próximo, que constrói proximidades e que constrói direitos”, disse a parlamentar.

Boa parte da história de dom Helder está preservada no IDHeC. O acervo cultural deixado por ele, desempenha um papel fundamental na manutenção e divulgação de seu legado. O espaço é rico em documentos históricos, fotografias e escritos, oferecendo uma janela para as lutas e esperanças de uma época marcada por intensos desafios, refletindo as mensagens de amor, paz e cidadania que o arcebispo transmitiu ao longo de sua vida.

A mesa da solenidade também contou com a participação do pró-reitor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), padre Delmar Cardoso; da diretora executiva do IDHeC, Virgínia Pimentel; da presidente do Conselho Curador do IDHeC, irmã Vanda, e do monge beneditino e ex-secretário de dom Helder Camara, Marcelo Barros.

Durante a reunião solene, quatro vídeos foram exibidos celebrando Dom Helder e o IDHeC, dentre eles, depoimentos do padre Julio Lancelotti e o teólogo Leonardo Boff. Estudantes da Casa Frei Francisco, a cantora Cylene Araújo, o grupo Vozes da Resistência, juntamente com a cantora Heloísa, fizeram apresentações musicais. Em outro momento, o padre Fábio Potiguar, capelão da Igreja das Fronteiras, recitou uma poesia.

Para além do horizonte visível https://bit.ly/3Ye45TD 

28 abril 2024

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A rigor, dentre os técnicos dos times da Série A, apenas Tite do Flamengo e Abel Ferreira, do Palmeiras não se verão ameaçados de perder o emprego conforme o andamento do campeonato. O imediatismo certamente prevalecerá mais uma vez.

Para além das faces visíveis https://bit.ly/3Ye45TD 

Arte é vida: Reynaldo Fonseca

 

Reynaldo Fonseca

Nada é por acaso https://bit.ly/3Ye45TD

Cidades: direitos restritos

O direito à cidade e à linha do horizonte

Sobem mais arranha-céus na metrópole. Janelas colam-se a outras. Perde-se não só a vista, mas algo mais profundo: o devaneio. Até o pico mais alto é ofuscado. A memória é demolida pela especulação. E quando se perde a paisagem, vai-se um pouco de nós
Ana Maria de Niemeyer/A Terra é Redonda


“Aí eu fui entender o papel que a arte tem para acordar a memória: é uma forma da gente resistir, é o nosso jeito de cada dia. Como eu sou Guarani, acordar a memória para a gente é sempre acordar pela memória – e a gente entende aquela memória como patrimônio, que são os nossos saberes, nossa forma de não perder as coisas que nos fazem” (Sandra Benites).

Laerte profetiza um futuro próximo para a cidade de São Paulo, no qual prédios cada vez mais altos esconderão as vistas. 

Diferentes especialistas vêm denunciando que o Plano Diretor não está passando por uma revisão “para o povo e com o povo”. Vejamos este trecho: “2. Quem impõe mudanças é a indústria da construção civil de acordo com seus interesses, no caso construir prédios cada vez mais altos. 3. Não interessa o sepultamento de monumentos históricos, da memória histórica e arquitetônica da cidade, o desaparecimento de paisagens. 4. As consequências negativas para a infraestrutura da cidade – transportes, trânsito, abastecimento de água, coleta de esgoto, falta de moradia para a população de baixa renda, impactos ambientais. 6. Modificação drástica no clima da cidade, em consequência, por exemplo, da diminuição de áreas verdes, e da circulação dos ventos pela cidade..&rdq uo;.[i]

Seguindo a deixa aberta pela cartunista Laerte, ainda dentro do campo das artes, trago contribuições de poetas e artistas para abordar questões levantadas no manifesto acima. Começo pelo “[…] sepultamento de monumentos históricos, da memória histórica e arquitetônica da cidade, o desaparecimento de paisagens”. Vejamos como nos auxilia o texto do poeta Guilherme de Almeida (1890-1969) sobre a paisagem que via de sua casa no alto de Perdizes (zona oeste de São Paulo).

A Casa da Colina

– Que ideia a sua, ir morar naquele fim de mundo!

Era o que me diziam os amigos quando, há doze anos, construí a minha casa nesta colina, a oeste do vale do Pacaembu.

Fim de mundo?

–Podia mesmo parecer isso. Rua curva, corcovada, de um só quarteirão e com três casas somente (a minha foi a quarta) separadas por terrenos sem muro nem cerca e eriçados de mato hirsuto e anônimo – era apenas uma estrada rústica. A nota agreste: – ponto alto e deserto, exposto a descabeladas ventanias que assobiavam noite e dia; e, numa árida escarpa, a uns quarenta metros dos meus muros, o ninho de todos os gaviões que erguiam voo -pinhé! pinhé! – e iam, lá longe, fisgar os pardais da Praça da República. A nota fúnebre: – no jardim da casa fronteira, uma lâmpada triste, única iluminação da rua, pendia de um “L” invertido feito de fortes vigas de peroba que formavam exatamente uma forca; e atrás, em pano-de-fundo, parte pobre de um cemitério, uma encosta semeada de túmulos e cruzes. A nota gloriosa : – no horizonte, ao norte, fechando a perspectiva da rua, o recorte pontudo do Jaraguá, o “Senhor do Plaino”, a primeira numeração de ouro no Brasil; e, sobrelevando o apinhado central, a sudeste, o Banco do Estado, ascensional, alvo obus de louça, com a sua ogiva de luz fluorescente nas noites caladas. A nota simbólica: – com o Estádio Municipal, que é toda a alegria da Vida, de um lado, e, de outro, a necrópole do Araçá, que é toda a tristeza da Morte, assim, entre os dois extremos da contingência humana, a minha rua ia indo filosófica, indiferentemente. A nota pessoal: – -aí assentei a minha casa, porque o lugar era tão alto e tão sozinho, que eu nem precisava erguer os olhos para olhar o céu, nem baixar o pensamento para pensar em mim”.[ii] 

Chama a atenção não só os monumentos históricos que o poeta vislumbrava de sua casa, como também o Pico do Jaraguá, marco na paisagem de São Paulo.[iii]

Este pico está em quase todas as obras do artista e professor, Evandro Carlos Jardim (1935). Disse Jardim: “Descobri o Jaraguá numa tarde. Estava andando lá pelos lados da Lapa e eu o vi (…)”.[iv] Desde então, o Pico do Jaraguá passou a ser representado nas suas gravuras em metal, sempre à serviço de sua poética, como parte de uma imagética não factual.

