29 abril 2022

Palavra de poeta: Arnaldo Antunes

Coleção de esquecimentos

Arnaldo Antunes


eu tenho uma coleção de esquecimentos
e apenas duas mãos pra ver o mundo
meu dia passa inteiro num segundo
mas nada abafa a voz dos pensamentos
 
nem frontal e nem melatonina
eu tenho as saudades de um soldado
do que haveria de ser o meu passado
de tudo que escapou da minha sina
 
desculpas, culpas, lapsos de sinapses
impregnam minha corrente sanguínea
e sigo apassivando a carne ígnea
e aplainando os vértices dos ápices
 
eu sou o super-homem submisso
às rotas da rotina e ao tempo escasso
enquanto esqueço do próximo passo
anoto um outro novo compromisso
 
queria estar a sós comigo mesmo
e ter a eternidade toda em torno
desfalecer no fogo desse forno
até me desfazer como um torresmo


[Ilustração: 
Victor Oliva]

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Crônica da sexta-feira

Cirurgião por engano

Luciano Siqueira

 

Quantas vezes alguém estranho já falou com você imaginando ser quem você não é? 

O constrangimento a gente contorna de algum modo. Uma ou outra frase evasiva quebra o galho. 

E quando você é quem se engana? 

Ao sair de uma consulta médica e ainda nas dependências da clínica, o cidadão me cumprimenta com um sorriso largo, estatura mediana, cabelos curtos repartidos ao meio, uns quarenta anos talvez, que me parecia familiar, e de pronto antecipei minha saudação efusiva: 

– Tudo bem, homem! Quanto tempo! 

— É mesmo doutor, já faz um tempinho que o senhor me operou... 

(Epa! Não sou cirurgião. Logo, ele não é quem eu imaginei que fosse...) 

— Sim? 

— Eu até estava querendo lhe fazer uma pergunta. 

— A correria é muito grande!... 

(Minha resposta sem sentido foi a deixa para que eu saísse dali rápido que nem míssil teleguiado). 

Nem deu tempo do meu suposto paciente fazer a tal pergunta, nem de pedir desculpas por tê-lo confundido com outra pessoa. 

Eu o confundi com quem? 

Confesso que não sei, não tenho ideia. Apenas me pareceu uma fisionomia conhecida. 

Fico agora a imaginar aquele cidadão, ao chegar em casa, comentando com a esposa e filhos, quem sabe, como lhe pareceu estranho e apressado o cirurgião que, não faz muito tempo, o operou. 

Da minha parte, ficam aqui registradas minhas desculpas. 

E a consciência de que a pressa é amiga da precipitação. Bem que eu poderia ter tido a calma necessária e o tempo mínimo para esclarecer que eu não era quem ele pensava ser. 

Assim, pelo menos ele não teria ficado com uma má impressão do dito cirurgião que eu não sou nem nunca fui...

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Tateando o Brasil

Apesar de você

Daniela Pinheiro, UOL

 

O cineasta Sérgio Tréfaut, de 57 anos, tem três passaportes. Ele nasceu no Brasil por acaso, cresceu na França com a mãe nativa e morou quase toda a vida em Portugal, onde construiu uma carreira de renome. Seus filmes foram exibidos em mais de 40 países, onde recebeu honrarias relevantes.

Recentemente, levou o Grande Prêmio de Documentário Musical no Festival Internacional de Documentários em Biarritz com "Paraíso", que acompanha a rotina de um grupo de idosos que se reúne para cantar nos jardins do Palácio do Catete, no Rio. As filmagens foram interrompidas por conta da pandemia. Quando o filme foi lançado, alguns dos personagens haviam morrido, vítimas da covid-19. Foi a primeira vez que Tréfaut filmou no Brasil. Até então, tinha tratado de temas ligados ao país à distância, como a vida dos imigrantes. Seu próximo projeto é um mergulho no descaso com o patrimônio público e as consequências do desenvolvimento urbano anárquico. Um dos focos do filme é a tragédia dos incêndios em museus brasileiros. Desde os anos 1970, sete deles, em diferentes cidades do país, viraram cinzas, carcomidos pelo fogo que destruiu acervos completos, obras de arte de valor inestimável e parte relevante da memória nacional.

No início de março, Tréfaut vendeu o dúplex em que morou por 27 anos no bairro da Graça — de onde se tinha uma vista magnífica dos telhados de Lisboa e do Tejo soberbo — para se mudar para o Brasil. Às vésperas de sua viagem, conversamos por duas horas sobre incêndios, Brasília, xenofobia contra brasileiros, o estado da cultura no país. Na última quinta-feira (29), dois meses depois de ele ter se instalado numa casa no bairro de Santa Teresa, no Rio, voltamos a nos falar. A entrevista foi editada e condensada para melhor compreensão.

Daniela Pinheiro: Nunca houve tantos brasileiros vindo viver em Portugal, e você está fazendo o caminho inverso. Por que voltar para o Brasil?
Sérgio Tréfaut: Nasci no Brasil porque meu pai, que é português, estava exilado. Quando a ditadura salazarista acabou, a do Brasil estava no auge. Meu irmão mais velho foi preso, torturado, quase morreu. Fugimos de lá e mudei-me para a França com minha mãe. [Seu pai era o jornalista Miguel Urbano Rodrigues, ex-editorialista d'O Estado de São Paulo]. Só fui pisar no Brasil novamente aos 22 anos. Depois, passei mais dez anos sem voltar. Estou indo porque sinto que minha identidade está lá. Apesar de tudo, do Bolsonaro, do estado geral das coisas e com a proximidade das novas eleições, tenho a impressão de que já se pode começar a pensar em respirar por lá.