Voltemos no tempo para entendermos, brevemente, parte da história do Pico do Jaraguá.

Em 1825, Hercules Florence (1804-1879), desenhista da Expedição Langsdorff, assim descreve sua descoberta: “ A três léguas de São Paulo vi o monte Jaraguá, palavra indígena que significa rei das montanhas, por ser o ponto mais elevado da região. Ao pé dessa montanha foi descoberta a primeira mina de ouro do Brasil, por volta do ano 1520, fato que despertou o interesse de Portugal pelo Brasil, até este momento pouco apreciado”.[v]

Esta descoberta sinaliza o início de uma história marcada a ferro e fogo pela escravização de negros e indígenas; história de exploração com começo, mas sem fim, pois os exploradores se sucedem até hoje cobiçando, sem cessar, as riquezas da região. Ao ciclo do ouro que iniciou essa exploração, sucedeu-se o do café. Hoje interesses de particulares e do Estado, vêm tentando apropriar-se dos territórios (TIs) dos Guarani-Mybiá do Jaraguá, privatizar o Parque Estadual do Jaraguá, construir condomínios privados cercados, levantar loteamentos clandestinos, etc. Sempre à custa da floresta, de territórios e vidas indígenas.

O Pico do Jaraguá, porém, é um dos principais atrativos turísticos da cidade, tal como se lê abaixo: “O Parque Estadual do Jaraguá abriga um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da região metropolitana de São Paulo. É representado pelo icônico morro do Jaraguá, onde está localizado o Pico do Jaraguá, que representa o ponto mais alto da cidade de São Paulo, com 1.135 metros de altitude e proporcionando ao visitante um vislumbre inusitado e belo da maior cidade da América Latina”.[vi]

O guia estimula as pessoas a visitarem o Pico do Jaraguá para admirar um “vislumbre inusitado e belo” da cidade. Esta atitude de contemplação esconde tudo que incomoda a paisagem única e “perfeita” da cidade de São Paulo. Refiro-me à precariedade da vida nos exíguos territórios (TIs) dos Guarani-Mybiá do Jaraguá situados no sopé do pico (Mybiá é um dos subgrupos do povo Guarani -família linguística tupi-guarani).[vii]

No final da Rodovia dos Bandeirantes já próximo de São Paulo, o Pico do Jaraguá vai ficando cada vez mais para trás. A fotografia a seguir mostra o Pico do Jaraguá a 40 km de São Paulo. 

À medida que se entra na cidade, vê-se um enorme contingente da população que não usufrui de qualquer paisagem. São homens, mulheres e crianças que vivem embaixo de viadutos, nas margens de canteiros de jardins, em cantos das avenidas e ruas da cidade. Quando atrapalham a beleza da maior cidade da América Latina, ocupando lugares cobiçados pela indústria da construção civil, “ameaçando” a “segurança” daqueles /as que passam a pé ou de carro, a prefeitura é eficiente… Garante a “limpeza” do local, evitando que as pessoas retornem, erguendo grades e colocando viaturas policiais.

Enxota as pessoas!

Volto à nota pessoal, que encerra o texto de Guilherme de Almeida, “–aí assentei a minha casa, porque o lugar era tão alto e tão sozinho, que eu nem precisava erguer os olhos para olhar o céu, nem baixar o pensamento para pensar em mim”.

Retorno tambémao cartum de Laerte que abre este texto. Neste uma pessoa sentada em um sofá de seu apartamento, aprecia a vista que via da janela: céu com nuvens, e, ao longe, uma série de prédios. Inesperadamente, um rosto invade a janela e tapa a sua vista.

Duas questões, ao menos, são suscitadas por este acontecimento: a primeira evoca a ausência de paisagem, pois ao habitante do apartamento vizinho só resta o que ele vê e aprecia de sua janela, o sofá alheio; a segunda remete à invasão da privacidade sentida pela pessoa que tem um rosto entrando em sua sala, tapando toda sua visão do exterior.

Esta invasão é uma ameaça à vida dos habitantes da cidade de São Paulo, uma vez que arranha céus cada vez mais altos, são levantados todos os dias praticamente colados a prédios novos ou antigos. Perde-se não só a vista, mas algo mais profundo, o devaneio, o sonho, a memória. A nossa memória segundo, Sandra Benides – citada na epígrafe – é nosso “patrimônio” baseado em nossos “saberes”.

O antropólogo Tim Ingold (1948) vem refletindo sobre a capacidade que idealmente temos, ao circularmos por paisagens – lugares impregnados de histórias- de arquivar em nossa memória experiências e conhecimentos. [viii] Ora, se desaparecerem as paisagens, os monumentos históricos, os pontos de referência da cidade, as áreas verdes, a imensidão infinita do céu com nuvens, estrelas e lua, corremos o risco de perder, não só, grande parte do conteúdo acumulado em nossa memória, como também partes de nossa história e de nossa capacidade de sonhar, de criar poesia. Como resistir? De acordo com a potencialidade evocada por Sandra Benites.