Que tipo de oportunidades acredita que encontrará no Brasil?
Encontrei no Brasil algo que não tive em nenhum outro lugar do mundo: uma liberdade, uma possibilidade de ser eu mesmo tremenda. Nunca tive isso na França, nem aqui em Portugal. Eu tenho muitos amigos brasileiros, e eles são maravilhosos. Quero tentar fazer filmes sobre o Brasil. Quero, de certa forma, ajudar e lutar pelo país. É mais ou menos isso. Minha relação com o Brasil é esta: continuo com um sonho empático de carinho absoluto pelo país e uma vontade de participar na medida do possível. Mas sei que sou um brasileiro de segunda. No sentido de que não vivi como um brasileiro legítimo.

O que é preciso dizer sobre o Brasil em filmes?
Há muito o que se retratar. Tenho um documentário, um pouco conceitual, ainda em fase de pesquisa, que é muito forte para mim. Chama-se "Incêndio" e trata da questão patrimonial brasileira. É percorrer o caminho de como os brasileiros destruíram totalmente o seu país. E não tem nada a ver com Bolsonaro.

O estado dos museus engolidos pelo fogo era como a crônica de uma tragédia anunciada: descaso público, nenhum cuidado, burocracia e leniência governamental.
Crônica de um incêndio anunciado. A partir deles, aprende-se muito sobre o Brasil. Nos últimos 30 anos, houve sete incêndios de proporções aterradoras: a Cinemateca em São Paulo, o Museu Nacional no Rio, o Museu da Língua Portuguesa, o Memorial da América Latina, o Museu de História Natural, só para citar alguns. Isso diz muita coisa sobre uma nação: a relação do Brasil com seu patrimônio, como trata das suas coisas e o que espera delas. O que é o Museu do Amanhã, no Rio? Esse museu é o resumo mais bem acabado da mentalidade de que a nossa identidade está no futuro e foda-se o passado. Um museu vazio, onde ninguém vai, que mostra sei lá o quê, mas que simboliza o "amanhã". Museu pago pela Globo, que é uma instituição, um dos símbolos dessa ideologia dominante.

Como o Brasil trata seu patrimônio?
É preciso fazer um flashback para entender como chegamos até aqui. Ir para o começo do século 20, quando o Rio de Janeiro ainda era a capital do país e tudo o que aconteceu com a operação "bota-abaixo", que mudou a cara da cidade. A ideia de se construir uma Paris dos trópicos. É quando abrem a avenida Central -- que era para ser uma Champs-Elysées --, há a construção do Theatro Municipal e dos edifícios da Biblioteca Nacional e da Escola de Belas Artes. Arrasam com a parte antiga para "civilizar" a cidade para a elite. Aí vem os anos 1930, 1940, o metro quadrado aumenta demais, a questão do dinheiro fala mais alto e tudo aquilo é substituído de novo por coisas mais rentáveis de inspiração norte-americana, como Chicago e Nova York. Aí, mais uma vez, vale o que é o "novo". O passado, a história, vão para o lixo. Isso tem um peso radical em toda a construção, em todo urbanismo, em todo o desenvolvimento brasileiro do século 20.

Vide a Barra da Tijuca.

A Barra é o que tem mais valor hoje no Rio de Janeiro! Aquela coisa imunda, horrorosa, que nunca deveria ter existido e nem deveria ser o Rio de Janeiro, tinha que ser um subúrbio e olhe lá. Aquilo tem mais valor do que o bairro de Botafogo. Ou seja, em vez de valorizar, o antigo vira nada. O apagamento histórico, a ideia do novo-rico, do dinheiro novo, é uma característica muito própria de tudo isso.

Nesse contexto, o que quer dizer a construção de Brasília?
Tem a ver com uma ideologia que também nasce no começo do século 20, exprimida por um austríaco radicado no Brasil, que faz o livro mais vendido no mundo sobre o Brasil. É Stefan Zweig e o seu "Brasil, País do Futuro". De fato, Zweig nem é um grande pesquisador. Ele faz uma colagem de outros intelectuais brasileiros -- Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda -- e aparece com a ideia de um país maravilhoso, onde não há criminosos, brancos e pretos se amam, se há gente na cadeia foi porque escorregou numa casca de banana. O país da doçura. O Brasil, país do futuro, é o que faz com que Brasília seja um projeto de capital onde não há nenhuma memória de passado.

Eu nasci em Brasília, mas não me imagino morando lá nunca mais.
Juscelino Kubitschek tinha feito um balão de ensaio em Belo Horizonte, quando fez o bairro da Pampulha -- já tinha ali Oscar Niemeyer, Burle Marx. Aquilo já era o seu "show off". E aí, presidente da República, ele inventa de fazer a nova capital. E aquilo não passa de um projeto eleitoreiro. Fazer uma capital em cinco anos em si é uma aberração. Sim, era preciso desenvolver o centro do país, mas Brasília foi uma excrescência moral. Aquilo tudo é uma farsa fabulada com os conceitos de dois filhinhos de papai, que fazem um parque temático, que se torna obsoleto rapidamente. Uma cidade feita para automóveis, totalmente excludente.

Pelo visto, sua relação com Brasília também é polêmica.
Eu não gosto de Brasília. Aquilo é um absurdo do JK. Devia se chamar Jotacalândia, uma cidade construída do nada por um doido varrido que queria se autocoroar, como Napoleão na Notre Dame. E o tal do Museu do Candango? Mais de 80% do museu é uma glorificação do JK. E Brasília inteira é isso. Tem aeroporto JK, mausoléu JK. Não tem coisa que não seja JK. Ele fez seu monumento fúnebre. É uma história de faraó. Quero contar a verdade sobre o projeto de Brasília, que é a iniciativa mais destruidora já desenvolvida para acabar com o patrimônio do país.

Os filhinhos de papai são os arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemeyer, que planejaram Brasília? Eles diziam sonhar com uma cidade onde ricos e pobres convivessem nas mesmas superquadras, seus filhos indo à mesma escola e por aí vai.
Inclusão com pobres? Isso nunca houve. Brasília foi construída com os candangos imigrantes de muito baixa renda que, depois da inauguração da cidade, foram instalados bem longe do centro, em locais completamente a esmo. A história dos candangos é monstruosa. Na pesquisa do filme, vimos a história de trabalhadores que eram ameaçados com metralhadoras, coisas desse tipo. As pessoas iam trabalhar e depois eram cuspidas fora. Eu vou fazer o que puder para manchar a reputação do Lucio Costa, suposto comunista. Sua cidade inclusiva é uma piada.

Por quê?
Prefiro Dubai a Brasília. Dubai é mais real. Tudo em Brasília é uma farsa, uma impostura ideológica. Não acredito em nada daquilo. A cidade de funcionários públicos, tudo ali é especulação imobiliária. Outro dia, fui com um amigo de metrô até a Ceilândia, um bairro considerado pobre no entorno da cidade. A história da criação de Brasília tem como reverso da medalha a decadência do Rio de Janeiro, o desinvestimento. Os espanhóis têm essa palavra "desarrollista", sobre o desenvolvimento econômico a todo custo. Construção das grandes estradas, das hidrelétricas, o desenvolvimento econômico é tudo. A Dilma também pensava assim. Mas é exatamente isso que faz com que o patrimônio cultural brasileiro comece a desaparecer. A ideologia de que o valor está no futuro, que a identidade brasileira está ali adiante.

Você citou Zweig de "Brasil País do Futuro", a coisa adocicada da brasilidade. Seu filme "Paraíso" é uma visão adocicada de velhinhos cantando na praça naquele país fraturado. O que você aprendeu fazendo esse filme?
Aprendi que há pessoas lindas no filme, que votaram no Bolsonaro. Não conversávamos sobre isso no set, mas claro que eu sabia. Em geral, evito esses assuntos. Não tenho perfil de conversor. Sou muito nietzschiano. Acho que quando não há diálogo, não há diálogo. É uma relação de forças, ou você consegue achar formas de impor ou mudar as leis. As leis têm que ser mudadas. Não adianta discutir, tem que mudar é a lei.

Mas as pessoas vão continuar pensando igual, estando ele na presidência ou não.
Eu sei. Aconteceu-me já, no Rio, de estar numa situação social num bar, por exemplo, é ter receio de tocar em questões fraturantes e aí haver algum mal-entendido. Para mim, há duas questões fundamentais para que se volte à normalidade, questões sobre as quais o PT falhou quando estava no poder. A primeira é o obscurantismo religioso. Dar fim a isso tem que ser uma prioridade. A outra tem a ver com desmantelar os quartéis de droga e as milícias. Acabar com essa relação pornográfica entre milícias e militares. Quando esteve no poder, o PT não ousou enfrentar isso.

O que seus amigos dizem sobre a troca de Lisboa pelo Rio?
Acham absurdo eu ter vendido minha casa. Mas não há crítica, há surpresa. O que mais ouço é gente que está aqui em Portugal dizendo que volta para o Brasil assim que o Bolsonaro deixar o governo. A minha mudança foi muito pensada, planejada. Minha relação com Portugal é, de fato, mais com o Alentejo, de onde vem minha família. Gosto mais da mentalidade das pessoas de fora de Lisboa.

Por quê?
Há uma dominação muito grande de valores pequeno-burgueses aqui. Uma pseudo-esnobaria lisboeta, com que eu não tenho paciência. O Brasil é um país historicamente de acolhimento, Portugal não é. Aqui, você entra na sociedade, mas tem que ficar no seu lugar. Por exemplo, eu já trabalhei como jornalista. Posso escrever quatro páginas no maior jornal aqui, como já fiz. Mas é impensável com o meu sotaque fazer uma coisa na televisão. Só morei no Brasil quando criança, vivo há 40 anos em Portugal, meus filmes são portugueses, mas abro a boca aqui e sou um brasileiro.

O seu português não é luso, não é brasileiro, tem essa melodia francesa.
Aqui, quando me ouvem, sou visto como brasileiro.

Isso é ruim?
Profissionalmente, não passa nada. Há uma questão da língua escrita que, falando seriamente, acho que temos mais vantagens. Cometemos menos erros gramaticais do que a maioria dos portugueses médios. Na vida pessoal, às vezes, faz diferença, sim. Como se passa com algumas mulheres, há também um preconceito na cena homossexual portuguesa contra os brasileiros. Como se fôssemos mais fáceis, mais disponíveis e levianos.

O português é racista?
Alguns partidos políticos aqui, como o Bloco de Esquerda, jogam luz numa discussão interessante de como é o racismo em Portugal. O Partido Comunista Português, por exemplo, se recusa a assumir isso, e é uma das muitas razões pelas quais estão decadentes. Há uns dois anos, o secretário-geral do partido, Jerônimo de Sousa, deu uma entrevista dizendo que "a maioria do povo português não era racista". Dias depois, um ucraniano foi assassinado por policiais na imigração do aeroporto -- um escândalo aqui. O fato é que aqui há uma coisa mal explicada. O António Costa (primeiro-ministro), quando vai ser criticado, é chamado de indiano. Por conta da ascendência e da cor da pele, é um estrangeiro.

(Dois meses depois, uma nova conversa):

Como foram esses dois primeiros meses de Brasil? Sentiu falta de algo?
Falta de Lisboa? Nenhuma. Mas a minha vida não é exemplo de nada. Nas últimas semanas, viajei para as Guianas, Suriname, passei alguns dias no festival de Montevidéu, cheguei agora a Paris para uma projeção especial do meu filme e nas próximas semanas será um sem-fim de viagens de trabalho: Lisboa, Sevilha, Belgrado, Barcelona, Varsóvia, Cracóvia, Paris, Vêneto.