A memória é negada ao povo da rua que mora e circula em um ambiente impregnado de passado histórico, pois a urgência está, antes de tudo, na tentativa de sobreviver dia a dia. Há, pois que refletir sobre o que é paisagem para cada segmento da população paulistana.

Da luz à sombra, da satisfação à frustração, estas talvez sejam as mensagens poéticas transmitidas por Laerte no cartum com o qual fecho estas reflexões.

Ana Maria de Niemeyer é professora aposentada do Departamento de Antropologia da Unicamp.
 

[i] Acessível em: https://www.labcidade.fau.usp.br/lancamento-da-frente-sao-paulo-pela-vida/

[ii] In: folder de apresentação do Museu Biográfico e Literário Casa Guilherme de Almeida. Acessível em: https://www.casaguilhermedealmeida.org.br

[iii] O pico do Jaraguá faz parte da região metropolitana da cidade de São Paulo – zona noroeste do município de São Paulo, bairro do Jaraguá.

[iv] In: MACAMBIRA, Yvoty de Macedo Pereira, Evandro Carlos Jardim, São Paulo: EDUSP, 1998: p.144

[v] FLORENCE, Hercule. Viagem fluvial do Tietê à Amazônia pelas províncias de

São Paulo, Mato Grosso e Grão-Pará: extraído do texto autobiográfico L’Ami des Arts Livré à lui-même/ Hercule Florence -1ª ed. São Paulo: Publicações BBM, 2022: p.35

[vi] Acessível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/parques-e-reservas-naturais/parque-estadual-do-jaragua

[vii] Acessível em: https://trabalhoindigenista.org.br/tenonde-pora-os-muitos-anos-de-luta-por-reconhecimento/

[viii] Ver uma excelente síntese de parte do pensamento de Ingold em BAILÃO, André S. 2016. “Paisagem – Tim Ingold”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: http://ea.fflch.usp.br/conceito/paisagem-tim-ingold

História viva: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/aos-40-anos-das-diretas-ja.html

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No jogo em que o Grêmio perdeu de 1 x 0 para o Bahia, Renato Gaúcho se retirou para o vestiário antes de terminar a partida, levando todos os jogadores do banco de reservas. Um modo inovador de chorar a própria incompetência.

Beco sem saída? https://bit.ly/3Ye45TD

Minha opinião

Pré-candidatos: a dimensão da peleja

Luciano Siqueira


Tenho recebido mensagens de pré-candidatos no pleito municipal deste ano, sempre marcadas por uma aparência de entusiasmo e não muito clara compreensão do tamanho da empreitada.

Oportuno revisitar o que escrevi sobre o tema em março de março de 2006, quando advertia que toda luta de certa envergadura encerra uma complexidade de variáveis (algumas óbvias, outras quase imperceptíveis ao observador pouco atento) que conformam o cenário no qual estrategistas e combatentes se movem em busca da vitória. Vale para a guerra militar, vale igualmente para as pugnas eleitorais.

Dentre essas variáveis, na luta eleitoral, está a relação entre a subjetividade dos candidatos envolvidos e a dimensão das exigências e desafios que se colocam diante deles, conforme o papel de cada um.

O candidato é um misto de gladiador, de quem se espera tudo menos que vacile na arena; e de intérprete dos sentimentos e das aspirações da classe e dos segmentos de classe que pretende representar – reclamos, agruras, interesses objetivos, expectativas e esperanças.

Quem já foi candidato sabe muito bem do que se trata.

“Em você voto com gosto, entro na sua campanha com emoção”, são expressões que animam e entusiasmam, mas dão também aquele frio na espinha.

Você responde mentalmente, para si mesmo: “Não posso decepcionar essa gente!”

Por isso, tem razão Tavares Júnior, militante do PCdoB: “por mais dimensões coletivas que estejam presentes na construção das candidaturas, a face de cada uma delas não é apenas política e/ou ideológica. Sabemos todos que a personalidade do candidato e sua trajetória de vida adquirem especial relevância na exposição da candidatura e no processo da campanha como um todo”.

É aí que o bicho pega. 

A condição de candidato – portanto de instrumento da vontade coletiva – impõe exigências no plano subjetivo nada desprezíveis por parte do próprio e dos que o cercam. 

Não basta estar convencido da missão, sustentar um discurso correto e compreensível; é imprescindível que esteja sereno, motivado, emocional e psicologicamente bem resolvido. 

Pois mais até do que a resistência física – que Tancredo Neves citava como pré-requisito indispensável -, pesa o estado de espírito, que precisa exibir coragem e leveza - para que o candidato atraia, agregue, entusiasme, convença, lidere.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaopolitica_23.html 

Palavra de poeta: Marcelo Mário de Melo

VIZINHANÇA

Marcelo Mário de Melo


 
Os grandes amigos
são eternos vizinhos
nas proximidades do coração.
 
Atravessam avenidas e becos
de saudade e lembrança
e chegam perto de nós.
 
Desenrolando
reprises
de risos
brindes
jornadas
cirandas.
 
Latejando 
o tique-taque
dos afetos permanentes

[Ilustração: Lasar Segall]

O som na ribalta https://bit.ly/3Ye45TD 

Humor de resistência: Aroeira

 

Aroeira

Sem agulha no palheiro https://bit.ly/3Ye45TD

27 abril 2024

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

Longe ainda do ideal, mas o avanço é expressivo: taxa de pobreza cai 27,5% e atinge o menor índice desde 2012.