Conseguiu perceber algo do Brasil?
Nessas idas e vindas, o que mais me deixa doente é sempre ver que, diante de tanta monstruosidade, injustiça social e um governo imundo, classes de profissionais ligadas ao social -- como os médicos, por exemplo -- ainda sejam bolsonaristas. No Brasil, sempre fico com dor de barriga quando vejo que os crimes de Estado são respaldados pela burguesia, que não quer perder seus privilégios. Isso me entristece demais.

E vai continuar por aí mesmo sabendo que é muito difícil mudar isso?
Sim. Os eleitores do Bolsonaro são como os sulistas da Guerra de Secessão norte-americana. Perderam a guerra. Mas o racismo nos EUA ainda existe. Eles vão continuar, mas é seguir lutando por justiça social, justiça tout court [simplesmente] e lucidez.

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Venda do Twitter

Sob Musk, Twitter se tornará uma agência de fake news?

Elon Musk não gosta de regras. Se assumir o comando de uma das principais plataformas de comunicação da atualidade, o resultado pode ser mais notícias falsas e mais polarização
Carolina Chimoy, DW

 

Elon Musk descreveu o Twitter como "a praça central da cidade". Ou seja, a praça principal onde antigamente se ficava sabendo sobre os acontecimentos mais importantes e atuais. O que alguém queria saber podia ser ouvido nessa praça, e também era ali que anúncios costumavam ser feitos.

Portanto, Musk sabe muito bem da importância da plataforma como um instrumento de comunicação do nosso tempo.

A questão é: ele sabe o quanto de responsabilidade isso acarreta? Que não se trata apenas de lucro, como numa empresa privada? Como empresário de sucesso, ele instrumentalizará agora a plataforma a seu favor?

Ele deu a entender algumas de suas ideias em diferentes entrevistas e no seu último Ted Talk: ele quer conduzir o Twitter como uma empresa privada, e a plataforma não faria tanto no sentido da "liberdade de expressão". A comunicação tem sido com frequência moderada desnecessariamente, segundo ele.

Mas o que significa quando Musk fala de "liberdade de expressão"? Significa que qualquer um pode afirmar o que quiser – mesmo que isso garantidamente não corresponda à verdade?

Musk ressaltou várias vezes que não vê sentido em banir usuários da plataforma. O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, por exemplo, é uma das personalidades mais famosas que foi excluída do Twitter. Ele foi banido após seus apoiadores invadirem o Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

"Após uma revisão detalhada dos tuítes mais recentes da conta @realDonaldTrump e do contexto em torno deles – especialmente como eles foram recebidos e interpretados fora do Twitter –, suspendemos permanentemente a conta devido ao risco de incitar ainda mais a violência", afirmou a plataforma após o banimento.

Musk, o "absolutista da liberdade de expressão"

Musk, porém, não quer nenhuma regra. Ele deixou claro numa entrevista que essas regras e a possibilidade de banimento não existiriam mais sob seu comando.

O homem mais rico do mundo, que possui uma fortuna de cerca de 270 bilhões de dólares, quer fazer do Twitter o "imperativo social" da livre expressão. Segundo Musk, que se descreve como um "absolutista da liberdade de expressão", qualquer um deve poder se manifestar sobre tudo.

Um mundo que é difícil de imaginar justamente sob seu comando, pois o bilionário é conhecido por bloquear em sua própria conta no Twitter pessoas que fizeram críticas a ele ou a suas empresas. Também jornalistas que se posicionaram criticamente contra ele são alvos de ataque na conta de Musk. 

Nenhuma praça central pertence a um indivíduo

O Twitter pode até ser a praça pública central do século 21, como comparou Musk. Mas há algumas diferenças importantes bem claras: a comunicação na praça central nunca foi limitada a 280 caracteres, e a comunicação pessoal fornece muito mais informações do que uma mensagem curta de texto acompanhada de no máximo uma imagem.

E a diferença mais importante: a praça central de uma cidade nunca pertence a um único indivíduo e não é tão suscetível à propagação de informações falsas. Uma tendência, que na ausência de regras, só levará a uma maior polarização.

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Agrotóxicos matam

Intoxicação por agrotóxicos mata um brasileiro a cada 2 dias

Relatório afirma que empresas agroquímicas europeias já gastaram cerca de 2 milhões de euros em apoio ao lobby do agronegócio no Brasil. Aliança deu frutos: uso de agrotóxicos no país se multiplicou por seis em 20 anos.
DW

A cada dois dias, uma pessoa morre por intoxicação de agrotóxicos no Brasil – cerca de 20% dessas vítimas são crianças e adolescentes de até 19 anos. O dado consta num relatório publicado nesta quinta-feira (28/04) pela rede ambientalista Friends of the Earth Europe.

A pesquisa da entidade europeia, que reúne uma série de organizações, mapeia a aliança entre empresas agroquímicas europeias – como Bayer e Basf – e o lobby do agronegócio brasileiro.

Segundo o texto, os esforços conjuntos desses dois atores para promover o livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) "causaram danos significativos à saúde das pessoas e ao meio ambiente no Brasil".

"Corporações europeias como Bayer e Basf, que são os principais fabricantes europeus de pesticidas, têm promovido o acordo comercial UE-Mercosul por meio de grupos de lobby. Seu lobby tem procurado aumentar o acesso ao mercado de alguns de seus agrotóxicos mais nocivos ao unir forças com associações do agronegócio brasileiro. Ao fazer isso, eles apoiam uma agenda legislativa que visa minar os direitos dos indígenas, remover salvaguardas ambientais e legitimar o desmatamento", diz a Friends of the Earth Europe no documento.

Segundo o relatório, grupos que representam a Bayer, a Basf e a Syngenta já gastaram cerca de 2 milhões de euros para apoiar o lobby do agronegócio no Brasil.