Em cima do lance https://bit.ly/3Ye45TD

EUA x China

Blinken em Pequim e o “primeiro botão da camisa”

A estabilização das relações China – EUA depende da resolução de uma contradição fundamental.
Wevergton Brito/Vermelho


 

O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, esteve em Pequim aonde chegou na quarta-feira (24). Durante sua visita, reuniu-se longamente com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi e nesta sexta-feira (26) encontrou-se com Xi Jinping. A visita faz parte de uma série de movimentos dos EUA e da China no sentido de “estabilizar” a relação bilateral, bastante afetada nos últimos tempos. No início deste mês de abril, mais precisamente no dia 02, o presidente chinês Xi Jinping e seu homólogo estadunidense, Joe Biden, já haviam conversado por telefone, a pedido do americano, e tiveram, segundo a agência chinesa Xinhua, “uma conversa franca e profunda sobre as relações China-EUA e assuntos de interesse mútuo”. Logo após, em declaração à mídia sobre o diálogo, Xi Jinping fez uma metáfora sobre a relação entre os dois países, dizendo que ao vestir uma camisa, se você não abotoar o primeiro botão na casa correta, a camisa necessariamente ficará desalinhada. Depois do encontro de hoje com Blinken, Xi Jinping voltou a fazer alusão à metáfora do “primeiro botão da camisa”. O que quer dizer Xi Jinping com isso? Bom, é preciso em primeiro lugar entender que EUA e China desenvolveram, ao longo dos últimos 45 anos, volumosas e complexas relações econômicas que, se abaladas seriamente, causariam efeitos prejudiciais a ambos os países. Daí que as disputas geopolíticas entre as duas nações são conduzidas, quase sempre, com o máximo cuidado.

Blinken em Pequim e o “primeiro botão da camisa” II

Blinken declara que EUA e China devem abordar suas diferenças com “responsabilidade”, enquanto Xi Jinping é mais enfático. Afirma o líder comunista que a China fica feliz com os êxitos e o desenvolvimento dos EUA e cobra um sentimento recíproco, maneira bastante hábil de se contrapor aos recentes “conselhos econômicos” estadunidenses no sentido de que a China deve conter seu desenvolvimento. Xi voltou a propor que as relações China-EUA sejam baseadas em três princípios: respeito mútuo, convivência pacífica e benefício mútuo (relação de “ganha-ganha”, como gostam de falar os chineses). Afinal, Xi Jinping lembra constantemente que: “o mundo é grande demais e pode perfeitamente ter lugar para que EUA e China convivam de forma harmoniosa”. O problema é o tal “primeiro botão”. Os últimos documentos oficiais sobre a política de segurança nacional dos EUA definem a China como uma “ameaça estratégica”. Durante os debates da campanha eleitoral de 2020, Trump e Biden divergiam sobre quase tudo, menos sobre a China. A China não deixou de registrar que a visão dos EUA sobre o país representa um consenso bipartidário, e o que pode variar, no caso, são os métodos, o tom e a ênfase, mas a essência será a mesma, independentemente de Trump ou Biden. Em 2022, o documento sobre a política de segurança nacional dos EUA mais recente, portanto já sob governo Biden, volta a mencionar a China como uma ameaça à hegemonia americana. O documento diz que a China “é o único competidor com a intenção de mudar a ordem internacional e, ao mesmo tempo e cada vez mais com poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para avançar nesse objetivo“.

Blinken em Pequim e o “primeiro botão da camisa” III

Durante a apresentação do texto, Jake Sullivan, assessor de Segurança Nacional de Biden, disse que “a era pós-guerra fria acabou” (uma admissão implícita de que o mundo já não é unipolar) e do que se trata agora é conformar o que “virá depois dessa era”. Este é, afinal, o tal “primeiro botão”. Como cobra repetidamente Xi Jinping e os dirigentes da República Popular da China, os EUA devem decidir se querem ser parceiros ou adversários da China. A China, em conjunto com a Rússia, propõe “novas relações internacionais”, consentâneas com o mundo multipolar, tendo a ONU como centro e a carta das Nações Unidas como norma orientadora. Um mundo onde todos os países terão direito a escolher seu próprio modelo de desenvolvimento e democracia. Ora, objetivamente isso se choca com os interesses dos EUA, que reconhecem que o mundo mudou, mas lutam tenazmente para que, em essência, nada mude, pois não cogitam a hipótese de abrir mão de seu papel de “nação líder do planeta”. Nesta última quarta-feira, poucas horas antes de Blinken desembarcar na China, o presidente dos EUA, Joe Biden, assinou um projeto de lei destinando bilhões de dólares para “combater o poder militar da China” e outros tantos bilhões para a “defesa de Taiwan”. Essa contradição não irá se resolver tão cedo, pois os dois países sabem muito bem o que está em jogo, contudo levam em conta os impactos imediatos de uma conflagração aberta, que não é do interesse de nenhum dos lados. Porém, a contradição seguirá latente e irá, cedo ou tarde, encontrar uma resolução, esperemos que de forma pacífica. O fato é que a camisa continuará desalinhada por um bom tempo, até que um dos dois contendores resolva mudar o figurino. No caso, aposto minhas fichas em que os EUA serão constrangidos a fazê-lo pois seu visual hegemônico, cada vez mais contestado, pertence a temporadas passadas. Claramente saiu de moda.

Conselho de Stálin a Enver Hoxha: “Seja como for, o problema religioso deve ser encarado com muita atenção, é preciso atuar com cuidado neste campo porque não podemos ignorar os sentimentos religiosos do povo. Há séculos que os homens cultivam esses sentimentos e por isso é preciso proceder com muita ponderação, pois a atitude adotada em relação a este problema influirá na coesão e unidade do povo“. [Livro de Enver Hoxha: “Com Stálin, Recordações”.]