E esse lobby financiado por empresas europeias deu frutos: o uso de agrotóxicos em território brasileiro se multiplicou por seis nos últimos 20 anos, afirma o relatório.

Somente em 2021, foram aprovados 499 novos pesticidas no país, um número recorde. Além disso, a Bayer e a Basf tiveram, juntas, 45 novos agrotóxicos aprovados no Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro, sendo que 19 deles contêm substâncias proibidas na UE.

"Como se bastasse manchar os pratos europeus com glifosato, a Bayer vem operando uma ofensiva agressiva de lobby no Brasil para promover pesticidas que são mortais demais para a União Europeia", afirma Audrey Changoe, especialista em comércio da Friends of the Earth Europe e uma das autoras do estudo, ao lado da brasileira Larissa Bombardi, professora da USP e especialista em agrotóxicos no Brasil.

"Licença para envenenar"

O relatório assinado pelas duas especialistas afirma que grandes corporações europeias fabricantes de agrotóxicos se beneficiam das "regulações ambientais fracas do Brasil" e, além disso, também trabalham com o agronegócio brasileiro para moldar como essas leis são escritas.

Segundo o texto, a agenda do agronegócio se reflete no Congresso brasileiro por meio da bancada ruralista, "notória por pressionar para enfraquecer a legislação ambiental e de pesticidas e desmantelar órgãos governamentais responsáveis pela proteção do meio ambiente". "As empresas da UE estão apoiando esse bloco e, por sua vez, facilitando sua agenda", diz o relatório.

"Nossas descobertas são alarmantes: uma legislação ainda mais fraca no Brasil dará à Bayer uma licença para envenenar a natureza e as comunidades rurais que já sofrem com a agricultura intensiva de pesticidas", completa Changoe.

O documento lembra que a bancada ruralista é aliada próxima do governo Bolsonaro e endossou sua candidatura em 2018. A organização também acusa o atual governo de criminalizar a sociedade civil e os movimentos sociais que lutam contra o uso de agrotóxicos – o que faz aumentar ainda mais o poder político de grandes corporações europeias.

Acordo UE-Mercosul

O relatório se posiciona de forma contrária à ratificação do acordo comercial UE-Mercosul – fechado após duas décadas de negociações –, que aumentaria as exportações de produtos agrícolas para a Europa e as importações de agroquímicos para os países do Mercosul – especialmente para o Brasil, que é o maior exportador mundial de soja.

"Embora o acordo traga oportunidades para as empresas agroquímicas que operam na UE, incluindo a Bayer e a Basf, também corre o risco de exacerbar os danos devastadores causados à natureza e às comunidades locais, incluindo os povos indígenas, cujo modo de vida e os direitos à terra são atacados pelo agronegócio brasileiro", diz o texto.

Segundo o relatório, o acordo vem num momento em que "os sinais da perda dramática da biodiversidade global relacionada ao uso de pesticidas se tornam cada vez mais evidentes".

A organização ressalta que, se o pacto comercial for ratificado, as tarifas sobre agroquímicas serão reduzidas em até 90%, levando a um provável aumento da exportação de pesticidas perigosos da UE aos países do Mercosul, incluindo alguns proibidos na Europa devido ao risco que representam à saúde humana e ao meio ambiente.

Segundo o texto, o acordo também deve impulsionar as exportações de produtos como soja, cana-de-açúcar e etanol derivado da cana, que dependem fortemente de agrotóxicos, bem como de carne bovina e aviária, que dependem da soja como ração animal, aumentando ainda mais o uso de pesticidas. "Esses produtos agrícolas também estão ligados ao desmatamento e à destruição da biodiversidade, bem como à violação dos direitos indígenas", reitera o relatório.

A Friends of the Earth Europe afirma, assim, que o comércio promovido pelo pacto está "fundamentalmente em desacordo" com outras metas ambientais do bloco europeu, e pede que os Estados-membros da UE rejeitem o acordo com o Mercosul, "se afastem de promover o modelo de monocultura com uso intensivo de pesticidas" e "apoiem abordagens de agricultura mais sustentáveis, amigas da natureza e centradas em pessoas".

O relatório pede ainda que a União Europeia introduza uma proibição imediata das importações de itens com resíduos de produtos químicos que já são proibidos na própria UE.

"A União Europeia tem a responsabilidade de parar o comércio tóxico UE-Mercosul agora", conclui Audrey Changoe, uma das autoras do relatório.

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Decálogos do desgoverno

Expor o mau governo para calar o golpismo

Eleitor de oposição não sabe nem por onde começar. Está na hora de lhe fornecer decálogos dos malfeitos deste governo
Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico

 

O general responsável pela cibernética do Exército tem insaciáveis dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas que elegeu o comandante em chefe e prole. O homem mais rico do mundo, notório crítico da moderação de conteúdo das redes sociais, comprou aquela que é a mais usada pelos políticos. As cúpulas do Legislativo e Executivo agem em sintonia no cerceamento do Supremo Tribunal Federal na contenção da militância mais extremada do presidente da República.

Se alguém ainda cultivava dúvida sobre o potencial de encrencas desta eleição há de tê-las dissipado com os últimos acontecimentos. A única maneira de minimizá-las é com uma campanha em tempo real. Não o tempo das redes sociais, mas aquele da realidade. Daquilo que Jair Bolsonaro, de fato, entregou em seu mandato.

Se o golpismo é alimentado pela voz rouca das ruas, como defendem aqueles que proclamam o apoio popular à ação militar em 1964, não há saída para a oposição senão esclarecer aos eleitores o que Bolsonaro fez com o país.

Quem quer que tenha participado de uma roda com bolsonaristas sabe que eles se valem do simplismo empacotado pelas milícias digitais como verdade irrefutável.