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/china-x-eua.html

Humor de resistência: Enio

 

Enio

Quem vê aprende https://bit.ly/3Ye45TD

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

A colunista Bela Megale (O Globo) informa que o tenente-coronel Mauro Cid está ajudando os policiais a identificarem as lojas nos EUA envolvidas na comercialização irregular das joias e presentes de que Bolsonaro se apropriou ilegalmente. Caso sério.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaopolitica_23.html 

Democracia, ditadura e transição.

Após três décadas do fim da ditadura militar, a democracia brasileira sofreu reveses que nos coloca a revisitar a construção do processo democrático, suas características e potencialidades. Destaca-se as características do Estado brasileiro como instrumento historicamente determinado e o elemento “transição” como materialidade das mudanças qualitativas do processo político brasileiro, seus agentes e as limitações impostas pelo jogo de forças políticas dadas em diferentes momentos. Para analisar o fim da ditadura e o processo de democratização como determinantes da situação política brasileira atual, a Live do João deste 23 de abril de 2024 conta com a exposição do Professor Diorge Konrad, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP. Professor Titular do Programa de Pós-Graduação, dos Cursos de História - Licenciatura e Bacharelado e do Departamento de História da UFSM.

Trabalho na era digital

Psicóloga dá dicas para jornalistas gerenciarem tempo de tela

Estabelecer e respeitar limites para atividade profissional ajudam na socialização e descompressão do estresse
Folha de S. Paulo

 

Priorizar interações presenciais, reservar um tempo longe de dispositivos e fazer tudo com moderação são algumas das dicas elencadas pela psicóloga Charlotte Armitage para ajudar jornalistas a gerenciarem seu tempo em frente a telas.

Em entrevista ao site britânico Journalism.co.uk, ela deu as dicas abaixo. 

DEFINA HORÁRIOS PARA SE MANTER OFFLINE

Armitage sugere a criação de períodos diários em que os dispositivos permaneçam desligados. Na rotina matinal, por exemplo, um bom começo é levantar-se, tomar café da manhã e sair de casa antes mesmo de verificar o telefone pela primeira vez no dia.

Outra opção possível é estabelecer cômodos livres de telas, como a sala de jantar ou o quarto, para ganhar mais tempo interagindo verdadeiramente com as pessoas ao redor.

RESERVE TEMPO DE QUALIDADE PARA RELAÇÕES IMPORTANTES

Valorizar o tempo com as pessoas próximas, como pais, filhos e outros familiares, é importante para se proteger do estresse induzido pelo trabalho. Mas tempo de qualidade significa estar presente e, portanto, sem as distrações trazidas por dispositivos.

PRIORIZE INTERAÇÕES PRESENCIAIS

Estar fisicamente com as pessoas é uma forma de melhorar a saúde mental. Conversar cara a cara em vez de ligar ou até encontrar-se com amigos mesmo que para jogar videogame também ajuda no gerenciamento do tempo de tela.

LEMBRE-SE DA MODERAÇÃO

Estabelecer limites ou reservar períodos específicos para usar telas são uma boa maneira de não se isolar sem se perder no tempo. Dessa forma, também é mais fácil ter a consciência do impacto dos dispositivos sobre si mesmo.

SEJA FIRME COM OS LIMITES

Responder a um e-mail no dia de folga ou almoçar com o celular sobre a mesa são pequenas ações às quais é difícil se desprender uma vez incorporadas à rotina. Reservar um tempo para se desligar do celular ajuda na descompressão e socialização.

Roda vida, roda pião https://bit.ly/3Ye45TD

Palavra de poeta: Vladimir Maiakovski

Impossível 

Vladimir Maiakovski


Sozinho não posso
carregar um piano
e menos ainda um cofre forte.
Como poderia então
retomar de ti meu coração
e carregá-lo de volta?

Os banqueiros dizem com razão:
“Quando nos faltam bolsos,
nós que somos muitíssimo ricos,
guardamos o dinheiro no banco”.

Em ti
depositei meu amor,
tesouro encerrado em caixa de ferro,
e ando por aí
como um Creso contente.

É natural, pois,
quando me dá vontade,
que eu retire um sorriso,
a metade de um sorriso
ou menos até
e indo com as donas
eu gaste depois da meia-noite
uns quantos rublos de lirismo à toa

[Ilustração: Egon Schiele]

Poema de Paulo Freire com ilustração de Pablo Picasso https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/palavra-de-poeta-paulo-freire.html

26 abril 2024

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

A mídia adoraria saber de todos os escaninhos da preparação dos partidos para o pleito municipal. Tudo pela notícia e, se possível, por manchetes! Mas muita conversa anda discretamente e tem gente que aprendeu com Tancredo - que dizia ser necessário "ficar rouco de tanto ouvir".

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaopolitica_25.html

Aos 40 anos das Diretas Já

Aos 40 anos das Diretas Já, as memórias de uma luta contínua pela democracia

O Portal Vermelho relembra os principais fatos e traz relatos de lideranças sociais daquele momento que expressam o clima de esperança que contagiou o país em meio ao desespero da ditadura para sobreviver
Cezar Xavier/Vermelho


 

Nivaldo, Jamil, Aurélio, Luciano e Jô eram lideranças destacadas em 1984, quando a luta pela aprovação da emenda das Diretas Já tornou-se prioritária e organizava toda a sociedade. A luta contra a carestia, contra a violência da ditadura, contra as mentiras dos militares, contra os salários de fome e o desemprego, convergia, agora, para um único palanque. 

O sindicalista Nivaldo Santana, com 31 anos à época, lembra o contexto político e social que levou a sociedade brasileira a se unir em torno daqueles comícios gigantescos. O médico Jamil Murad, atendendo em hospitais públicos de São Paulo com seus 41 anos de idade, conta como os brasileiros de todos os níveis já estavam fartos da ditadura. 