Muitos dos que discordam se resignam a ouvir a ode calados, entre outras razões porque a existência de defensores de Bolsonaro ainda desnorteia. Além disso, são tantos e de tão variada ordem os crimes contra o povo brasileiro cometidos por este governo que fica até difícil saber por onde começar.

Esses brasileiros não contam com a oposição. O líder, cada vez mais ameaçado pela recandidatura presidencial, ainda não decidiu se a campanha é para resgatar biografia ou se para ganhar a eleição.

O que se conhece de sua propaganda até aqui se destina a explicar o que foram os tempos de seu partido no poder para os que não o conheceram. Como se em 2 de outubro o eleitor entrasse na cabine para ser teletransportado para o passado.

O terceiro colocado insiste em tratar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não o atual presidente como seu principal adversário. Como tem uma campanha mais objetiva e direta e menos ditada pelas lutas internas da burocracia do seu partido, arrisca fazer mais estrago no PT do que no bolsonarismo.

Na quarta via todos têm direito constitucional ao esperneio inócuo, assim como é igualmente franqueada a percepção de que se trata de muito barulho por nada.

Esta não é uma campanha sobre egos feridos ou glórias do passado. Não é uma competição de testosterona. Tampouco se disputa a escalação do time a partir de 2024. É uma disputa sobre o aqui e o agora.

Quem tem que estar na vitrine é Bolsonaro. E o alvo não são as bombas que planejou explodir em quartéis nos anos 1980, a tentativa de golpe no 7/9 ou os tanques na Esplanada. Tudo isso é importante para a democracia e também para desviar o assunto. Esta é uma eleição sobre quem aprova e desaprova sua gestão. É um plebiscito sobre seu governo.

Se esta nunca deixou de ser a pauta a ser perseguida, ganhou ainda mais centralidade com o golpismo. Se depois dos estoques de cloroquina e viagra, os militares ainda se arvoram a ditar regras, só a exibição direta, fácil e cristalina dos desastres do capitão será capaz de inibi-los.

Com o perdão pela presunção, talvez seja melhor desenhar. Em forma de decálogo:

1. glomerou, combateu o isolamento, alardeou curandeirismo e conspirou contra vacinas. Ao agir pela imunização de rebanho fez com que um país que tem 3% da população mundial acumule 11% dos óbitos pela covid 19.

2. Deixou de investir R$ 8 bilhões em educação e agravou penúria da pandemia. O PNE previa gastos de 10% do PIB em 2024. Hoje está em 5,6%. Registrou o menor número de inscritos do Enem. Deu mais dinheiro para kits robótica do que para creches. Três milhões de crianças estão sem vagas.

3. Produziu a inflação mais alta dos últimos 27 anos. Taxa dos últimos 12 meses já é de 12%. Alta dos alimentos atinge mais os pobres. Metade dos trabalhadores teve reajuste abaixo da inflação. Fechamento de 27 armazéns públicos rifou estoque regulador de alimentos.

4. Levou o Brasil de volta ao mapa da fome. Mais de 116 milhões viviam em algum grau de insegurança alimentar em dezembro de 2020. Aumento de 54% sobre 2018. Desse total, 19,1 milhões não fazem sequer uma refeição por dia.

5. Reduziu o orçamento do programa Casa Verde e Amarela de R$ 1,5 bi em 2020 para R$ 27 milhões em 2021. Paralelamente, destinou R$ 100 milhões para um programa habitacional destinado a policiais federais, militares e civis.

6. Aumentou desmatamento em terras indígenas entre 2019 e 2021 na comparação com o triênio anterior em 138%. Proteção ao meio ambiente teve um quarto dos recursos destinados às emendas de relator em 2021. Caiu em mais de um terço o gasto da Funai. 

Garimpo ilegal avançou 46% em 2020

7. Mais que triplicou registro de armas de fogo. 2021 fechou com um estoque de mais de 2,2 milhões de armas em arsenais particulares Em 2021 a apreensão de armamentos foi metade daquela registrada em 2019. Número de mortes violentas, que havia caído na pandemia, voltou a subir.

8. Desmontou fiscalização dos órgãos do Estado. Canal para denunciar violência contra mulher foi destinado a receber denúncias de militantes antivacinas. Recursos destinados ao combate do trabalho infantil tiveram redução de 95%.

9. Protegeu os filhos de investigação. Flávio Bolsonaro, cujo salário é de R$ 24,9 mil, comprou casa de R$ 6 milhões, apesar de patrimônio declarado de R$ 1,74 milhão. PF intimou Jair Renan, o 04, a depor em inquérito sobre atuação em favor de parceiros junto ao governo em troca de patrocínios. Foi imposto sigilo de cinco anos à atuação do vereador Carlos Bolsonaro na viagem à Rússia. Eduardo Bolsonaro acumula denúncias paralisadas na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados.

10. Indicou, pela primeira vez desde 2003, procurador-geral da República por fora da lista tríplice do Ministério Público Federal e provocou uma paralisação na atuação do órgão. Há 330 processos com foro no STF estacionados na PGR.

Mesmo sem o censo de 2020, cortado do Orçamento, dá pra fazer um decálogo para cada um dos 1460 dias deste governo.

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Dura realidade

O verdadeiro trilhão do Guedes

Guedes revelou-se um enorme falastrão: gosta de falar bastante, mas entrega muito pouco do que havia prometido
Paulo Kliass, Vermelho www.vermelho,org.br

 

Paulo Guedes parece ter algum tipo de obsessão pela cifra de um trilhão, sejam reais ou dólares. Em várias ocasiões, o ex super Ministro da Economia lançava esse valor para se referir às supostas façanhas que ele pretendia desenvolver no âmbito da economia brasileira. Este era o cenário logo depois da posse de Jair Bolsonaro, quando o ex banqueiro passou a ser apresentado como o todo poderoso da economia e prometia fundos e fundos, só faltando mesmo a garantia de venda e entrega de terrenos na Lua aos ávidos e interessados do financismo especulativo.