Em sua biografia, Aurélio Peres, que aos 45 anos era deputado, se equilibrava em meio aos corredores da Câmara dos Deputados, com colegas que não sabiam muito bem para onde ir. Aurélio tinha clareza e operou para defender a emenda, as mobilizações e não titubeou ao decidir pelo apoio a um candidato ao Colégio Eleitoral, após a derrota da emenda das Diretas.

Leia também: 40 anos depois, cobertura das Diretas Já! ainda mancha a Globo

Luciano Siqueira tinha 38 anos, antes de se tornar deputado, vereador e até vice-prefeito. Ao participar ativamente das mobilizações em Pernambuco, ele conta como aquele momento foi de profundo aprendizado para uma sociedade que estava desacostumada com os ares da democracia.

Do mesmo modo, a ex-deputada Jô Moraes, também com 38 anos, corria da polícia mineira em 1984, enquanto reunia mulheres para a luta pelas Diretas. Para ela, com a guerra cultural e ideológica que se enfrenta nas redes sociais, hoje é mais difícil lutar por aqueles ideias.

Aos fatos

Ainda em 1983, houve um comício pouco noticiado diante do estádio do Pacaembu, em São Paulo, no dia 27 de novembro, conforme cresciam as mobilizações em torno da Emenda Dante de Oliveira (PMDB-MT), que propunha o restabelecimento imediato das eleições diretas para presidente da República. Em 12 de janeiro, aconteceu o primeiro grande comício da campanha, em Curitiba, reunindo sessenta mil pessoas, segundo os organizadores. 

Leia também: 40 Anos das Diretas Já: A resistência que moldou a democracia

O comício de São Paulo foi bem maior. As avaliações dão conta de 400 mil participantes, mesmo debaixo de duas horas de chuva ininterrupta. Estavam presentes personalidades do mundo político — Franco Montoro, Ulysses Guimarães, Luiz Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola — e artístico —, Bruna Lombardi, Alceu Valença, Chico Buarque, Fernanda Montenegro, Ester Góes, Regina Duarte, Carlos Vereza, Jards Macalé, Fafá de Belém, Gilberto Gil e Moraes Moreira. 

“A Bastilha, que é o símbolo da usurpação do povo, e que se chama Colégio Eleitoral, caiu, hoje, aqui. O povo, os 400 mil brasileiros que aqui se encontram tomaram os cárceres em cujos porões a ditadura aprisionou os títulos (eleitorais) de sessenta milhões de brasileiros”, disse Ulysses Guimarães. 

O governo de João Figueiredo jogou pesado para desmobilizar o comício. As redes de televisão foram proibidas de transmitir o evento para fora da cidade de São Paulo. Só a Bandeirantes desafiou a ditadura e mostrou, ao vivo em rede nacional, trechos importantes do comício. Seu presidente, João Saad, foi intimidado por Figueiredo a comparecer em seu gabinete. Com o Decreto de concessão do canal da Bandeirantes em Brasília na mão, o ditador ameaçou cancelar o contrato e, com fúria, o transformou em papel picado. 

Leia também: O PCdoB e a campanha das Diretas

O deputado Dante de Oliveira colheu as assinaturas em apoio à proposta em fevereiro de 1983, mas ninguém fazia a mais remota ideia de que ela decolasse com o impulso de uma gigantesca mobilização popular. Ela precisava de dois terços para ser aprovada. Havia ainda os degraus regimentais para a sua tramitação, um labirinto totalmente vigiado pelos governistas. Aprovar uma emenda constitucional contra o regime era praticamente impossível, como se confirmou. 

Depois de virar realidade em abril de 1983, acabou enfiada em alguma gaveta e voltou a ver a luz somente em 1984, quando já estava na boca do povo. Ostentando a cor amarela como símbolo do movimento, os comícios, cada vez mais gigantes, tomaram conta do país. 

No dia da votação da emenda, Brasília estava praticamente sitiada. No comando das medidas de emergência que vigorariam entre 20 e 30 de abril estava o truculento general Newton Cruz, comandante militar do Planalto. O Comitê Nacional pró-diretas havia programado para aquela data uma jornada de vigília cívica de acompanhamento das discussões e votação da emenda. 

Leia também: Haroldo Lima, ex-deputado comunista, comenta 35 anos das “Diretas, já”

Contudo, o resultado da votação na Câmara dos Deputados frustrou todas as expectativas. Por falta de 22 votos, a emenda Dante de Oliveira foi rejeitada. A multidão que lotava as galerias do Congresso, entre lágrimas, deu-se as mãos e, erguendo-as, cantou o hino nacional. 

Grandes comícios voltaram a ocorrer no país. Dali em diante, a discussão seria sobre como a oposição deveria se posicionar no Colégio Eleitoral. Em 19 de junho de 1984, nove governadores do PMDB e Leonel Brizola, do PDT, reuniram-se em São Paulo e indicaram Tancredo Neves como candidato da oposição à sucessão presidencial.

Havia uma fervura nos bastidores do governo, com a dissidência que se bandeou para a candidatura de Tancredo Neves. O ministro do Exército, Délio Jardim de Mattos, chegou a chamar de “traidores” os que não aceitavam a candidatura de Paulo Maluf. 

Havia rumores de que o candidato da oposição poderia ser assassinado. No primeiro comício na cidade de Goiânia, terroristas da ditadura espalharam cartazes e picharam paredes de Goiânia associando Tancredo Neves ao PCB e ao PCdoB. Ocorreram prisões de agentes militares pilhados nessa tarefa em Brasília e Salvador.

Quando Tancredo Neves deixou o governo de Minas Gerais para assumir a candidatura, os partidos comunistas decidiram não levar seus símbolos no ato político para evitar exploração política. Contudo, duas bandeiras do PCdoB apareceram na manifestação; descobriu-se depois que foram levadas por membros da Polícia Federal. 

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves elegeu-se presidente da República, derrotando o candidato da ditadura militar, Paulo Maluf, no Colégio Eleitoral. Com as expectativas renovadas pelo regime batizado por Tancredo Neves de “Nova República”, o país passou a respirar novos ares. A morte de Tancredo antes da posse não arrefeceu as esperanças.

Para os trabalhadores, além da ampliação das liberdades o país precisava começar a varrer as marcas deixadas pelos anos de chumbo. A forma de se fazer isso seria a realização de uma Assembleia Constituinte, comandada pelo governo assumido por José Sarney, para gravar na Constituição os direitos de uma sociedade com um mínimo de democracia para o povo. Apesar da Nova República, as velhas oligarquias, a estrutura social do país fendida em dois extremos e a máquina estatal montada para garantir privilégios para poucos continuavam exibindo poder no novo regime. 

Aurélio Peres: Uma vida na luta por eleições diretas

Aurélio Peres, ex-deputado federal pelo PMDB e militante comunista, foi uma figura proeminente nos turbulentos anos da década de 1980 no Brasil. Sua biografia, šintitulada Aurélio Peres — Vida, Fé e Luta, escrita por Osvaldo Bertolino, oferece um olhar detalhado sobre aquele período histórico e suas reflexões sobre os eventos que moldaram a redemocratização.

Em 1981, o cenário político estava fortemente influenciado pelo “pacote de novembro”, uma minirreforma política, que buscava favorecer o partido do regime militar nas eleições vindouras. Aurélio, em resposta a essas manobras, defendeu a unidade das oposições em torno de um projeto comum de mudança radical na política econômica e na defesa das eleições de 1982 sem casuísmos.

Por meio do Bloco Popular, o PMDB aprovou a defesa de eleições diretas para presidente da República, e Aurélio Peres foi um dos responsáveis por instituir o “Movimento Teotônio Vilela pelas Eleições Diretas”, homenageando o senador falecido recentemente. Esse movimento suprapartidário tinha como objetivo coordenar nacionalmente a luta pelo pleito direto.

Aurélio relembra o início das manifestações em prol das eleições diretas, como o pequeno comício-relâmpago no Largo Treze de Maio, em 14 de janeiro de 1984. A mobilização ganhou força com a criação de comitês estaduais, municipais e zonais do Movimento Teotônio Vilela, espalhando a campanha por todo o país. 

Aurélio Peres enfatizava a importância de envolver o movimento sindical na luta pelas diretas, destacando a iniciativa do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. No entanto, ele reconhece que o apoio das bases sindicais ainda não era totalmente consolidado e defendia um maior engajamento da classe operária na causa das eleições diretas.

Enquanto a oposição tentava impulsionar a campanha das diretas, o governo militar contra-atacava com propaganda e manobras políticas. Aurélio denunciava a postura autoritária do regime, criticando a tentativa de trocar as eleições diretas por uma saída via Colégio Eleitoral.

O cume desse movimento histórico ocorreu nos comícios de 10 de abril de 1984, no Rio de Janeiro, e 16 de abril, em São Paulo, que reuniram milhões de manifestantes em apoio às eleições diretas. De lá, Aurélio expressou sua confiança na vitória da campanha e rejeitou qualquer acordo que comprometesse os princípios democráticos.

Após a derrota da emenda constitucional, Aurélio criticou esquerdistas que recusavam a disputa com um candidato progressista no Colégio Eleitoral, reforçando sua posição em defesa da democracia.

A vitória de Tancredo Neves nas eleições indiretas representou não apenas o fim de uma longa jornada de luta contra o regime, mas também um reconhecimento pessoal da dedicação de Aurélio Peres à causa democrática, como reconheceu a própria imprensa da época.

Nivaldo Santana: Um marco na história da democracia

Nivaldo Santana, secretário sindical nacional do PCdoB, mergulha nas lembranças vívidas naquele período marcante, ressaltando o contexto político e social que levou à mobilização histórica.

“A ditadura militar estava num processo progressivo de isolamento político e social. Houve grandes mobilizações de trabalhadores, greves, passeatas estudantis”, afirma.

As eleições diretas de 1982, que viram a vitória da oposição em 10 estados, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, são destacadas por ele como fundamentais para criar as condições para o movimento maior.

Nivaldo narra os momentos marcantes das manifestações em São Paulo, onde multidões se reuniam em lugares emblemáticos como o Pacaembu, a Praça da Sé e o Vale do Anhangabaú, este último testemunhando a presença de mais de um milhão de pessoas. Ele enfatiza o apoio político e logístico dado pelo governador Franco Montoro, que abriu as catracas do metrô para facilitar a participação popular.

As Diretas Já, para o sindicalista, representaram um ponto de inflexão que culminou na derrota do regime militar e na abertura política. Mesmo com a derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional, Nivaldo destaca que a mobilização popular pavimentou o caminho para a eleição de Tancredo Neves e a posterior redemocratização do país.

O dirigente ressalta que o legado das Diretas Já foi além da redemocratização, inaugurando um novo ciclo político no Brasil. No entanto, ele reconhece os desafios econômicos enfrentados pelo país após a ditadura, destacando a necessidade de desenvolvimento econômico aliado à democracia.

“Depois de 40 anos da campanha das Diretas, a luta pela democracia deve continuar sendo uma bandeira prioritária, viabilizada pela união de amplas forças políticas e sociais”, afirma.