É importante lembrar que essa caricatura do “chicago old boy” foi uma peça importantíssima para assegurar a vitória de um capitão quase desconhecido do grande público, a não ser por suas criminosas declarações em favor da ditadura militar, da prática da tortura, da pena de morte e da liberação do uso de armas sem controle. Foi Guedes quem abriu as portas da nata do sistema financeiro tupiniquim a esse personagem tosco, a quem a maior parte das elites ainda enxergavam com bastante desconfiança. O candidato da extrema direita logo percebeu que o melhor seria ele mesmo se abster do debate de temas da área econômica. Assim ele logo terceirizou seu programa de governo e os lemas da campanha àquele que chamou de “meu Posto Ipiranga”.

Ao longo do primeiro ano de governo, Guedes ainda conseguia enganar os incautos e ludibriar os ingênuos, ao passo em que oferecia aquela piscadela malandra na direção dos mal-intencionados. A maior parte de nossas classes dominantes sonhava alto com as bravatas que ele proferia a respeito da “privatização de todas as empresas estatais” e de implementação de uma política visando a destruição completa do Estado brasileiro. Os defensores do neoliberalismo em nossas terras parecem estar bastante atrasados em relação aos movimentos verificados nos países desenvolvidos quanto à pauta econômica e ainda reverberam seus desejos absolutamente anacrônicos de um Estado mínimo, para não dizer inexistente.

As promessas do trilhão em 2019

Mas o ano era 2019 e o governo acabava de tomar posse. Logo no mês de fevereiro, Guedes lança o primeiro ato falho do trilhão. O cenário envolvia o envio da proposta original da Reforma da Previdência ao Congresso Nacional. Sabendo das dificuldades em aprovar o conjunto monstruoso das maldades ali previstas, o aprendiz de banqueiro jogava para seus colegas no interior do financismo, com o intuito óbvio de buscar o apoio das classes médias e dos grandes meios de comunicação para a proposta. E logo veio a imagem de o governo federal “economizar R$ 1 trilhão” com a medida, que previa a implantação generalizada do sistema de capitalização e de contas individuais. Na verdade, pouco importa se as mudanças no texto inicial, que foram promovidas durante a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional, não permitiram que essa meta fosse atingida. Guedes seguiu insistindo na cifra mítica do trilhão.

No mês seguinte, o cenário farsesco tinha continuidade. O trilhão apenas mudava de endereço. Com o intuito de arregimentar apoios a seu projeto de privatização completa, Guedes promete que a venda de todas as empresas estatais renderia mais do que um trilhão aos cofres públicos. Ora, qualquer pessoa que tivesse um mínimo de experiência no acompanhamento de políticas públicas em nosso País sabia que essa era uma meta inatingível. Mas na cerimônia de posse do então novo presidente do Banco Central, em março de 2019, ele chegou a afirmar que havia sido pessimista quando falava em arrecadar um trilhão antes do início do governo. Segundo Guedes, os cálculos atualizados naquele momento permitiriam que os valores chegassem a R$ 1,25 trilhão.

Enfim, decorridos quase 40 meses de seu desgoverno, parece ter ficado claro para todo mundo que o rei da economia está nu. Guedes revelou-se um enorme falastrão: gosta de falar bastante, mas entrega muito pouco do que havia prometido. No entanto, as elites do financismo não devem ter muito do que reclamar. Afinal, seu preposto no comando da economia terminou por oferecer um cardápio amplo de bons serviços prestados às causas do universo das finanças. Promoveu um imenso desmonte das políticas públicas durante seu mandato, abrindo o espaço para a maior penetração do capital privado na oferta de serviços públicos, a exemplo de saúde, previdência, educação, assistência, saneamento e outros. Conseguiu privatizar algumas empresas estatais, ainda que longe da meta trilionária. Esmagou a administração pública federal, promovendo uma verdadeira destruição das capacidades do Estado brasileiro. Tudo isso, obviamente, em benefício do capital privado, em especial os grupos articulados ao sistema financeiro.

R$ 1 trilhão de pagamento de juros

E finalmente conseguiu cumprir sua meta do trilhão em outro departamento, mas com a mão inversa da narrativa utilizada. Durante os 3 primeiros anos em que esteve à frente do comando econômico, Guedes transferiu ao sistema financeiro mais de R$ 1 trilhão, sob a rubrica de pagamento de juros da dívida pública. Para quem acha que estou exagerando, basta acessar os dados oficiais das contas públicas do governo federal nas páginas do Ministério na internet. Os demonstrativos consolidados do famoso “Resultado do Tesouro Nacional” exibem, com clareza de detalhes, as diferentes rubricas de receitas e despesas da nossa administração.

Uma das rubricas que mais pesam no conjunto dos gastos é aquela relativa a juros pagos. Apesar de todo o discurso neoliberal contra o fato de o governo apresentar um suposto excesso ou exagero em suas contas orçamentárias, o fato é que o exercício retórico esbarra no conceito utilizado da metodologia “primária”. Por meio deste artifício, são deixadas de lado todas as informações e a contabilidade relativas às despesas financeiras. Leva-se em conta apenas os chamados “gastos primários”. Assim, não são levados em consideração os impactos provocados pelo pagamento de juros da dívida pública. Em 2021, por exemplo, essa foi a segunda maior rubrica, vindo apenas atrás de benefícios previdenciários. Os gastos com juros representaram 4,7% do PIB e os da previdência social alcançaram 8,3% do PIB.

O gráfico abaixo nos informa os valores anuais e totais com pagamento de juros, relativos ao triênio 2019/2021.