Jamil Murad: Memórias de um médico contra a ditadura

Jamil Murad, membro do PCdoB desde 1968 e destacado militante entre a população de São Paulo, abre as portas de suas memórias para compartilhar suas experiências e reflexões sobre os anos sombrios da ditadura militar no Brasil.

Desde o início da ditadura, Jamil foi testemunha ocular da violência do regime, que não hesitou em reprimir, torturar e matar aqueles que se opunham ao seu poder autoritário. Para ele, esse período foi marcado pela perda de liberdades individuais e pela submissão aos interesses estrangeiros.

Entretanto, ele ressalta que o povo brasileiro nunca se curvou diante dos generais. Da guerrilha da Araguaia à mobilização das Diretas Já, os brasileiros enfrentaram as adversidades mais severas para defender sua pátria e seus direitos.

Ao relembrar os eventos que culminaram nas Diretas Já, Jamil destaca a determinação popular em resistir à ditadura. Ele recorda os momentos-chave das manifestações, especialmente a grande mobilização no Vale do Anhangabaú, que reuniu mais de um milhão de pessoas em um clamor uníssono por democracia.

A construção do movimento das Diretas Já, segundo ele, foi uma estratégia inteligente e hábil, que uniu diversos setores da sociedade contra o regime militar.

Apesar da derrota das Diretas Já com a posterior eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral, o Brasil iniciou uma nova era política, como destaca Jamil, que se tornou um parlamentar querido dos paulistanos. Ele enfatiza a importância desse momento e sua contribuição para as conquistas subsequentes, incluindo as cinco eleições presidenciais vencidas por forças democráticas.

No entanto, Jamil adverte que os desafios persistem no Brasil contemporâneo. O país precisa de reformas estruturais profundas para alcançar seu verdadeiro potencial e se tornar uma nação próspera e justa para todos os seus cidadãos. Ele expressa sua convicção de que, assim como o rio que corre para o mar, a busca por um Brasil melhor e mais justo é inevitável e irrefreável.

Luciano Siqueira: 40 anos de lutas e aprendizados

Com 52 anos de militância no PCdoB, Luciano Siqueira compartilhou sua visão e experiência durante esses momentos seminais da história brasileira.

“Sinto-me privilegiado por ter vivenciado e participado ativamente da campanha das Diretas Já”, expressou. “A campanha das Diretas Já representou um momento crucial na luta pelo fim da ditadura militar.”

Rememorando os momentos marcantes da campanha em Pernambuco, Luciano destacou dois eventos particulares. O primeiro foi um grande encontro no ginásio de esportes, onde diversas delegações de todo o estado se reuniram em apoio à causa. O segundo foi uma manifestação histórica no largo da feira de Santa Mara, que se tornou uma das maiores da história do Recife até então.

“Mesmo que a emenda Dante de Oliveira não tenha sido votada, o movimento das Diretas Já teve um impacto profundo em todo o país”, explicou. “Esse movimento se transformou em um amplo apoio à candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, o que culminou na vitória e nos passos iniciais da redemocratização que conhecemos.”

Para ele, a formação da consciência social avançada é um processo complexo, pois “o mesmo povo que foi às ruas pedir Diretas Já, é também um povo suscetível sob a pressão das condições objetivas adversas, a se confundir e fracionar sua consciência política”. Ele destacou que, apesar das idas e vindas ao longo dos últimos 40 anos, o período das Diretas Já representou um grande aprendizado para o povo brasileiro.

“É um processo complexo, sujeito a altos e baixos”, afirmou ele. “Mas acredito que é possível o povo brasileiro se libertar a si mesmo e melhorar seu padrão de vida material e espiritual, dando um passo adiante em direção à própria emancipação dos trabalhadores.”

Jô Moraes: A luta contínua pela democracia

Jô Moraes, revive com emoção e vivacidade sua participação na histórica campanha das Diretas Já em Minas Gerais. “Naquele ano de grandes lutas, eu já estava aqui em Belo Horizonte, na transição entre sair da anistia e atuar na vida política”, conta Jô Moraes. “A campanha das diretas em Minas teve uma importância muito grande, pois Tancredo Neves era governador do estado.”

Jô destaca o papel fundamental das mulheres na campanha em Minas Gerais. “Nós criamos o comitê feminino suprapartidário pelas diretas e tivemos uma atividade intensa. Fomos as mulheres que, em fevereiro, fomos para a Praça da Rodoviária fazer a primeira atividade de defesa das diretas”, lembra ela.

Ela descreve a mobilização das mulheres, que incentivavam umas às outras a se envolver na campanha, por meio de uma corrente que, se fosse quebrada, acabava com o Maluf governando o Brasil. “Foi tão forte a incorporação das mulheres nessa campanha que, quando a votação da emenda Dante de Oliveira foi derrotada, nós fizemos uma manifestação enterrando simbolicamente com um caixão todos os deputados que votaram contra as diretas”, relata Jô. A repressão policial fez com que a mulherada corresse para um parque com o caixão feito de caixa de geladeira. Ninguém foi presa, pois a polícia preferiu levar o caixão, as flores e faixas.

Sobre o legado das Diretas Já, a ex-deputada ressalta que o compromisso de garantir a democracia e a liberdade no país continua, embora os desafios sejam diferentes. “Hoje, lutar em defesa da liberdade e da democracia é muito mais difícil do que o período que vivemos na ditadura”, afirma. “Estamos na disputa de uma guerra cultural, que exige uma imensa capacidade de compreender, se aproximar do povo e enfrentar as estruturas novas da disputa que realizamos.”

Com informações de “Aurélio Peres — Vida, Fé e Luta“, escrita por Osvaldo Bertolino, pela Editoria Anita Garibaldi.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/minha-opiniaopolitica_23.html