Assim, pode-se perceber que esse é o verdadeiro trilhão do Guedes. Ao invés da enganação de uma suposta economia nas despesas governamentais ou de uma arrecadação ilusória, o que se viu foi que a cifra se converteu, na verdade, em um gasto promovido pelo governo federal e dirigido a um setor bastante reduzido de nossa população. A despesa realizada com juros beneficia apenas o conjunto da banca e uma parcela restrita dos setores de nossa sociedade que têm acesso a mecanismos financeiros para proteção de suas aplicações patrimoniais.

Ao invés de estimular os gastos públicos em áreas que promovam desconcentração da renda e da riqueza, o governo faz exatamente o oposto. Aplica de forma draconiana a rigidez do controle da austeridade fiscal nas despesas de natureza social (saúde, educação, previdência, etc), ao tempo em que promove um “liberou geral” nas rubricas de natureza financeira. Essa é apenas uma das facetas da perversidade do modelo de teto de gastos, em vigor desde 2016 sob o charmoso título de “Novo Regime Fiscal”, quando a duplinha dinâmica Temer & Meirelles conseguiu fazer com que o poder legislativo aprovasse a famigerada EC 95.

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Ambiente agredido

JBS elevou emissões de gases em 51% em 5 anos, diz estudo; empresa contesta dados

Cínthia Leone, UOL

 

Uma pesquisa afirma que a multinacional JBS, maior empresa de carnes do mundo com sede no Brasil, aumentou suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 51% em cinco anos. A companhia contesta os dados e afirma que o estudo usa "metodologia equivocada e dados grosseiramente extrapolados".

Segundo o levantamento, a empresa jogou na atmosfera 280 milhões de toneladas (mt) de GEE em 2016, passando para cerca de 421,6 mt em 2021. Com isso, a pegada climática da JBS seria superior à taxa anual de emissões da Itália ou da Espanha e muito próxima às da França (443 mt) e do Reino Unido (453 mt).

O estudo foi realizado por uma coalizão de ONGs - Institute for Agriculture and Trade Policy (IATP), Feedback e Mighty Earth - em parceria com o site investigativo DeSmog. Segundo a coalizão, os achados da análise desmentem a estratégia climática anunciada pela companhia, denominada "Net Zero até 2040".

A JBS afirma que os resultados levam em conta "números mais recentes de capacidade de processamento por dia", dado que "não reflete os números reais processados e não se destina a ser usado dessa maneira".

A empresa também diz que "já estão em andamento" as duas recomendações principais do relatório: divulgar emissões de acordo com os padrões internacionais e permitir a verificação independente das metas de Net Zero.

Com base nos resultados do estudo, Shefali Sharma, diretora europeia do IATP, afirma que "é desesperador pensar que a JBS possa continuar a fazer promessas climáticas aos investidores, mesmo quando a empresa aumenta maciçamente suas emissões".

Sharma defende a criação de sistemas públicos e independentes para monitorar as emissões de grandes empresas poluidoras. "Nossas estimativas de emissões atualizadas mostram claramente os danos que estão sendo causados por anúncios vazios, de planos net-zero", completa.

Com faturamento anual recorde de 76 bilhões de dólares, a JBS prometeu no ano passado alcançar emissões líquidas zero até 2040. Mas o plano apresentado foi criticado por omitir as chamadas emissões do 'Escopo 3'.

Este segmento engloba a poluição gerada por toda a cadeia de fornecimento: o metano emitido pelo gado, as emissões do desmatamento, incêndios florestais e mudança de uso da terra, produção de ração animal e uso de agroquímicos, por exemplo. Segundo estimativas, as emissões do Escopo 3 representam 97% da contribuição da JBS para a mudança climática.

Hazel Healy, editora britânica do DeSmog, disse que a JBS está usando as mesmas táticas de greenwashing empregadas pelas grandes empresas de petróleo e gás há décadas.

"Ela se apresenta como uma empresa com genuína ambição climática, mas não revela suas emissões totais para que elas possam ser comparadas com as comunicações públicas da empresa. E como esta pesquisa mostra, as emissões da JBS estão aumentando substancialmente, não diminuindo", diz Healy.

A imprensa internacional repercutiu a análise, incluindo Financial Times, Bloomberg, Politico, The Telegraph e o dinamarquês Duurzaam Financieel.

Confira, na íntegra, a resposta da JBS

Consideramos bem-vindas a análise e a oportunidade de discutir como enfrentamos de maneira construtiva e quantificamos os desafios que nosso setor enfrenta. Alcançar nosso compromisso de ser Net Zero até 2040 é nossa prioridade número um e estamos trabalhando em conjunto com lideranças reconhecidas globalmente nessa área, incluindo a SBTi, para avaliar, alinhar e auditar metas de redução de emissões baseadas na ciência, considerando os escopos 1, 2 e 3, como é nosso objetivo desde o início.

Temos sido transparentes sobre os prazos necessários para fazer isso, enquanto lideramos a transição de nosso setor, e forneceremos atualizações à medida que concluirmos cada etapa de nossa jornada. Alcançar a verdadeira mudança requer reconhecer os desafios que nosso setor enfrenta e garantir uma abordagem rigorosa baseada na ciência para reduzir nossas emissões de gases do efeito estufa.

Em vez disso, o relatório do IATP usa uma metodologia equivocada e dados grosseiramente extrapolados para fazer afirmações enganosas, incluindo o uso de nossa capacidade de processamento para estimar nossas emissões. Embora não concordemos com seus métodos e não tenhamos tido a oportunidade de contribuir ou de responder aos pontos trazidos pelo relatório antes da publicação, entramos em contato com a ONG para revisar suas conclusões em busca de nosso objetivo comum. Também contatamos consultores especializados independentes nessa área para garantir uma abordagem transparente e baseada na ciência.

No que diz respeito às duas recomendações principais dos relatórios - o trabalho de divulgação das emissões de acordo com os padrões internacionais de melhores práticas e a verificação independente de terceiros com relação à nossa meta de Net Zero -, ambas já estão em andamento.

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